26 Setembro 2024
"O Supremo Tribunal Federal (STF) estuda a documentação enviada pela plataforma" escreve Bernardo Gutiérrez, jornalista, escritor e pesquisador hispano-brasileiro, em artigo publicado por El Diario, 26-09-2024.
Na última quarta-feira, 18 de setembro, a rede social X voltou a estar operativa no Brasil, apesar do bloqueio ordenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Uma mudança de servidores da rede X, que passou a usar os endereços de IP dinâmicos da empresa Cloudflare, burlou o bloqueio. “Qualquer magia suficientemente avançada é indistinguível da tecnologia”, escreveu Elon Musk em seu perfil de X, alterando ligeiramente uma frase do escritor de ficção científica Kim Stanley Robinson. Alexandre de Moraes, ministro do STF, aplicou uma nova multa de 5 milhões de reais (cerca de 820.000 euros) à X, ao considerar que a plataforma pretende “faltar com o respeito ao Poder Judiciário brasileiro” por meio de uma “fraudulenta, ilícita e recalcitrante persistência”.
Quando parecia que o confronto entre Musk e Moraes ia escalar para uma nova fase, a X emitiu um comunicado reconhecendo que a restauração do serviço foi involuntária e mostrando vontade de colaboração: “Continuamos com os esforços para trabalhar com o governo brasileiro para que ela (X) volte o mais rápido possível ao povo brasileiro”.
Dois dias depois, a X nomeou sua nova representante legal no Brasil: Rachel de Oliveira Villa Nova, antiga advogada da empresa antes do fechamento de seu escritório no país em agosto. Depois que o STF liquidou as multas de 18 milhões de reais da plataforma usando as contas da X e da Starlink (empresa de internet via satélite propriedade de Elon Musk), a nomeação de um representante legal abre caminho para a restauração do serviço da X no país sul-americano. “A decisão que Alexandre de Moraes tomou exigia três condições para que a X voltasse. Essas condições estão praticamente cumpridas”, assegura João Brant, secretário nacional de Políticas Digitais.
Com o atual bloqueio da X e o caráter sigiloso do processo, não é possível verificar se a terceira condição (o fechamento de perfis com conteúdo golpista) está sendo totalmente cumprida. Já foram bloqueados alguns dos perfis mais polêmicos, como dos influenciadores digitais Allan dos Santos (fugitivo da justiça) e Paulo Figueiredo.
Alexandre de Moraes solicitou no último sábado mais documentação à X, alegando que a nomeação do representante legal no país “não foi devidamente apresentada”. Além disso, autorizou a Polícia Federal (PF) a investigar perfis que burlaram o bloqueio da X usando serviços da tecnologia Virtual Private Network (VPN), como os deputados Eduardo Bolsonaro (filho do ex-presidente), Níkolas Ferreira e Carla Zambelli. O retorno do funcionamento da X no Brasil depende, por sua vez, segundo a BBC, do pagamento de uma nova multa que está sendo calculada por diversos órgãos públicos do Brasil.
O principal motivo para a mudança de estratégia da X reside, segundo a maioria dos analistas e especialistas, na pressão dos investidores da plataforma. Bruna Santos, da organização global Digital Action, considera que a plataforma depende dos investidores e de sua imagem pública. “Tudo o que está acontecendo não tem beneficiado a imagem da plataforma, que sofreu um êxodo considerável de anunciantes”, afirmou Bruna Santos à BBC.
Um estudo da consultoria Kantar, baseado em entrevistas com 18.000 consumidores de 27 mercados e mil investidores em publicidade, revela que 26% dos anunciantes planejam cortar seu investimento na X. De fato, 14% dos entrevistados retirarão seus orçamentos dessa rede social antes que o ano termine. A falta de controle de conteúdo da extrema-direita na X, algo que viola leis na maioria dos países, é um dos motivos alegados por alguns anunciantes. “A X mudou muito nos últimos anos e pode ser imprevisível de um dia para o outro. É difícil confiar na segurança da sua marca em um ambiente assim”, afirmou Gonca Bubani, diretora da Kantar, em declarações ao The Guardian.
Por outro lado, a mudança de estratégia de Elon Musk no Brasil ocorre após a migração de milhões de usuários para aplicativos como o Threads do Instagram ou plataformas como Bluesky. E justamente no momento em que a empresa E-Space, empresa de internet por satélite que compete com a Starlink, recebeu autorização para operar no Brasil.
O presidente brasileiro Lula da Silva fez uma alusão velada a Elon Musk em sua intervenção na ONU na última terça-feira. “O futuro da nossa região passa pela construção de um Estado sustentável, eficiente, inclusivo, que enfrente todas as formas de discriminação, que não se intimide diante de indivíduos, corporações ou plataformas digitais que se acham acima da lei”, afirmou o mandatário brasileiro. Da Silva pegava assim o gancho da carta Contra o ataque das Big Techs às soberanias digitais, assinada por intelectuais e ativistas de todo o mundo, entre eles Thomas Piketty, Yanis Varoufakis, Renata Ávila ou Cory Doctorow.
A carta considera o caso brasileiro como “o eixo pivotal do conflito entre as corporações de big techs e aqueles que buscam construir uma democracia e uma paisagem digital centrada nas pessoas”. A carta solicitava apoio internacional ao Brasil, um país que durante os governos de esquerda entre 2003 e 2016 foi uma referência em soberania tecnológica. O setor público apostou, então, no software livre (em detrimento dos sistemas operacionais da Microsoft ou Apple) e aprovou o Marco Civil da Internet, que protege a neutralidade da rede frente às práticas monopolistas das multinacionais. Entre as prioridades do atual governo de Lula estão o lançamento de um sistema de internet via satélite de titularidade pública e o impulso de novas formas de Inteligência Artificial a partir do sul global, uma discussão que está ganhando peso durante a presidência brasileira do G20.
O escritor Kim Stanley Robinson, apesar de não ter assinado a carta de apoio ao Brasil, parece estar ao lado de Lula diante de Elon Musk. “Eu não tenho fé nos milionários, eles não deveriam existir”, confessou após o lançamento de seu último romance, O ministério do futuro.
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O dia em que Elon Musk cedeu a Lula: acatar decisões judiciais e moderar o tom no Brasil. Artigo de Bernardo Gutiérrez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU