03 Junho 2016
Todos sabemos que o cristianismo nasceu no Oriente Médio. Mas quando realmente acabou a sua "idade de ouro" lá? Muito mais tarde do que pensamos. Ainda nos tempos de Carlos Magno, não havia comparação entre a extensão, a vivacidade e o dinamismo missionário das Igrejas de matriz siríaca e as europeias. E até o século XI, ao menos um terço dos cristãos viviam na Ásia, embora os muçulmanos estivessem no Oriente Médio há séculos.
A reportagem é de Giorgio Bernardelli, publicada no jornal Avvenire, 01-06-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Intitula-se La storia perduta del cristianesimo [A história perdida do cristianismo] (352 páginas) o novo livro que a editora EMI propõe de Philip Jenkins (foto abaixo), historiador estadunidense de origem galesa, atento observador do que acontece no mundo das religiões.
No seu livro Chiesa globale, la nuova mappa [Igreja global, o novo mapa], há alguns anos, Jenkins tinha analisado o deslocamento para o sul do baricentro do cristianismo. Agora, em vez disso, ele coloca debaixo dos holofotes as Igrejas do Oriente Médio, do Norte de África e da Ásia. Indicando um caminho incomum para compreender a sua situação de hoje: tirar do esquecimento o seu "milênio de ouro", ou seja, o período entre os séculos V e XV.
Eis a entrevista.
Professor Jenkins, o que perdemos esquecendo-nos quase totalmente daquela época do cristianismo do Oriente?
Especialmente o sentido de uma continuidade direta em relação às raízes semíticas e médio-orientais do cristianismo, o que significa um achatamento nas tradições euroamericanas. Significa, por exemplo, perder de vista a história de um longo e muitas vezes frutífero diálogo com outras religiões (incluindo o budismo). Esquecer os sucessos surpreendentes dos missionários do primeiro milênio na Ásia. Do ponto de vista político, além disso, o cristianismo ocidental tende a se pensar em termos de alianças estreitas com os Estados, em vez de aprender a viver como minoria sob regimes não cristãos.
A experiência do primeiro milênio pode nos ensinar alguma coisa sobre as relações entre cristãos e muçulmanos?
Certamente. Estudar as relações entre as duas religiões mostra o quanto elas estavam intimamente ligadas nos primeiros séculos e como as práticas que hoje parecem bizarras aos cristãos europeus eram precisamente cristãs. Por exemplo, o gesto de se prostrar durante a oração ou as tradições rigorosas ligadas ao jejum no mês do Ramadã: são todas práticas que encontram a sua origem na Quaresma cristã. Certamente, os muçulmanos perseguiram duramente os cristãos do Oriente, mas, por muitos séculos, houve também relações harmoniosas e amigáveis entre as duas comunidades.
No livro, o senhor define a perseguição do século XIV – que marcou o início do fim da idade de ouro do cristianismo do Oriente – como "a grande tribulação". Quais são as semelhanças com a situação de hoje?
Os eventos do século XIV foram o resultado de um colapso econômico e de uma mudança climática, que levaram muitos Estados à beira do colapso e à procura de bodes expiatórios em cima dos quais fossem possível jogar o desastre. Observando-os assim, parece-me que as semelhanças são muitas. A principal diferença, porém, está no fato de que, na época, o cristianismo no Oriente Médio estava difundido e era numericamente consistente, enquanto hoje os cristãos são poucos. Precisamente por isso, torna-se mais fácil fugir. Receio que o resultado será a eliminação do cristianismo em diversos países no arco de algumas décadas.
O senhor escreveu a primeira edição desse livro em 2008. Depois, veio a guerra na Síria, que trouxe à tona as comunidades cristãs de rito siríaco. Essa tragédia nos ajudou a redescobrir esse mundo ou, ao contrário, continuamos a olhar para ele com olhos ocidentais?
Muitos cristãos ocidentais aprenderam a lição sobre as origens dessas comunidades e sobre a sua história. O problema, porém, é que essas percepções tiveram igualmente um impacto modesto sobre as escolhas políticas dos Estados ocidentais diante dessa guerra.
O senhor escreve que, ao longo dos séculos, inúmeras fés morreram, enquanto outras conseguiram sobreviver de forma escondida. Isso vai acontecer de novo hoje?
Como eu dizia, a diferença em relação às épocas anteriores é que, naqueles tempos, os cristãos e os judeus eram uma presença numerosa e difícil de destruir. Por isso, eles puderam facilmente levar adiante em segredo a sua prática religiosa. Na Idade Moderna, ao contrário, os números são tão pequenos que, em vez de se esconder, torna-se muito mais fácil optar por emigrar para outros países. Hoje, realmente, uma religião pode ser completamente destruída em um determinado âmbito.
Olhando para toda a parábola do cristianismo no Oriente Médio, como é possível medir os "sucessos" e os "fracassos" na história de uma Igreja?
A principal lição é que o tempo é medido na amplitude da história. Nós olhamos para os eventos reportando-os ao arco das nossas vidas, mas as mudanças mais importantes ocorrem ao longo de séculos ou mesmo de milênios. Hoje, assistimos à destruição do cristianismo em diversas nações, como, por exemplo, o Iraque. Mas, ao mesmo tempo, vemos comunidades cristãs crescerem rapidamente no Golfo Pérsico. Nós não somos capazes de prever qual será o resultado desses fenômenos a longo prazo. Sim, hoje pareceria que o cristianismo está desaparecendo no Oriente Médio. Mas, em um século, quando olharmos para esse período, talvez nos daremos conta de que a nossa época era uma idade de ouro, durante a qual a fé estava criando raízes em novas regiões.
Na introdução à edição italiana do livro, o senhor cita justamente aquelas comunidades de trabalhadores cristãos que imigraram para o Golfo Pérsico como um grande sinal de esperança para o cristianismo.
Os números são impressionantes: em alguns países do Golfo, os cristãos, hoje, representam até 10% ou 15% da população. E esses números são altos também na Arábia Saudita e no próprio Israel. São presenças significativas que podem marcar o início de novas tradições e comunidades importantes.
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Do Oriente, ressurge a aurora da fé cristã. Entrevista com Philip Jenkins - Instituto Humanitas Unisinos - IHU