31 Outubro 2023
Apesar da virtual ausência de questões LGBTQ+ no relatório final da assembleia sinodal, uma série de passagens do documento podem ser aplicadas de forma positiva aos temas LGBTQ+. É lamentável que a assembleia sinodal não tenha feito a ligação explícita entre estes princípios que articularam e a situação das pessoas LGBTQ+, especialmente das pessoas LGBTQ+ católicas.
A reportagem é de Robert Shine, publicada por New Ways Ministry, 30-10-2023.
Ainda assim, as seguintes passagens do relatório, intituladas “Uma Igreja Sinodal numa Missão”, descrevem um apelo à justiça, um foco para um estudo mais aprofundado e uma forma mais acolhedora de cuidado pastoral – tudo o que poderia levar a futuros desenvolvimentos magisteriais sobre questões de sexualidade e gênero. Antes da próxima assembleia sinodal, em outubro de 2023, os defensores católicos LGBTQ+ devem trabalhar para mostrar como estes princípios também se aplicam às questões LGBTQ+.
A passagem final extraída abaixo é um exemplo de como um conceito do documento pode ser usado para impedir quaisquer desenvolvimentos futuros no pensamento e na prática católica LGBTQ+.
Observe que uma versão oficial em inglês do relatório do Sínodo ainda não está disponível. As passagens abaixo são traduções provisórias e serão atualizadas assim que a versão em inglês for lançada.
A riqueza e a profundidade da experiência vivida levam a indicar como prioridade o alargamento do número de pessoas envolvidas nos caminhos sinodais, superando os obstáculos à participação que até agora surgiram, bem como o sentimento de desconfiança e receios que alguns têm. (Capítulo 1, “Sinodalidade: experiência e compreensão”, parágrafo M)
Não existe apenas um tipo de pobreza. Entre os muitos rostos dos pobres estão aqueles de todos aqueles que não têm o necessário para levar uma vida digna. Depois, há os dos migrantes e refugiados; povos indígenas, originários e afrodescendentes; aqueles que sofrem violência e abuso, especialmente mulheres; pessoas com vícios; minorias a quem é sistematicamente negada voz; idosos abandonados; vítimas de racismo, exploração e tráfico, especialmente menores; trabalhadores explorados; economicamente excluídos e outros que vivem nos subúrbios. Os mais vulneráveis dos vulneráveis, para os quais é necessária uma defesa constante, são os bebês no útero e as suas mães. A Assembleia está consciente do grito dos “novos pobres”, produzido pelas guerras e pelo terrorismo que atormentam muitos países em diferentes continentes e condena os sistemas políticos e econômicos corruptos que são a causa. (Capítulo 4, “Os pobres, protagonistas do caminho da Igreja”, parágrafo C)
O compromisso da Igreja deve chegar às causas da pobreza e da exclusão. Isto inclui ações para proteger os direitos dos pobres e excluídos, e pode exigir a denúncia pública de injustiças, sejam elas perpetradas por indivíduos, governos, empresas ou estruturas sociais. Por isso, é fundamental ouvir os seus pedidos e o seu ponto de vista, para lhes dar voz, através das suas palavras. (Capítulo 4, “Os pobres, protagonistas do caminho da Igreja”, parágrafo F)
A Igreja deve ser honesta ao examinar como respeita as exigências da justiça para com aqueles que trabalham nas instituições a ela ligadas, para testemunhar a sua coerência com integridade. (Capítulo 4, “Os pobres, protagonistas do caminho da Igreja”, parágrafo L)
A Igreja também é afetada pela polarização e pela desconfiança em áreas cruciais, como a vida litúrgica e a reflexão moral, social e teológica. Devemos reconhecer as causas através do diálogo e empreender processos corajosos de revitalização da comunhão e reconciliação para superá-las. (Capítulo 5, “Uma Igreja de ‘toda tribo, língua, povo e nação’”, parágrafo H)
Recomendamos aprofundar o tema da educação afetiva e sexual, para acompanhar os jovens no seu caminho de crescimento e apoiar o amadurecimento emocional de quem é chamado ao celibato e à castidade consagrada. A formação nestas áreas é uma ajuda necessária em todas as fases da vida. (Capítulo 14, “Uma abordagem sinodal à formação”, parágrafo G)
É importante aprofundar o diálogo entre as ciências humanas, especialmente a psicologia, e a teologia, para uma compreensão da experiência humana que não se limite a justapor as suas contribuições, mas que as integre numa síntese mais madura. (Capítulo 14, “Uma abordagem sinodal à formação”, parágrafo H)
A experiência do diálogo no Espírito foi enriquecedora para todos os que dele participaram. Em particular, foi apreciado um estilo de comunicação que favorece a liberdade na expressão dos próprios pontos de vista e a escuta mútua. Isto evita avançar demasiado rapidamente para um debate baseado na reiteração dos próprios argumentos, que não deixa espaço e tempo para perceber as razões do outro.
Esta atitude básica cria um contexto favorável para examinar questões controversas mesmo dentro da Igreja, como os efeitos antropológicos das tecnologias digitais e da inteligência artificial, a não violência e a autodefesa, os problemas relativos ao ministério, os temas ligados à corporeidade e à sexualidade e outros. (Capítulo 15, “Discernimento eclesial e questões abertas, parágrafos A e B)
Para desenvolver um autêntico discernimento eclesial nestes e noutros âmbitos, é necessário integrar, à luz da Palavra de Deus e do Magistério, uma base informativa mais ampla e uma componente reflexiva mais articulada. Para evitar refugiar-se no conforto das fórmulas convencionais, é necessário fazer uma comparação com o ponto de vista das ciências humanas e sociais, da reflexão filosófica e da elaboração teológica. (Capítulo 15, “Discernimento eclesial e questões abertas, parágrafo C)
Entre os temas sobre os quais é importante continuar a reflexão está o da relação entre o amor e a verdade e as repercussões que tem em muitos temas controversos. Esta relação, antes de ser um desafio, é na verdade uma graça que habita a revelação cristológica. Na verdade, Jesus cumpriu a promessa que lemos nos salmos: "O amor e a verdade se encontrarão, a justiça e a paz se beijarão. A verdade brotará da terra e a justiça aparecerá do céu” (Sl 85,11-12). (Capítulo 15, “Discernimento eclesial e questões abertas, parágrafo D)
A dificuldade que encontramos em traduzir esta clara visão evangélica em escolhas pastorais é um sinal da nossa incapacidade de viver à altura do Evangelho e recorda-nos que não podemos apoiar aqueles que precisam de ajuda, exceto através da nossa conversão pessoal e comunitária. Se usarmos a doutrina de forma severa e com atitude de julgamento, traímos o Evangelho; se praticarmos a misericórdia barata, não transmitimos o amor de Deus. A unidade da verdade e do amor implica assumir as dificuldades dos outros até torná-las suas, como acontece entre verdadeiros irmãos e irmãs. Por isso, esta unidade só pode ser alcançada seguindo pacientemente o caminho do acompanhamento. (Capítulo 15, “Discernimento eclesial e questões abertas, parágrafo F).
Algumas questões, como as relativas à identidade de gênero e à orientação sexual, ao fim da vida, às situações conjugais difíceis, aos problemas éticos ligados à inteligência artificial, são controversas não só na sociedade, mas também na Igreja, porque colocam novas questões. Às vezes, as categorias antropológicas que desenvolvemos não são suficientes para captar a complexidade dos elementos que emergem da experiência ou do conhecimento científico e requerem refinamento e estudo mais aprofundado. É importante dedicar o tempo necessário a esta reflexão e investir nela as melhores energias, sem ceder a julgamentos simplificadores que prejudicam as pessoas e o Corpo da Igreja. Muitas indicações já são oferecidas pelo magistério e esperam ser traduzidas em iniciativas pastorais adequadas. Também onde são necessários esclarecimentos adicionais, o comportamento de Jesus, assimilado na oração e na conversão do coração, indica-nos o caminho a seguir. (Capítulo 15, “Discernimento eclesial e questões abertas, parágrafo G)
Propomos-nos promover iniciativas que permitam o discernimento partilhado sobre questões doutrinais, pastorais e éticas controversas, à luz da Palavra de Deus, do ensinamento da Igreja, da reflexão teológica e da valorização da experiência sinodal. Isto pode ser conseguido através de análises aprofundadas entre especialistas de diferentes competências e formações num contexto institucional que proteja a confidencialidade do debate e promova a discussão franca, dando espaço, quando apropriado, também à voz das pessoas diretamente afetadas pelas controvérsias. Este processo deve ser iniciado tendo em vista a próxima Sessão Sinodal. (Capítulo 15, “Discernimento eclesial e questões abertas, parágrafo K)
Ser convidado a falar e a ser ouvido na Igreja e pela Igreja foi uma experiência intensa e inesperada para muitos daqueles que participaram no processo sinodal em nível local, especialmente entre aqueles que sofrem formas de marginalização na sociedade e também na vida cristã comunitária. Ser ouvido é uma experiência de afirmação e reconhecimento da própria dignidade: é uma ferramenta poderosa para ativar os recursos da pessoa e da comunidade. (Capítulo 16, “Por uma Igreja que escuta e acompanha”, parágrafo B)
A Igreja deve ouvir com especial atenção e sensibilidade as vozes das vítimas e dos sobreviventes de abusos sexuais, espirituais, económicos, institucionais, de poder e de consciência por parte de membros do clero ou de pessoas com posições eclesiais. A escuta autêntica é um elemento fundamental do caminho para a cura, o arrependimento, a justiça e a reconciliação. (Capítulo 16, “Por uma Igreja que escuta e acompanha”, parágrafo F)
De diversas maneiras, as pessoas que se sentem marginalizadas ou excluídas da Igreja, devido à sua situação conjugal, identidade e sexualidade, também pedem para ser ouvidas e acompanhadas, e que a sua dignidade seja defendida. Na Assembleia houve um profundo sentimento de amor, misericórdia e compaixão pelas pessoas que são ou se sentem feridas ou negligenciadas pela Igreja, que querem um lugar para voltar “para casa” e onde se sintam seguros, para serem ouvidos e respeitados, sem medo de se sentir julgado. A escuta é um pré-requisito para caminharmos juntos em busca da vontade de Deus. A Assembleia reafirma que os cristãos não podem faltar ao respeito pela dignidade de qualquer pessoa. (Capítulo 16, “Por uma Igreja que escuta e acompanha”, parágrafo H)
O que devemos mudar para que aqueles que se sentem excluídos possam experimentar uma Igreja mais acolhedora? A escuta e o acompanhamento não são apenas iniciativas individuais, mas uma forma de ação eclesial. Por isso devem encontrar lugar na programação pastoral ordinária e na estruturação operacional das comunidades cristãs nos diversos níveis, valorizando também o acompanhamento espiritual. Uma Igreja sinodal não pode renunciar a ser uma Igreja que escuta e este compromisso deve traduzir-se em ações concretas. (Capítulo 16, “Por uma Igreja que escuta e acompanha”, parágrafo N)
Uma seção do relatório destacou um conceito que não será útil para futuras discussões sobre questões LGBTQ+.
Fomos criados homem e mulher, à imagem e semelhança de Deus. Desde o início, a criação articula unidade e diferença, dando às mulheres e aos homens uma natureza, vocação e destino partilhados e duas experiências distintas do humano. A Sagrada Escritura testemunha a complementaridade e a reciprocidade entre mulheres e homens. Nas muitas formas em que ocorre, a aliança entre o homem e a mulher está no centro do plano de Deus para a criação. (Capítulo 9, “As mulheres na vida e na missão da Igreja”, parágrafo A)
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