22 Mai 2024
"Somos habitados pelo desejo e podemos ser possuídos pelo desejo até à alienação. O nosso desejo pode crescer até se tornar uma pretensão de posse, de consumo, de apropriação daquelas coisas ou pessoas que o despertaram em nós", escreve o monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 13-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na nossa vida cotidiana, ressoa com crescente insistência o convite a escutar e atender o desejo. “Siga o seu desejo!” é o imperativo martelante, especialmente quando nos dirigimos às novas gerações.
Sim, cada ser humano é homo desiderans, conhece a força do desejo que o habita. O desejo é um sentimento que brota do fundo da pessoa, mas ao mesmo tempo às vezes se mostra como um dominante, um daimon que tende a ultrapassar o limiar além do qual não pode mais ser governado. Somos habitados pelo desejo e podemos ser possuídos pelo desejo até à alienação. O nosso desejo pode crescer até se tornar uma pretensão de posse, de consumo, de apropriação daquelas coisas ou pessoas que o despertaram em nós.
Entendemos então o mandamento: “Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo! (Êxodo 20,17; Deuteronômio 5,21). O verbo presente nesse comando, chamed, expressa um desejo a ser satisfeito, movimento que visa realizar um desejo tão forte que nos leva a tomar posse e, portanto, a roubar. A ganância é uma força que arrasta o sujeito e o leva a realizar o seu desejo sem levar em conta os outros.
Acontece nessa sedução uma perda da liberdade. Compreendemos, assim, a pregação obsessiva dos profetas contra a ganância: do que nascem as brigas, as violências, o roubo, a injustiça, a opressão de pobres e as guerras nas relações entre os povos? O profeta Miquéias denuncia aqueles "que são gananciosos por terras e as usurpam, de casas e as tomam”; Isaías amaldiçoa “aqueles que acrescentam casa a casa e terra a terras até ser os únicos proprietários”; Amós ameaça “aqueles que vivem na corrupção e na ilegalidade." A condenação do desejo sem limites permeia toda a profecia. É preciso uma verdadeiro educação do desejo, porque de como vivenciamos o desejo dependem as nossas relações, as nossas histórias de amor, as relações que estabelecemos na sociedade. Na vida pessoal como na vida na polis é preciso saber “desejar” e é preciso saber “não desejar!”
O Prêmio Nobel de economia de 2001, Joseph Stiglitz, publicou o livro Le triomphe de la cupidité para ilustrar a atual situação econômica mundial e a sua crise: na origem está a ganância pelo dinheiro. Há uma voracidade legitimada, que impregnou a mentalidade da nossa sociedade e impede qualquer promoção da justiça e da igualdade. E assim se abre o espetáculo da corrupção, por um luxo desenfreado, por uma ostensiva festa dos poderosos, por um exercício arrogante do poder.
A proibição do mandamento não pede para extinguir o desejo, mas para discernir sempre se ele, satisfeito, traz vida e criatividade, ou alienação e escravidão; se for desejo não contra os outros, mas desejo em vista de uma vida boa e bela, na honestidade e na justiça.
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O imperativo do desejo. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU