18 Novembro 2024
Que a dor, a escuridão, a injustiça e a violência não apaguem em nosso coração o Ressuscitado, que reveste nosso olhar com sonhos, transforma nossas palavras em sabedoria, une nossas mãos às de outros para trabalhar e guia nossos passos pelo caminho que nos torna irmãos e irmãs.
O artigo é de Mari Paz Viniegra Mesa, RJM, publicado por Comunidade da Vida Cristã - CVX/Braga, outubro-2024.
Tive a bênção de contemplar esta obra de arte em toda a sua grandiosidade original, que se eleva de forma admirável e orante, tornando difícil desviar o olhar.
Esta pintura "A Deposição", foi colocada na Igreja do Gesù, em Roma, obra de Safet Zec (Bósnia). No sábado, 27 de setembro de 2014, o Papa Francisco a abençoou como parte do segundo centenário da Restauração da Companhia de Jesus pelo Papa Pio VII em 1814. O corpo de Cristo morto, descido da Cruz, é sustentado por três jesuítas: São José Pignatelli (1737-1811), que foi o protagonista da restauração da Companhia; o Servo de Deus Philip Roothaan (1785-1853), Geral da Companhia recém-restaurada; Pedro Arrupe (1907-1991), figura decisiva na atualização da Companhia de Jesus após o Concílio Vaticano II.
A pintura foi colocada no centro de uma das capelas laterais da Igreja do Gesù, em Roma, onde também se encontram os restos mortais de vários padres jesuítas, entre eles Santo Inácio de Loyola, Pedro Arrupe e São José Pignatelli.
Na arte cristã, o tema da deposição de Cristo inspirou obras maravilhosas, como as de Tintoretto, Caravaggio, Rembrandt van Rijn e muitos outros. Encontramos diversas pinturas e esculturas relacionadas à paixão e morte de Cristo, como as lamentações, o descendimento da cruz, o sepultamento de Jesus e outras.
Esta pintura de Safet Zec tem características distintas das clássicas, pois nela aparecem três personagens totalmente fora da época de Jesus, o que a torna profundamente instigante. Quem são essas pessoas? Por que estão ali? O que estão fazendo? Assim, mergulhei na cena, como Santo Inácio nos convida a orar e contemplar.
Ninguém me explicou essa pintura, mas, por si só, ela abriu muitos caminhos cheios de significados que desejo compartilhar. Acredito que essa seja a essência da arte: um trabalho conjunto entre a intenção criadora do artista e aquilo que desperta no espectador.
De início, deixei-me envolver pelas ações da cena: carregar, limpar, olhar, acompanhar, sustentar, silenciar, chorar, esperar e tocar a dor e a esperança que levam ao compromisso de entregar a vida e cuidar, por amor, do amigo que morreu.
Ressoa em mim o coração de Inácio dizendo a Jesus crucificado: "O que posso fazer por ti?"
Nestes dias, meu coração tem como pano de fundo o crime, a injustiça e a violência que assolam o mundo, infelizmente transformados no pão de cada dia.
Esta pintura, "La Deposizione", foi colocada na Igreja do Gesù, em Roma, e é obra de Safet Zec (Bósnia). No sábado, 27 de setembro, o Papa Francisco a abençoou como parte do segundo centenário da restauração da Companhia de Jesus pelo Papa Pio VII, em 1814. O corpo de Cristo morto, descido da cruz, é sustentado por três jesuítas: São José Pignatelli (1737-1811), protagonista da restauração da Companhia; o Servo de Deus Philip Roothaan (1785-1853), Geral da Companhia recém-restaurada; e Pedro Arrupe (1907-1991), figura decisiva na atualização da Companhia de Jesus após o Concílio Vaticano II.
Enquanto orava com os olhos e o coração fixos na pintura, reconheci nela a barbárie que envolve meu país, México, levando à culminância da desumanização com o desaparecimento dos 43 estudantes de Ayotzinapa, Guerrero, junto ao contínuo descobrimento de valas clandestinas contendo pessoas mutiladas, torturadas e assassinadas.
Meu coração sentia a dor de mães e pais que perderam seus filhos, de quem é submetido à exploração e pobreza, de homens e mulheres reduzidos à violência sistemática e estrutural de políticas que ignoram completamente — especialmente se prejudicam interesses econômicos pessoais — o respeito à vida.
O que fazemos com os mortos, com a degradação da vida? O que faço eu? O que fazemos quando, em nossas mãos, ruas e vilas, jazem os corpos de crianças, jovens, adultos, idosos, saudáveis ou enfermos, ricos ou pobres, com fé ou sem ela?
Ao me deter em cada personagem, encontrei movimentos ou luzes que me abriram um caminho de esperança — um caminho que necessariamente passa pela terceira semana, o caminho da Cruz. Nos exercícios espirituais, durante a meditação sobre a paixão de Jesus, somos convidados a fazer a seguinte súplica: "Pedir dor com Cristo doloroso, quebranto com Cristo quebrantado, lágrimas, pena interna de tanta pena que Cristo passou por mim." [EE 203 cf. 193].
Começo com meu olhar fixo em Jesus morto, centro de toda a cena.
Ele está completamente imóvel, o peso de seu corpo precisa ser sustentado com força, decisão, com uma ternura e respeito incalculáveis, para que não caia ao chão. O amigo, o mestre, morreu.
A vitalidade de sua voz, a energia curadora de suas mãos, a certeza de seu olhar, agora estão envoltas em silêncio, desamparo e derrota. Seus olhos fechados, privados da luz da vida. Seus braços vencidos pela exaustão. Gotas de sangue percorrem cada uma das feridas infligidas.
Ali está Jesus, incapaz de fazer outra coisa senão ser carregado, abraçado, sustentado por seus amigos, por seus irmãos, por seus companheiros de caminho, que decidiram tomar o cálice dele.
Maria, sua mãe, com sua mera presença envolve o filho. "Em tuas mãos entrego meu espírito", disse Jesus. Maria também o disse. E o disseram Arrupe, Pignatelli, Roothaan e os jesuítas perseguidos. Também o disse Claudina, diante de um futuro obscuro, uma órfã, uma mulher e um tear.
E ouço em meu coração e me uno a tantas pessoas que, com o rosto ao chão, buscam a luz e mal conseguem sussurrar: "Pai, em tuas mãos entrego meu espírito."
A mulher de pé, Maria, a mãe…
Com um olhar penetrante, acaricia cada uma das feridas de seu filho. Suas mãos chamam minha atenção: não estão em seu rosto, tentando esconder seu próprio sofrimento, como se cobrindo os olhos pudesse fazer desaparecer a tragédia que a cerca. Suas mãos revelam uma atitude orante, enquanto, com o corpo erguido, ela busca o rosto do filho.
Penso nas mães que não podem deixar de buscar seus filhos desaparecidos, que sempre elevarão uma oração por eles, pois esquecê-los seria esquecer a si mesmas. Oro com elas.
A postura de Maria me faz pensar que ela deve ter dito ou sussurrado aos três jesuítas da pintura como descer Jesus, como envolvê-lo, como limpar suas feridas. Apenas uma mãe pode tornar digno o que outros mancharam de iniquidade e opróbrio. Maria respondeu com ternura à súplica tantas vezes repetida por Inácio e seus companheiros: "Coloca-me com teu Filho Jesus… na cruz."
Em Maria, contemplo o rosto das mães que perderam seus filhos na guerra ou devido à violência e daquelas que continuam a procurá-los. Elas nos dizem o que fazer, como nos responsabilizar, não apenas para sepultar com justiça e dignidade os que morreram, mas para lutar pela vida dos vivos.
Agora me junto ao homem que sustenta Jesus, abraçando seu peito. Quem é ele? É o jesuíta José Pignatelli, canonizado por Pio XII em 1954.
Pignatelli abraça Jesus, parece buscar com a mão os batimentos de seu coração. Com os olhos fechados, seu rosto transmite uma compaixão e dor infinitas. Com a boca entreaberta, parece murmurar algo, talvez perguntar algo. Perguntas que não vêm da cabeça, mas das profundezas, do íntimo da existência, quando todas as portas estão fechadas. Perguntas que só encontram respostas de confiança ao abraçar o crucificado.
Quando soube que Pignatelli foi uma figura chave na restauração da ordem jesuíta e como sustentou seus irmãos durante anos de exílio, enxerguei-o com mais atenção. Perguntei-me sobre o desespero, as acusações, os becos sem saída e a pobreza que ele deve ter carregado. Alguém que, anos antes, viu sua congregação forte e próspera, de repente reduzida à insignificância. Não por um ano, nem dez, mas 40. Quarenta anos de trabalho silencioso, de fidelidade à provação, de confiança no risco, de caminho de cruz.
Pignatelli morreu em 1811, sem ver a restauração da Companhia. Ele morreu sem presenciar o fruto de seu esforço, assim como muitos morrem, como Jesus morreu: apenas confiando no Pai, em quem nossa vida também repousa.
O homem ao centro é Jon Philipp Roothaan. A ele foi confiada a tarefa de trabalhar pela solidez da restauração da Companhia de Jesus, governando como Padre Geral de 1829 a 1853. Uma missão nada fácil.
Imagino-o sustentando a fragilidade de uma comunidade que precisava se reorganizar, que, sob suspeita, era obrigada a extrair continuamente o melhor de si mesma. Posso ver nos braços de Roothaan a força interior que ele devia possuir, bem expressa no lema de seu mandato: "Fortiter et suaviter" (forte e suavemente).
Seu olhar está fixo em Jesus crucificado, a única razão capaz de sustentar a fé. Penso em tantas pessoas, associações e grupos dedicados à restauração de vidas, quando o álcool, as drogas, a pobreza e a violência deixam uma multidão de feridas, identidades despedaçadas, fracassos enraizados e famílias destruídas.
Com força e suavidade, eles realizam um trabalho que muitas vezes parece não ter esperança. Vale a pena se responsabilizar por isso? "Não tem solução!" — dizem alguns. "Não tem solução essa prostituta, esse louco, esse adolescente delinquente, esse homem, essa criança..."
Mas sempre há quem diga: "Eu me encarrego." "Dê-me essa pessoa ferida, esse sem solução. Posso ouvir a vida que um dia pulsou nele. Não pode ser que seu fracasso e sua fragilidade sejam o fim."
Penso nos discípulos no caminho de Emaús, que, no meio da decepção e do caminho cinzento, reconheceram o Amor que os acompanhava e fazia arder seus corações.
Por último, profundamente comovida, contemplo o Padre Arrupe.
Ajoelhado, ele me olha e olha para todos que fixam os olhos em Jesus crucificado, e talvez também para aqueles que não o fazem. Arrupe, um contemplativo de olhos abertos, com um profetismo que sabe enxergar o sofrimento enquanto o carrega.
Pode-se perceber o esforço em sua expressão. Ele arregaçou as mangas e está disposto a enfrentar a morte que o cerca. Observo como ele acaricia as feridas de Jesus com suavidade, limpando-as. Imagino em seus ombros os rostos de tantas vítimas da bomba atômica no Japão, que ele acolheu e acompanhou sem medir as consequências.
Posso sentir em seu olhar a constante pergunta sobre como viver as mudanças geradas pelo Concílio Vaticano II, que desafiava certezas recitadas por séculos.
Vejo em Arrupe a atitude que certamente o salvou de tanta incompreensão — especialmente daquela que mais dói, a que vem de dentro da Igreja.
À frente de Arrupe há uma tina que me remete a Jesus em sua última ceia, quando deu suas últimas instruções: "Lavai os pés uns dos outros, amem-se como eu os amei." Um convite ao serviço incondicional, uma atitude que acompanhou Arrupe até o último dia de sua vida, mesmo quando a doença debilitou sua mente e seu corpo. Pequeno, ajoelhado, ele sem dúvida abraçava o Crucificado.
Por estar tão próximo de nosso tempo, há muitas frases, escritos e cartas do Padre Arrupe. Cito algumas que considero apropriadas para reflexão:
"Nunca o Senhor esteve tão próximo de nós, talvez porque nunca estivemos tão inseguros."
"Retirai Jesus Cristo de minha vida, e tudo desabará, como um corpo sem esqueleto, coração ou cabeça."
"Não me resigno a que, quando eu morrer, o mundo continue como se eu não tivesse vivido."
"Pelo presente, 'Amém'; e pelo futuro, 'Aleluia'. "
Essas palavras expressam um amor, uma entrega, uma paixão e uma confiança inabaláveis, que se encontravam sempre aos pés do Crucificado.
Minha reflexão poderia terminar aqui, mas meu olhar se fixa na túnica branca semitransparente, que se ergue e toca a mão de Jesus. É a ressurreição, a vida que se abre caminho em meio à morte e que hoje tem rostos belos como os de Malala e Kailash Satyarthi.
Que a dor, a escuridão, a injustiça e a violência não apaguem em nosso coração o Ressuscitado, que reveste nosso olhar com sonhos, transforma nossas palavras em sabedoria, une nossas mãos às de outros para trabalhar e guia nossos passos pelo caminho que nos torna irmãos e irmãs.
Esforcemo-nos para reconhecer os sinais de vida, às vezes quase imperceptíveis, e nos unamos a eles com a certeza de que o amor é mais forte que a morte.
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A Deposição. Artigo de Mari Paz Viniegra Mesa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU