28 Julho 2023
"Quando a laicidade se estabelece como ideologia, quando passa de compreensão 'aberta' a 'fechada', quando é usada para excluir e não para incluir, torna-se um tumor da democracia", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 26-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os grandes desafios da Igreja canadense são: agnosticismo, consumismo, individualismo, indiferença ao meio ambiente, reconhecimento dos povos indígenas e acolhimento dos imigrantes.
Mas a lista fornecida pelo novo bispo de Toronto, Francis Leo, em entrevista ao América (5 de julho), começa com a doença da laicidade em uma sociedade ocidental próspera e democrática: o secularismo radical. Quando a laicidade se estabelece como ideologia, quando passa de compreensão "aberta" a "fechada", quando é usada para excluir e não para incluir, torna-se um tumor da democracia.
As agressões contra os fiéis e os prédios sagrados são um sinal disso. Denunciadas por todos, mas alimentadas por um contexto que deslegitima a liberdade das crenças. Em 2021 foram 884, com um crescimento de 67% em relação ao ano anterior. Acima de tudo, dizem respeito aos 11 milhões de católicos (30% da população), muçulmanos (5%) e judeus (1%).
Os temores não se limitam aos ambientes tradicionalistas. Em 22 de junho de 2023, foi divulgada uma carta pastoral dos bispos católicos: Viver como católicos no espaço público. Liberdade de religião e liberdade de consciência no Canadá. A carta retoma o tema de um documento anterior de 2005: Carta pastoral sobre a liberdade de consciência e de religião.
O documento mais recente afirma: "Ao contrário das liberdades relativas à ação pública - como as liberdades de expressão, reunião e associação - às quais está vinculada, a liberdade religiosa responde ao que alguns pensadores chamaram de "necessidade metafísica" da pessoa humana. Nesse horizonte, talvez se tenha uma noção mais completa de liberdade de religião se for definida como o exercício da liberdade de considerar atentamente as questões fundamentais da existência: quem sou eu? Quem sou eu em relação aos outros? Em relação ao mundo em que vivo? Em relação a Deus?”
Isso entra em conflito com uma crença generalizada. “Um postulado pós-moderno compartilhado e errôneo gostaria de sacrificar a liberdade de religião e de consciência em benefício de uma liberdade de expressão e de associação mais ampla”.
Separando o pensamento das ações, a consciência dos comportamentos, maior aprovação pública pode ser obtida, mas não maior liberdade e democracia. “A liberdade de religião e de consciência não pode realmente ser exercida sem ser manifestada publicamente. Claro, somos livres em nossa vida interior, lá onde encontramos o nosso Senhor Jesus Cristo e onde somos chamados a participar da vida da Santíssima Trindade. … Mas a liberdade de religião e de consciência permite-nos manifestar publicamente a nossa fé por meio do culto, da vida profissional e dos atos públicos”.
As instituições públicas canadenses não se inspiram por uma laicidade "aberta", como a define o filósofo católico Charles Taylor, mas sim por uma laicidade "fechada", que impede a manifestação pública das crenças.
Normas morais recentemente reconhecidas pela sociedade leiga, como a liberdade de aborto irrestrito, a liberdade absoluta de qualquer expressão sexual (identidade de gênero) ou a eutanásia "sob encomenda" não são compartilhadas por muitas religiões às quais se impede de manifestar isso. Dessa forma, obriga-se a privatizar a fé para torná-la aceitável no espaço público.
Por ser perfeitamente leiga, a sociedade acaba sendo impositiva e apagando o pluralismo. “Sem uma sólida liberdade religiosa, as outras liberdades fundamentais, como a liberdade de expressão, de reunião e de associação, seriam postas novamente em discussão, como já se pode constatar em inúmeras universidades e em diversas profissões por todo o país”.
“Que os membros da nossa sociedade – sejam eles cristãos, judeus, muçulmanos, sikhs ou sem religião – se sintam limitados na prática de sua fé, significa que essa restrição lhes parecerá indubitavelmente grave. A marginalização causada por tal experiência alimenta a maior fragmentação da nossa sociedade". E acaba favorecendo tendências fanáticas e a radicalização nas crenças.
Particularmente grave seria o fechamento de instituições católicas (escolas, hospitais, abrigos) devido à pretensão da administração pública de impor programas e práticas totalmente contrárias ao ensinamento católico e à vida de fé dos crentes. Tal tendência favorece o declínio do discurso público capaz de sentido.
O documento de 2005 antecipava substancialmente as questões ainda hoje discutidas, a começar pela distinção e relação entre liberdade de consciência (pessoal) e liberdade de religião (coletiva), do vínculo com a verdade e dos conteúdos das liberdades individuais.
Denuncia um laicismo legislativo, “muitas vezes ligado a questões relativas à dignidade da vida humana ou à família, que limita o direito à objeção de consciência nas profissões sanitárias, jurídicas, docentes e na política”.
E conclui com um quádruplo apelo: afirmar o papel que cabe à religião no espaço público; preservar as relações saudáveis entre Igreja e Estado; formar consciências segundo a verdade; proteger o direito à objeção de consciência.
No entanto, não menos evidentes são também as diferenças entre os dois documentos. No mais recente (2023) desaparece a estreita conexão com as perseguições, a atenção às outras religiões é mais enfatizada e o pluralismo das orientações é valorizado.
Mas a diferença mais consistente é o quadro geral. A referência não é mais à lei da natureza e à doutrina, mas ao evangelho e aos sinais dos tempos. “Devemos defender uma antropologia centrada em Cristo: em nossa humanidade expressamos uma dignidade doada por Deus, uma igualdade radical entre todos os humanos. Defendemos tal dignidade inerente a todos os seres humanos, dignidade que se revela interiormente quando defendemos a liberdade religiosa”.
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Canadá: a doença da laicidade. Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU