16 Fevereiro 2024
Diversos países ocidentais - incluindo seu principal aliado, os Estados Unidos - pediram a Israel que não avance com seus planos de atacar a cidade onde 1,4 milhão de palestinos vivem amontoados em condições extremas, e Espanha e Irlanda pediram a Bruxelas que investigasse a violação dos direitos humanos.
A reportagem é de Mariangela Paone e Francesca Cicardi, publicada por El Diario, 14-02-2024.
Benjamin Netanyahu desencadeou temores na comunidade internacional quando anunciou na sexta-feira passada que Israel está se preparando para expandir sua ofensiva para Rafah, a cidade mais ao sul de Gaza, que se tornou o último refúgio para mais de um milhão de palestinos que fugiram de outras áreas da Faixa. O anúncio do primeiro-ministro israelense não apenas intensificou as críticas às operações militares de Israel em Gaza por parte de seus parceiros ocidentais, mas também parece ter aberto fissuras no "apoio incondicional" de seu principal aliado, os Estados Unidos.
Em Washington, tem sido reiterado nos últimos dias que os EUA se opõem a uma ofensiva em grande escala em Rafah e têm instado Israel a proteger os civis, especialmente aqueles nos campos de deslocados que se expandiram rapidamente nas proximidades da localidade, onde hoje mais da metade da população total da Faixa de Gaza (2,3 milhões) está amontoada. No domingo, o presidente dos EUA, Joe Biden, falou por telefone com 'Bibi' - o apelido de "um amigo há mais de 30 anos", como Biden o descreveu - para pedir que ele desenvolva um plano "crível e executável" para evacuar os civis de Rafah antes de prosseguir com a operação militar.
Desde o início da ofensiva na Faixa, o exército israelense ordenou que a população evacuasse várias áreas antes de invadi-las, mas isso não impediu que um grande número de vítimas ocorresse. A expansão das operações terrestres de Israel e os intensos bombardeios têm empurrado os palestinos cada vez mais ao sul, em direção à fronteira com o Egito, e agora eles não têm para onde ir: ao norte de Rafah, os combates entre as tropas israelenses e os militantes islâmicos do Hamas continuam, concentrados na cidade de Jan Yunis; a oeste, está o Mar Mediterrâneo; e a leste, a cerca de fronteira com Israel, de onde os tanques apontam em direção a Rafah.
Os deslocados perguntam desesperadamente: "Onde é seguro? Para onde deveríamos ir?", de acordo com a coordenadora de projetos de Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Gaza, Lisa Macheiner. O exército israelense ordenou a evacuação do principal hospital do sul de Gaza, o complexo Al Nasser, em Jan Yunis, que está sitiado há dias pelas tropas e onde pelo menos cinco pessoas morreram, segundo a MSF, que tem pessoal médico neste centro. Milhares de deslocados se refugiavam em suas instalações, mas a maioria saiu após as ordens israelenses. Eles não podem voltar para o norte e temem ir para Rafah devido à iminente ofensiva anunciada por Netanyahu.
Biden, irritado com Bibi embora, em público, a Administração Biden não tenha mostrado impaciência, em particular parece que o presidente está cansado "desse cara", ou seja, de seu amigo Netanyahu. De acordo com uma reportagem exclusiva da rede americana NBC News, que cita cinco fontes conhecedoras do assunto, Biden tem tentado convencer o primeiro-ministro israelense a aceitar um acordo de cessar-fogo, mas admitiu que lidar com Netanyahu é "um inferno". Biden até o chamou de "idiota" e, de acordo com uma das fontes, "sente que isso é suficiente e precisa parar". Ainda assim, por enquanto, a postura dos EUA em relação à guerra em Gaza não mudou: o porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, afirmou que seu país não se opõe aos planos de Israel de "entrar em Rafah para eliminar o Hamas", mas desta vez estabeleceu limites e condições.
O chefe de Assuntos Humanitários das Nações Unidas, Martin Griffiths, também afirmou que "a comunidade internacional alertou para as perigosas consequências de qualquer invasão terrestre de Rafah. O governo de Israel não pode continuar a ignorar esses apelos".
Na segunda-feira, ocorreu o primeiro massacre em Rafah, durante uma operação especial israelense para resgatar dois reféns que haviam sido localizados naquela localidade. Mais de cem pessoas morreram nos bombardeios que acompanharam essa operação, segundo autoridades locais, que garantiram que todas eram civis. Além disso, o sistema de saúde em Rafah não tem capacidade para lidar com os feridos pela violência, nem com aqueles que precisam de assistência médica porque, cada vez mais, estão adoecendo por beber água não potável e viver em condições insalubres.
As agências da ONU alertaram que a situação em Rafah e no restante do enclave palestino já é dramática, e uma ofensiva poderia colocar em perigo a pequena quantidade de ajuda humanitária que consegue chegar a Gaza através da passagem de fronteira com o Egito, próxima a esta localidade. Desde o início da guerra, a travessia egípcia de Rafah tem sido a única via de entrada para suprimentos e pessoal humanitário, e a única via de saída para centenas de feridos que tiveram a sorte de receber tratamento médico fora da Faixa (entre os mais de 68.000 feridos de Gaza).
Enquanto os Estados Unidos disfarçam cada vez menos o cansaço, na Europa também aumentam as pressões sobre Israel, em um crescente de vozes alarmadas por uma iminente ofensiva terrestre em Rafah. O presidente francês, Emmanuel Macron, expressou nesta quarta-feira a Netanyahu sua "firme oposição" a uma ofensiva sobre Rafah que "só pode resultar em um desastre humanitário de uma magnitude desconhecida". Também foi muito crítico na terça-feira o ministro das Relações Exteriores britânico, David Cameron: "As pessoas em Rafah muitas vezes já se mudaram três, quatro ou cinco vezes. E não é possível se mover novamente, elas não podem ir para o norte porque voltariam para casas destruídas. Eles não podem ir para o sul, porque isso implicaria entrar no Egito, algo que nenhum de nós quer ver e os egípcios não querem ver".
Até mesmo a Alemanha, relutante em expressar críticas às operações militares de Israel, advertiu sobre as consequências de uma intervenção massiva em Rafah. A ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, antes do início nesta quarta-feira de uma visita de dois dias a Israel - a quinta desde os ataques do Hamas em 7 de outubro - voltou a repetir o que já havia escrito no sábado passado em X: com 1,3 milhão de pessoas sobrevivendo em Rafah em condições terríveis em um espaço muito pequeno, "uma ofensiva do exército israelense sobre Rafah pioraria completamente a situação humanitária"; e essas pessoas "não podem simplesmente desaparecer no ar".
Desaparecer no ar ou ir para a lua, como disse o alto representante da UE, Josep Borrell, nesta segunda-feira quando pediu aos EUA que parem de vender armas para Israel. "Netanyahu não ouve ninguém", lamentou Borrell sobre os apelos de todos os líderes que viajam para Tel Aviv para implorar que ele acabe com a matança de civis na Faixa de Gaza. "Eles vão evacuar. Para onde? Para a lua? Onde eles vão evacuar essas pessoas?", disse, pedindo que se faça "algo mais do que expressar preocupação" diante da situação em Gaza.
Nessa linha, está a iniciativa da Espanha e da Irlanda, que nesta quarta-feira pediram à Comissão Europeia ações mais firmes de Bruxelas com Israel quatro meses após o início da ofensiva em Gaza. Em uma carta dirigida à presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, o presidente do governo, Pedro Sánchez - um dos líderes europeus mais críticos à intervenção militar israelense em Gaza - e seu homólogo irlandês, Leo Varadkar, pediram à Comissão uma revisão dos acordos comerciais com Israel, lembrando que o Acordo de Associação entre este país e a UE se baseia no cumprimento dos direitos humanos e dos princípios democráticos por ambas as partes. "Os horrendos ataques terroristas cometidos pelo Hamas e outros grupos armados não justificam nem podem justificar qualquer violação do Direito Internacional e Humanitário na resposta militar, com as consequentes consequências para a população civil da região", diz a carta.
Sánchez e Varadkar, líder do partido conservador democrata-cristão Fine Gael, pertencem a duas famílias políticas diferentes e sua iniciativa conjunta materializa a transversalidade que começa a haver em uma UE até agora dividida sobre uma postura mais firme em relação a Israel.
Essa mesma transversalidade ocorreu na terça-feira no Parlamento italiano. Em um fato praticamente inédito desde que a líder do ultradireitista Irmãos da Itália, Giorgia Meloni, chegou ao poder em 2022, a Câmara dos Deputados aprovou, com a abstenção da maioria que apoia o governo, uma moção apresentada pelo Partido Democrático na qual pela primeira vez o Parlamento insta o Governo a "apoiar qualquer iniciativa para pedir um imediato cessar-fogo humanitário em Gaza", algo que o Executivo se opôs apenas algumas semanas atrás. O resultado foi fruto de uma negociação direta entre Meloni e a líder do PD, Elly Schlein, que concordou em mudar no texto da moção a ordem das frases para que o pedido de libertação incondicional dos reféns aparecesse antes.
O que ficou de fora foi a aprovação de uma referência ao reconhecimento do Estado palestino, apesar de o Parlamento italiano já ter se expressado nesse sentido em 2015. Horas antes, o secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, após uma reunião com Meloni, o presidente da República, Sergio Mattarella, e o ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, pelo aniversário dos acordos entre a Itália e o Vaticano, disse: "Todos estamos indignados com o que está acontecendo, com este massacre, mas temos que ter coragem de continuar e não perder a esperança". "Eu sei que também a Itália", acrescentou antes de reiterar que "é necessário encontrar outras vias para resolver o problema em Gaza e na Palestina".
"A Santa Sé diz isso desde o início: por um lado, condena claramente e sem reservas o que aconteceu em 7 de outubro. Uma condenação clara e sem reservas de qualquer forma de antissemitismo, aqui reitero isso; mas, ao mesmo tempo, também um pedido para o direito de defesa de Israel que foi invocado para justificar que esta operação seja proporcional e com 30.000 mortos certamente não é". Palavras classificadas como "deploráveis" pela Embaixada de Israel no Vaticano.
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Netanyahu fica sozinho em sua ofensiva sobre Rafah, o último refúgio dos gazatenses - Instituto Humanitas Unisinos - IHU