15 Dezembro 2022
“Não se assume que a atual orgia de destruição ecológica, seja ela planetária, seja local, tenha contrapartidas econômicas e políticas. Por sua vez, as decisões econômicas e políticas de uma forma ou de outra têm consequências ecológicas. O início das respostas necessárias está em compreender que as questões políticas, sociais e ecológicas não podem mais ser tratadas separadamente, como se estivessem isoladas umas das outras”. A reflexão é de Eduardo Gudynas, uruguaio, analista do Centro Latino-Americano de Ecologia Social – CLAES, em artigo publicado por Brecha, 09-12-2022. A tradução é do Cepat.
É uma oportunidade para deter esta orgia de destruição – foi o que disse o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, aos delegados de mais de 190 países que iniciaram, na quarta-feira, 06 de dezembro, uma nova rodada de negociações sobre a Convenção sobre a Diversidade Biológica, reunidos em Montreal.
Ele se referia ao ritmo acelerado de destruição ambiental que leva à extinção de diversas espécies de plantas e animais e ao desaparecimento de ambientes silvestres. Estima-se que aproximadamente 1 milhão de espécies estejam ameaçadas de extinção e um quinto dos ecossistemas presentes no planeta possam desaparecer. Além disso, 69% das populações de espécies silvestres se perderam desde 1970 e a situação é mais grave na América Latina, onde a queda na abundância é de 94%. Os delegados que chegavam àquela reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica ouviram novamente que estamos passando por uma extinção em massa da vida em escala planetária.
Esses alertas andam de mãos dadas com os que foram dados há algumas semanas em outra reunião com representantes dos governos, neste caso sobre as mudanças climáticas, realizada no Egito. Ali também foram partilhados relatórios nefastos, que insistem em que as alterações no clima planetário terão múltiplas consequências na economia, nas populações e também na biodiversidade.
Essa situação se repete em outras frentes e para cada uma delas existe um tratado ou acordo internacional. Os delegados dos governos correm de reunião em reunião, em diferentes cantos do planeta, ouvindo alertas científicos e demandas das populações, para desembocar em declarações difusas e resoluções insuficientes para resolver os problemas. Existem milhares de acordos internacionais apenas em matéria ambiental, e alguns dos mais importantes tratam de outros temas, como os poluentes persistentes, o controle de pesticidas e produtos químicos perigosos, o comércio e o tráfico de fauna e flora, a proteção dos oceanos ou a preservação da camada de ozônio.
Em quase todas essas convenções são apresentadas advertências cada vez mais severas. É por isso que o secretário-geral das Nações Unidas não hesita em dizer aos governantes, na cara, que os mares, as águas e o ar foram envenenados com produtos químicos, que se afogaram em plástico e que, enquanto as corporações multinacionais esvaziam nosso mundo de sua riqueza natural, enchem suas contas bancárias (Discurso do secretário-geral na COP15 da Convenção sobre Diversidade Biológica, Nações Unidas, 6 de dezembro de 2022). Essas palavras são duras, mas têm pouco efeito.
Os governos fingem ser surdos ou incapazes de entender o que está acontecendo. Eles insistem em uma arquitetura internacional que separa os problemas em diferentes acordos internacionais, o que é funcional a uma forma de entender a política obcecada pelo crescimento econômico, pelos interesses corporativos e a pilhagem da natureza. Aproveitam essa fragmentação pela qual cada um dos problemas da humanidade está sendo negociado em diferentes tratados, apesar da estreita relação que existe entre todos esses dramas.
Por exemplo, se se olha para a situação na América do Sul, se verá que nossa deterioração ambiental é alarmante. Não só a floresta amazônica está encolhendo gradualmente, como o Cerrado, a segunda maior região ecológica do continente, está sendo artificializado em um ritmo mais rápido, e estima-se que aproximadamente metade desaparecerá nos próximos anos. A principal causa é o avanço da agricultura e da pecuária, e esses mesmos fatores devoram outras regiões, como o Chaco, dividido entre a Argentina, o Paraguai e a Bolívia, ou nas áreas andinas da Colômbia. Não importa para onde olhemos, na América do Sul a natureza está deteriorada, encurralada ou destruída.
Esta perda da riqueza ecológica é abordada no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica, que se reúne agora no Canadá, mas os fatores que a provocam estão sob a jurisdição de outros acordos ou organizações internacionais. O impulso agropecuário deve-se sobretudo ao fato de os nossos países serem fornecedores de matérias-primas para os mercados globais, o que deveria ser regulado na Organização Mundial do Comércio, e as condições econômicas que mantêm esta subordinação das exportações resultam de relações econômicas assimétricas que devem ser abordadas por organizações como o Fundo Monetário Internacional ou o Banco Mundial, mas que na prática funcionam acentuando-as.
Se assumirmos que o planeta está doente, é como se o paciente visitasse diferentes médicos especialistas, que separadamente o advertem que se aproxima de um colapso, mas que entre eles nunca se falam, cujas prescrições até conflitam entre si, e a doença continua piorando.
O Uruguai, em escala nacional, repete esse problema. Em relação à biodiversidade, nossos principais ambientes, como campos, serranias, florestas e banhados, estão todos muito deteriorados, alterados ou artificializados. A fauna silvestre sofre com a perda desses habitats e a isso se soma a caça. As atuais emergências ecológicas concentram-se na contaminação de solos e águas em áreas rurais. As causas dessas deteriorações estão, como em outros países, em certas práticas agrícolas enquadradas em concepções econômicas e políticas.
Muitos desses problemas deveriam ser controlados pelo Ministério do Meio Ambiente, mas suas causas são práticas agrícolas que o Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca deveria administrar de outra forma. O mesmo ocorre em outras frentes, de modo que a própria dispersão institucional passa a ser um dos motivos que contribui para a deterioração da saúde e do meio ambiente no país.
Em relação às ameaças à diversidade biológica, que agora são discutidas internacionalmente, o Uruguai se destaca por estar situado na parte final dos ranking globais de proteção da biodiversidade. De fato, o país tem pouco mais de 1% de sua área protegida por instrumentos como os parques nacionais, quando deveria ter pelo menos 17%. Este é um atraso dramático porque essas áreas protegidas são essenciais para a sobrevivência da nossa biodiversidade. É uma condição sofrida há muito tempo; os governos da Frente Ampla tiveram a oportunidade de reverter essa situação com milionária ajuda financeira, mas não alcançaram os resultados esperados e prometidos. A situação se agravou no atual governo, desde a lembrada tentativa de usar a Lei de Emergência para rebaixar o status de áreas protegidas até a mais recente liberação da caça.
No governo Lacalle, as reformas ambientais são cada vez mais parecidas com as que ocorrem nas políticas sociais, incluindo o desfinanciamento e o enfraquecimento da pasta, apostando na filantropia privada (como aconteceu com um milionário dos Estados Unidos que comprou três ilhas no rio Uruguai para fins de conservação) e publicidade (como, por exemplo, acontece com o presidente que hospeda a National Geographic).
Toda essa dinâmica mostra que os interesses econômicos e políticos prevalecem sobre as emergências sociais e ambientais. Exatamente a mesma coisa acontece em outros países, e isso faz com que aquelas grandes reuniões internacionais fiquem atoladas em sua ineficácia.
Não se assume que a atual orgia de destruição ecológica, seja ela planetária, seja local, tenha contrapartidas econômicas e políticas. Por sua vez, as decisões econômicas e políticas de uma forma ou de outra têm consequências ecológicas. O início das respostas necessárias está em compreender, seja no nosso governo, seja em outros países, que as questões políticas, sociais e ecológicas não podem mais ser tratadas separadamente, como se estivessem isoladas umas das outras.
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Uma orgia de destruição. Artigo de Eduardo Gudynas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU