11 Dezembro 2023
"Nas últimas décadas, a negligência governamental possibilitou o aprofundamento da prática ilegal e, em torno dela, fomentou-se também a exclusão, o esbulho territorial e a violência contra famílias indígenas", escreve o Cimi Regional Sul, em nota publicada no portal do Cimi, 08-12-2023.
As violências contra os povos indígenas têm sido contínuas e brutais ao longo de todo o processo de colonização em nosso país. O esbulho dos territórios indígenas é sistêmico, afeta de forma generalizada e organizada as comunidades, fragilizando o acesso aos direitos fundamentais à terra e ao seu usufruto exclusivo, destruindo a natureza e seus mananciais hídricos e ecológicos.
Os ambientes sociais, econômicos, políticos e culturais existentes no entorno das áreas indígenas são adversos e desencadeiam, nos territórios, insegurança e falta de perspectivas de vida e de futuro. Na Região Sul do Brasil, os povos Kaingang, Mbya Guarani, Avá Guarani, Xeta, Charrua e Xokleng, sobreviventes dos massacres promovidos pelo Estado e por particulares, têm, em seus corpos e espíritos, feridas que continuam abertas.
Ao longo do século passado, os agentes do Estado, através do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), promoveram a remoção forçada e o confinamento de famílias e comunidades indígenas em espaços ínfimos – nas reservas – verdadeiros campos de concentração e tortura.
Eles desvirtuaram as formas organizativas dos povos e introduziram estruturas de poder e comando – aos moldes dos regimentos militares – e, através dessa manipulação, buscaram controlar os indígenas e submetê-los aos interesses econômicos. Toda a estratégia estatal foi direcionada à dizimação e à integração dos originários habitantes do Brasil. Não havia alternativa a não ser habituarem-se às práticas dos opressores.
O indigenismo estatal, além de controlar os corpos e as almas, apropriou-se das terras e dos recursos econômicos nelas existentes. Através de ameaças, aprisionamentos, espancamentos e torturas, obrigaram os indígenas a trabalhar na derrubada das florestas e na abertura de lavouras, em seguida negociadas com arrendatários.
A Constituição Federal de 1988 rompeu com a lógica integracionista, afastando a tutela e determinando que o Estado passasse a adotar relações de respeito para com os povos indígenas, assegurando-lhes o direito às diferenças. Garantiu também o direito às terras tradicionalmente ocupadas como originário, inalienável, indisponível e imprescritível. Com isso, a Constituição assegurou o direito dos povos ao usufruto exclusivo das suas terras e definiu como ilegal a prática do arrendamento.
Nas últimas décadas, a negligência governamental e dos órgãos de controle possibilitou o aprofundamento da prática ilegal do arrendamento e, em torno dele, fomentou-se também a exclusão, o esbulho territorial e a violência contra famílias indígenas. Nesse modelo de gestão ilegal das terras tradicionalmente ocupadas, funciona o sistema privado de uso da terra e a estruturação de cacicados cruéis e perversos, que reproduzem as chefias militares para exercício do poder interno. Famílias Kaingang – que vivem nas reservas – encontram-se amedrontadas, em pânico, pelo ambiente de guerra.
Nesse contexto, faz-se necessário e urgente, nos termos da legislação vigente, a identificação e a punição de arrendadores e arrendatários e daqueles que promovem ataques às pessoas e seus bens no interior de terras indígenas da região.
Concomitante às investigações e responsabilizações penais dos agressores, os órgãos públicos, amparados pela legislação, devem buscar meios administrativos e jurídicos para intervir nas áreas onde há a conflagração dos atos de violência, a exemplo do que ocorre, neste período, em Cacique Doble. Torna-se insustentável a vida em ambientes onde a violência impera como norma. Essa prática não é cultural e muito menos se pode justificar as ações de grupos criminosos e milícias armadas – de indígenas e não-indígenas – como se fossem componentes dos costumes e tradições do povo Kaingang.
É indispensável a reflexão, a construção e a implementação de políticas públicas específicas e diferenciadas de apoio e fomento às comunidades indígenas no Brasil, visando a garantia do direito ao usufruto exclusivo das terras, com enfoque na produção de alimentos e na garantia de renda às famílias indígenas nos seus territórios.
O Cimi Regional Sul se coloca a serviço e no apoio aos povos indígenas, pela garantia de seus direitos fundamentais à terra como um bem a que todos tenham acesso, bem como se posiciona veementemente contra as práticas de esbulho através dos arrendamentos e repudia todas as formas de violência contra a vida e o patrimônio indígena.
Chapecó, SC, 07 de dezembro de 2023.
Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Sul
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Arrendamentos e violências persistem em terras e comunidades Kaingang no Rio Grande do Sul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU