01 Novembro 2023
Um barco com as velas arriadas. É assim que muitos fiéis LGBTs veem a Igreja Católica à luz do documento de síntese do Sínodo dos Bispos, divulgado no último sábado.
A reportagem é de Marco Grieco, publicada por Domani, 31-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um mês de assembleia em que os membros sinodais abordaram diversas vezes o tema entre os círculos menores, só para riscá-lo no texto final. Um rápido aceno à “identidade de gênero” e à “orientação sexual" apresentadas genericamente como "questões" que, após anos de pesquisa teológica, ainda "resultam controversas".
Concretamente, aos crentes que há anos pedem para serem vistos e reconhecidos dentro da sua igreja, Roma respondeu com a invisibilidade. Com o Sínodo encerrado, entre aqueles que esperavam uma palavra de abertura, muitos se dizem amargurados. Mas fazem isso em voz baixa.
Somente Francis DeBernardo, diretor executivo do New Ways Ministry, a associação dos EUA que acolhe os crentes LGBT na experiência eclesial desde a década de 1990, decide falar abertamente:
“A minha primeira reação é que no Sínodo não foi ouvido o povo de Deus, que está dizendo que quer uma abordagem diferente para as pessoas LGBT. Parece que a maioria tenha ignorado essa solicitação, e isso prejudicará muito a comunidade LGBT, mas também as famílias e aqueles que pensavam numa abordagem mais positiva".
De acordo com a última pesquisa do Pew Research Center (2019), nas Américas a maioria dos católicos apoia a comunidade LGBT: no Canadá, são quase 87%, seguidos da Argentina (80%) e dos Estados Unidos (76%). Entre os mais decepcionados estão os católicos norte-americanos, os únicos - juntamente com a igreja da Oceania - que abordaram o tema oportunamente nas suas assembleias continentais: “nas suas manifestações emergiu um profundo desejo de maior inclusão e acolhimento dentro da Igreja”.
DeBernardo conhece a situação há décadas. Em 2000, foi o principal orador sobre o tema no World Pride de Roma, coincidindo com o Jubileu: “Posso dizer que do ano 2000 até hoje, a mudança foi maior no nível mais baixo da igreja, por parte dos leigos. Mas na hierarquia houve apenas uma pequena mudança". No entanto, foi Francisco quem traçou a imagem do Sínodo como uma pirâmide invertida, com o poder na base, não no topo, que escuta o que o Espírito diz.
Há poucos dias, DeBernardo foi recebido pelo Papa Francisco junto com a Irmã Jeannine Gramick por mais de uma hora. A freira, sancionada em 1999 pelo então cardeal Joseph Ratzinger por seu empenho a favor da comunidade LGBT, foi reabilitada pelo pontífice.
Nos últimos anos, Francisco distinguiu-se por ter tomado iniciativas pessoais sobre o tema: recebeu pais de filhos homossexuais, abraçou crentes transexuais, incentivou associações cristãs que lidam com a inclusão arco-íris. Pela primeira vez, em documentos oficiais como os Instrumentum laboris – que são preparatórios para a assembleia sinodal – apareceu a sigla LGBT.
DeBernardo revela mais: “Durante o nosso encontro, o Papa disse que era a favor da bênção dos casais homossexuais, mas não do casamento”. No entanto, o responsum do Vaticano traz a sua assinatura que, em 2021, negou a bênção aos casais homossexuais, enquanto o seu pontificado dá origem a documentos onde o tema é apenas mencionado ou pontuado por condicionais.
O texto de síntese do Sínodo nos convida a “tomar o tempo necessário para essa reflexão e investir nele as melhores energias, sem ceder a juízos simplificadores que ferem as pessoas e o corpo da igreja”. Mas é há décadas que a Igreja Católica iniciou reflexões teológicas, antropológicas e sociais sobre a questão. “Isso só mostra uma coisa: ignoraram as pessoas, e é difícil pensar que essas pessoas poderão participar das discussões futuras quando sentem que pela enésima vez foram ignoradas”, ressalta DeBernardo.
Uma segunda sessão sinodal está marcada para outubro de 2024, após a qual será produzido um documento mais claro. Mas será mesmo? Para DeBernardo, o motivo do freio está em alguns bispos: “Acho que o papa deveria ter ajudado a educar os bispos, mas deixou que fizessem o que acha ser o melhor. E ele respeita a autoridade deles. Muitos bispos africanos, por exemplo, precisam ainda aprender muito e trabalhar muito nas questões LGBT".
Nos relatórios sinodais continentais, apenas o africano nunca menciona o termo LGBT, nem mesmo o termo homossexual. Em 2018, o bispo camaronês dom Andrew Nkea Fuanya ameaçou não votar um documento do Sínodo dos jovens que continha a sigla LGBT, presente, porém, no Instrumentum laboris. “Não estamos resolvendo problemas de igrejas particulares, mas de uma Igreja universal”, disse ele. Se o roteiro também for replicado neste caminho sinodal, o Papa Francisco terá de escolher se sacrifica uma fatia de fiéis que pedem para ser vistos em nome de uma harmonia eclesial apenas de fachada.
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Sínodo: para a Igreja Católica, os crentes LGBTs não existem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU