30 Outubro 2024
Em um cenário eleitoral polarizado, os porto-riquenhos da Pensilvânia podem ser a chave para conquistar a Casa Branca. Com cerca de 600 mil votos latinos em jogo, democratas e republicanos multiplicam suas campanhas para conquistar seu apoio. A RFI conversou com eles no que é considerado a 'zona zero' do voto hispano do estado, a cidade de Reading. A comunidade enfrenta desafios econômicos e uma mudança geracional em direção ao partido de Donald Trump.
A reportagem é de Cristóbal Vásquez, publicada por RFI, 29-10-2024.
“Kamala, que má você é, que má você é, Kamala…”
Ao som de salsa e parodiando o hit "Juliana", do cantor e compositor dominicano Cuco Valoy, mas trocando o nome da protagonista por "Kamala", Donald Trump fez campanha na Pensilvânia e nos Estados Unidos para atrair o eleitor latino e porto-riquenho.
Em uma eleição tão polarizada, democratas e republicanos concentram recursos na Pensilvânia, onde vive um milhão de latinos que ainda não tem uma preferência clara por um candidato.
Este é o estado-pêndulo (swing state, na expressão em inglês) que dá mais votos eleitorais a um possível vencedor da eleição, com um total de 19, e dada a margem estreita nas pesquisas, conseguir o apoio dos porto-riquenhos e latinos pode definir a eleição presidencial, como afirmam pesquisas e analistas políticos.
Elizabeth Torres Laviena é porto-riquenha e vive em Reading, Pensilvânia, com seu marido, Mike Toledo. Semanalmente, eles visitam um restaurante colombiano e se encontram com parte da comunidade desta cidade, de quase 100 mil habitantes. Reading fica no corredor latino da Pensilvânia, uma região do centro do estado onde vivem cerca de meio milhão de porto-riquenhos.
“Meus pais são de Porto Rico, meu pai veio para cá primeiro porque estava trabalhando nas fazendas, depois trouxe minha mãe. Primeiro começamos morando em Lancaster, Pensilvânia, e depois nos mudamos para cá, para Reading. Estou aqui há quase 45 anos”.
Para Elizabeth, houve uma mudança geracional que impactou a inclinação política dos eleitores: "Quando eu cheguei aqui, éramos mais democratas, e agora estou vendo que os jovens estão mais inclinados para o lado republicano. Meu filho é republicano, eu sou democrata, mas também os vejo mais indecisos", diz à RFI.
Elizabeth trabalha em uma escola e conta que os altos custos da creche estão excluindo as mulheres do mercado de trabalho. "Trabalho ajudando as pessoas na comunidade também, e há muitas mães que não podem trabalhar porque não têm os recursos para pagar a creche", explica.
Seu marido, Mike Toledo, nasceu nos Estados Unidos e é diretor do Centro Hispano, uma organização sem fins lucrativos que ajuda os latinos na Pensilvânia a superar barreiras de acesso à saúde, educação e finanças. Segundo ele, para os latinos, alcançar o sonho americano está cada vez mais difícil devido à inflação e aos altos custos de vida.
"As necessidades da comunidade porto-riquenha em primeiro lugar são a economia, o custo de ir ao mercado e comprar ovos. O custo do leite, por exemplo. Também a moradia, o custo dos aluguéis. Estamos vendo que cada vez mais famílias vêm ao Centro Hispano porque seus contratos de aluguel estão terminando e os proprietários aumentam o aluguel em 20 ou 30%. A qualidade da saúde e do atendimento médico também é muito importante", analisa Toledo.
Para Mike Toledo, se os candidatos querem ganhar o voto latino, eles precisam ouvir a comunidade e visitar o bairro. 'A Pensilvânia é o epicentro das eleições gerais. O condado de Berks e a cidade de Reading são a zona zero. Nós já sabemos como eles vão votar na Filadélfia e em Pittsburgh, mas o centro do estado é onde se decidirá quem ganha na Pensilvânia. Nesse sentido, as campanhas têm que vir ao nosso bairro. Precisam nos encontrar para entender e saber onde estamos. As campanhas não podem nos dar como garantidos. O bloco eleitoral porto-riquenho não é um bloco eleitoral homogêneo', acrescentou.
Nos Estados Unidos, há cerca de 65 milhões de latinos, dos quais quase 36 milhões estão habilitados para votar. No entanto, a plataforma Latino Data Hub projeta que cerca de 17 milhões exercerão seu direito ao voto. Para seu diretor, Rodrigo Dominguez-Villegas, em um estado onde o vencedor do voto popular leva todos os votos eleitorais, as minorias ainda indecisas serão determinantes.
"Os latinos têm muito, muito poder na Pensilvânia. Lembremos que este ano há mais ou menos 580 mil ou 600 mil possíveis eleitores latinos e a última eleição, a eleição de 2020, foi decidida por mais ou menos 81 mil votos. Então, se os eleitores latinos saírem para votar, claro que podem ser os que irão determinar o resultado da eleição presidencial no estado da Pensilvânia, que é um dos estados mais importantes. Está claro que a eleição está muito apertada de acordo com as pesquisas", diz.
Os dados do Latino Data Hub e do Latino Policy and Politics Institute mostram que haverá um aumento de 40% na participação dos latinos nesta eleição em comparação com 2016. No entanto, os latinos são a minoria que menos participa das eleições.
"Os eleitores latinos são muito mais jovens do que outros eleitores no estado. E o que acontece com os eleitores jovens? Independentemente da raça, não importa onde, na América Latina, no mundo todo: os eleitores jovens tendem a participar menos das eleições. Então, por estarem sobrerrepresentados na população jovem, os eleitores latinos, não quero dizer que só por serem jovens, mas, demograficamente são mais jovens e os jovens tendem a votar menos", analisa Dominguez-Villegas.
Historicamente, os latinos na Pensilvânia apoiaram o Partido Democrata. No final desta campanha presidencial, 57% dos eleitores latinos registrados dizem que votariam pela vice-presidente Kamala Harris e 39% pelo ex-presidente Donald Trump, segundo o Pew Research Center. No entanto, apoiadores de Trump acreditam que a tendência está mudando.
Em Butler, Pensilvânia, onde Trump sofreu uma tentativa de assassinato e voltou para fazer um grande discurso, o porto-riquenho Gardner Mujica orgulhosamente vestia sua camiseta de "Latinos com Trump".
Para ele, a única solução para os problemas da comunidade é que Trump volte ao poder. "Sei que posso falar pelos latinos aqui nos Estados Unidos: precisamos de Trump. Precisamos que Trump volte ao cargo. Precisamos que Trump faça tudo o que disse que faria para que possamos voltar ao que éramos: famílias de classe média ganhando dinheiro sem ter que trabalhar em dois ou três empregos para comprar uma casa, porque agora há uma inflação excessiva nos carros e uma inflação excessiva na moradia", afirmou.
Mujica nasceu no Bronx, em Nova York, mas hoje vive no "corredor latino" da Pensilvânia, onde faz campanha para os republicanos. Segundo ele, os democratas apenas fazem política para se enriquecer.
"Minha cidade, neste momento, está sofrendo por culpa dos democratas, porque estão tomando medidas políticas para se favorecer e não para o povo. Querem tirar nossos direitos religiosos. Querem nos tirar tantas coisas e alguns da comunidade latina nem sequer sabem. Algumas pessoas simplesmente não querem votar, e isso nos prejudica muito. Então, se eu tivesse algo a dizer à comunidade latina, seria para confiar em Trump, ter fé e colocar Deus em primeiro lugar e depois Trump", defendeu ele.
Rafaela Gomez, dominicana e apoiadora de Trump, viajou cinco horas para poder vê-lo em Butler, uma cidade próxima a Pittsburgh, Pensilvânia. Ao sair do evento, questionou se é Trump quem coloca em risco os direitos das mulheres, apesar de ele ter nomeado juízes que limitaram o direito ao aborto em nível federal.
"Eles são os que acabam com os direitos das mulheres, não Trump. Quem foi a mulher do ano? Um homem. A quem é permitido participar nos esportes femininos? A homens. Você entende? Quem pode entrar no banheiro de crianças? Transgêneros... Os democratas brigam o tempo todo pelo aborto. Por que brigar contra Trump a respeito disso? Ele nunca disse que ia parar o aborto. Quando foi presidente em 2016, nunca deteve o aborto", argumentou.
Nas últimas semanas, Donald Trump e Kamala Harris têm recorrido às personalidades do reggaeton para atrair o voto latino. Trump foi fortemente criticado e ridicularizado pela comunidade por confundir Nicky Jam, um famoso cantor do gênero, com uma mulher, ao convidá-lo ao palco em um de seus eventos políticos.
"A superestrela da música latina, Nicky Jam, vocês conhecem a Nicky? Ela é sexy... Onde está Nicky? Ohhh, olha só, estou feliz que ele tenha subido", disse Trump.
Por sua vez, Kamala Harris conseguiu o apoio de Marc Anthony, lendário cantor de salsa porto-riquenho, que atacou Donald Trump em um comercial de televisão pelo tratamento ruim que deu à ilha quando era presidente.
"Olá, sou Marc Anthony, embora alguns tenham esquecido. Eu lembro de como era quando Trump era presidente. Eu lembro do que ele fez e disse sobre Porto Rico, sobre a retórica contra o nosso povo. Lembro que, depois que o furacão Maria devastou nossa ilha, Trump bloqueou bilhões de dólares em ajuda enquanto milhares morriam", relembrou.
Estima-se que as campanhas gastem US$ 10,7 bilhões em publicidade nestas eleições, segundo o site Adimpact, e grande parte desse dinheiro será direcionada para a Pensilvânia e outros estados decisivos.
Enquanto isso, a diferença na intenção de voto entre Kamala Harris e Donald Trump na Pensilvânia varia entre 1% e 3%, uma margem que está dentro do erro estatístico e que leva os candidatos a intensificarem seus eventos e gastos de campanha nesse estado antes das eleições de 5 de novembro.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Por que voto de porto-riquenhos e latinos na Pensilvânia pode definir eleições dos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU