14 Março 2023
"A aposta é na viabilidade de um catolicismo que não seja mais romano. Sem centro. Com menos Itália e menos Europa - como indicam as nomeações cardinalícias deste papa", escreve Luca Caracciolo, jornalista e professor italiano, em artigo publicado por la Repubblica. 12-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Para o Papa Francisco, a Europa não é o centro da Igreja. Acima de tudo, não deverá nem poderá nunca mais ser. Argentino portenho de coração, embira nunca mais tenha retornado para Buenos Aires como pontífice - não é um profeta em sua terra natal, onde os críticos leigos e católicos lhe reservam farpas venenosas - ele vê a sua missão como realização de uma revolução eclesial expressa no lema “o centro é a periferia". Não há dúvida de que hoje a maioria dos católicos vive naquele que Philip Jenkins chamou de Terceira Igreja, centrada no chamado "Sul Global", entre a África e a América Latina. E a demografia transforma esse dado em destino.
O problema é que tal destino não corresponde aos 2.000 anos de história da Santa Igreja Romana, que floresceu até o século XX a partir do jardim europeu. Para trazer a periferia para o centro, portanto para reduzir o centro a periferia, é preciso transcender a dimensão histórica do catolicismo.
Alguns dos mais extremistas do lado de Francisco propõem uma Santa Sé vagante, quase como se o alicerce geopolítico da instituição - a Igreja Romana é historicamente superinstitucional, em muitos aspectos herdeira do império de Roma - fosse móvel. A sé petrina poderia rodar como um carrossel? A igreja poderia não ter um centro, mas muitos, portanto, nenhum? Esse é o dilema aberto pelo papado franciscano.
Herança pesada para administrar também para seus sucessores.
Após os primeiros dez anos de Francisco, a Igreja parece estar mergulhada em uma crise cada vez mais profunda que está produzindo cismas de fato, um dia talvez de direito.
Na própria Europa, bastante negligenciada pelo Papa não fosse por razões biográficas e sentimentais.
Várias conferências episcopais movem-se por conta própria, quase como entidades nacionais antes que universais. O caso mais recente de ruptura do poder de Roma vem daqueles bispos alemães que gostariam de colocar em discussão o celibato dos padres e muito mais. E o que dizer dos padres poloneses que, num comprimento de onda completamente diferente, acusam Francisco de minar as bases da fé?
Nunca se deve esquecer da origem traumática deste papado: a renúncia de Bento XVI, o teólogo bávaro Joseph Ratzinger. Quem na Igreja de Roma não ama Francisco, especialmente nas altas hierarquias, tentou usar Ratzinger como uma gazua para derrubar o trono de seu sucessor. Bento era profundamente europeu. Ele professava a tática da "minoria criativa", isto é, da Igreja de Roma como grupo reduzido, mas compacto, testemunha do Evangelho no sentido mais tradicional do termo. Não exatamente a Igreja em saída pregada e praticada por Francisco, em Buenos Aires e Roma (muito menos em Roma, porque os vínculos curiais e os venenos vaticanos contribuíram para minar o percurso que havia prometido iniciar).
Francisco tentou abrir uma nova fase na história e na geografia da Igreja "em saída", da qual o acordo secreto com a China parece ser o ponto mais alto.
A aposta é na viabilidade de um catolicismo que não seja mais romano. Sem centro. Com menos Itália e menos Europa - como indicam as nomeações cardinalícias deste papa. Algo muito semelhante a uma refundação. Ecclesia facit saltus? Não levará muitos anos para descobrir se a aposta de Francisco renovará a Igreja ou produzirá algumas dezenas. Não universais. “Catolicismos” particulares. Portanto, anticatólicos.
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A aposta de trazer a periferia para o centro. Artigo de Luca Caracciolo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU