09 Janeiro 2023
“A era secular oferece a oportunidade de readaptar as formas de espiritualidade. Não deve ser considerada como um declínio e sobretudo não devemos pensar em voltar ao passado”, diz Charles Taylor, um dos mais importantes filósofos vivos, autor de obras capitais como Uma era secular (Ed. Unisinos, 2010) e As fontes do self (Ed. Loyola, 1997).
Mas, além do papel desempenhado no cenário filosófico da segunda metade do século XX e neste primeiro vislumbre do século XXI, o filósofo canadense também foi agraciado com o Prêmio Templeton em 2007, um dos maiores reconhecimentos no campo da espiritualidade e que havia sido concedido anteriormente também à Madre Teresa de Calcutá e a Aleksandr Soljenítsin.
Taylor, nascido em 1931 e professor emérito da Universidade McGill de Montreal, está nestes dias na Itália para participar do encontro “Só a secularização poderá nos salvar? Fé e razão na era do desencanto” e na mesa redonda que se seguirá na Universidade Católica de Milão na próxima terça-feira.
A reportagem é de Simone Paliaga, publicada em Avvenire, 08-01-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Professor, hoje em dia já se tornou quase um lugar-comum falar de secularização...
Frequentemente, defende-se que as nossas sociedades estão secularizadas, que o problema de Deus já está ausente, que há um afastamento da fé por parte dos fiéis. No entanto, a questão deve ser redefinida, e não pensada de forma simplista. Além disso, deveria ser contextualizada. No fim, o termo secularização deveria ser utilizado para descrever as sociedades ocidentais e, também nesse contexto, não de forma generalizada, porque existem ambientes das nossas sociedades onde o termo não é aplicável. E certamente não vale para o mundo muçulmano, por exemplo. E assim também para o budismo.
Como podemos entender, então, esse processo, para que o termo possa servir para interpretar o nosso tempo?
Para enquadrá-lo, podemos considerar a secularização sob três aspectos diferentes. O primeiro examina as instituições ou as práticas comuns, e não apenas o Estado. E diz respeito ao fato de que, no passado, essas instituições só encontravam legitimidade se estivessem conectadas, garantidas pela fé em Deus ou fundadas em outras noções que fizessem referência a uma realidade última. Há também uma segunda maneira de entender a secularização. Trata-se de constatar que as pessoas de alguma forma se afastaram de Deus e, portanto, se distanciaram das práticas religiosas e não vão mais à igreja. No entanto, ambas as formas de ver não são eficazes para investigar o problema da secularização.
Do meu ponto de vista, é oportuno focar nas condições subjacentes ao ato de crer, no modo como o contexto em que a fé floresce mudou. Nesse sentido, a secularização consiste na passagem de uma sociedade em que é impossível não crer em Deus para uma sociedade em que a fé é uma opção entre muitas. Hoje, encontramo-nos diante de uma imensa variedade de possibilidades e de opções espirituais, e não podemos voltar atrás em relação a essa situação. Portanto, podemos considerar que uma sociedade é secular não em virtude do eclipse da fé, mas por força das condições que tornam possível a experiência e a busca espiritual em um mundo marcado pela pluralidade de opções oferecidas.
Sua visão, portanto, rompe com a convicção de que a secularização caminha de mãos dadas com uma situação de decadência e de declínio...
A situação do mundo de hoje não pode ser interpretada como um simples declínio ou decadência. Nossa fé não degenerou. Certamente, vivemos em uma época de ansiedade, porque todos se sentem inseguros em sua intimidade, também devido à presença de todas essas possibilidades. Porém, não podemos pensar em voltar 50 anos atrás ou ainda mais no tempo. Para enfrentar essa situação, devemos pensar que o sagrado e o espiritual se posicionam em uma relação diferente em relação ao passado, no que diz respeito aos indivíduos e à vida social. Essa nova situação, na realidade, pode ser lida como uma oportunidade de recomposição da vida espiritual em novas formas e de novos modos de existir em relação com a realidade última. Não podemos pensar que toda essa riqueza, essa variedade de caminhos espirituais seja um empobrecimento. Eles devem ser entendidos como uma oportunidade que permite ao ser humano florescer.
Durante o século XX, o mundo católico tentou renovar a fé e repensar as práticas para adaptá-la às novas condições de crença?
Não é um movimento que surge apenas no século XX. A busca pela renovação sempre ocorreu, até mesmo no passado, quando nos referíamos à lição dos Padres. Somente para citar apenas alguns exemplos, basta pensar na obra realizada em seu tempo pelos dominicanos ou pela Companhia de Jesus, e assim ao longo dos séculos seguintes. Depois, certamente com João XXIII e com o Concílio Vaticano II houve iniciativas que se moveram nessa direção. Valorizou-se, assim, por exemplo, a reabilitação da liberdade ou se difundiu a concepção da Igreja como povo de Deus, reforçou-se o discurso sobre os direitos humanos e sobre o valor da democracia. E também não faltou a abertura a outras fés, superando assim as atitudes assumidas no passado pelas instituições eclesiásticas. No entanto, esse caminho não surgiu do nada. A exigência de uma renovação já havia sido inaugurada por alguns teólogos franceses como Yves Congar ou Henri de Lubac.
Então, como enfrentar a era secular que hoje parece predominar nas sociedades ocidentais?
Certamente, não buscando um caminho para retornar ao passado, como eu dizia antes. Será possível encontrar inspiração em algumas experiências dos séculos anteriores, sem dúvida, mas a vida cristã hoje terá que buscar e descobrir novos caminhos para ir além da situação atual. Compreender o nosso tempo em termos cristãos também depende da necessidade e da capacidade de identificar esses novos caminhos.
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“A era secular é uma oportunidade.” Entrevista com Charles Taylor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU