17 Novembro 2022
“O atual Sínodo sobre a Sinodalidade só faz sentido se estivermos preparados para uma reflexão geracional sobre o ministério no catolicismo. Já está claro que esta não é mais a Igreja dos bispos, mesmo fora dos Estados Unidos. Mas para a Igreja Católica neste país, a sinodalidade é importante de maneiras distintas. Destina-se a preencher o vácuo deixado pelos bispos, um vácuo para o qual outras vozes e entidades – na mídia, nos negócios, na política – se precipitaram e, ao fazê-lo, colocaram em risco a catolicidade da Igreja”, escreve o historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, Filadélfia, EUA, em artigo publicado por Commonweal, 10-11-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Há poucas dúvidas sobre a importância da assembleia plenária da USCCB. Por um lado, o vice-presidente da conferência, dom Allen Vigneron, arcebispo de Detroit, não será o favorito na eleição presidencial porque não será candidato: aos 74 anos, ele, como todos os bispos, deveria apresentar sua renúncia ao chegar aos 75. Por outro lado, é a primeira sessão plenária desde que a Suprema Corte derrubou a sentença do caso Roe vs. Wade, retirando o direito ao aborto da instância nacional. Por fim, a nova liderança estará no comando durante a eleição presidencial dos EUA em 2024, quando poderemos saber quanto apoio católico dos EUA existe para a democracia estadunidense.
Mas esta reunião dos bispos também é importante em um nível mais profundo. Acontece quando a Igreja Católica está a caminho de ser, de certa forma, uma Igreja “pós-episcopal” – não mais uma Igreja de bispos. E isso provavelmente terá um impacto dramático em como o catolicismo pode influenciar e interagir com os valores sociais e políticos americanos.
A situação nasce da queda vertiginosa das vocações. Ainda temos bispos, padres e diáconos, é claro, mas não há como imaginar uma Igreja em que haja um padre para cada paróquia – a não ser importando clérigos de outros países. Enquanto isso, um estudo recente da Universidade Católica da América mostra uma queda notável nos níveis de confiança que os padres têm em seus bispos. Este cisma “organizacional” seria motivo de preocupação em qualquer organização, mas especialmente em uma religiosa.
Quase dois anos atrás, o Papa Francisco abriu os ministérios do leitorado e acolitado para mulheres, mas isso não conseguiu atrair a atenção da maioria das mulheres que já servem na Igreja ou gostariam de fazê-lo. Entre os bispos, despertou ainda menos entusiasmo. O mesmo poderia ser dito sobre a criação do ministério do catequista instituído por Francisco em maio de 2021. Em uma Igreja evangelizadora que quer ser totalmente ministerial, a própria ideia de ministério ainda é identificada com a ordenação.
A situação é ainda mais pronunciada para o ministério dos bispos. A crise pós-conciliar do sacerdócio e das ordens religiosas não é surpreendente, dado o tratamento superficial que o Vaticano II e seus documentos finais deram a esses ministérios e seu papel na Igreja. Mas a situação do bispo é surpreendente. O Vaticano II não foi apenas um concílio feito pelos bispos, mas também, em certo sentido, para os bispos: ofereceu-lhes a colegialidade episcopal, uma nova linguagem para o ministério pastoral local, mais controle sobre o clero diocesano e, especialmente, sobre as ordens religiosas em suas dioceses. A própria liturgia do Concílio Vaticano II era uma prova de que a partir daí o episcopado não só existiria, mas importaria.
Os sinais de uma crise episcopal são evidentes: o grande número de padres que são escolhidos para serem bispos, mas que recusam a nomeação; o número de bispos renunciando por causa do esgotamento; os casos de bispos removidos silenciosamente (e sem nenhuma transparência, especialmente para as vítimas) pelo Vaticano por acusações ou por serem considerados culpados de abuso ou encobrimento.
Tudo isso também tem um impacto significativo na eclesiologia e no governo da Igreja – especialmente nos Estados Unidos, como observei antes, onde a posição do bispo se tornou mais gerencial e burocrática. Funcionando cada vez mais como o administrador de uma empresa de médio ou grande porte, ou mesmo como um CEO supervisionando as operações jurídicas, financeiras e de relações públicas, o bispo moderno está cada vez mais em desacordo com o modelo patrístico e tridentino que o Vaticano II tinha em mente quando escreveu e aprovou o decreto Christus dominus, bem como a constituição Lumen gentium. Figuras inspiradoras como São Carlos Borromeo, bispo de Milão nos primeiros estágios da aplicação do Concílio de Trento, impunham um grau de respeito na Igreja e na praça pública que o episcopado católico nem pode imaginar hoje. Em alguns casos, o trabalho do bispo é interpretado mais como um influenciador que vende produtos do que um servo da unidade da Igreja, como imaginou o Vaticano II.
Isso se traduz ainda em uma crise de missão, algo que ficou mais claro ao longo do pontificado de Francisco. A sinodalidade ainda dá aos bispos um papel primordial, mas muito diferente e não tão decisivo quanto o papel que tiveram nas fases sinodais anteriores (na Igreja primitiva, no período pós-Trento, naqueles sínodos locais e nacionais que foram celebrados após o Vaticano II, e nos Sínodos dos Bispos celebrados em Roma de 1967 a Bento XVI). O Sínodo dos Bispos, criado por Paulo VI em 1965, está mudando seu nome simplesmente para “Sínodo” (não “dos Bispos”), como podemos ver na constituição Praedicate evangelium, sobre a reforma da Cúria Romana, publicada por Francisco em março de 2022; é possível que leigos e mulheres, ou, mais mulheres, considerando a irmã Nathalie Becquart, sejam nomeados membros votantes do Sínodo.
A expectativa na Cúria Romana é que nos próximos anos um certo número de cargos seja dado a leigos e mulheres em vez de bispos e cardeais, reinterpretando assim um dos desejos do Vaticano II sobre um novo Vaticano, mais sensível às as necessidades dos bispos locais. Um novo concílio – Vaticano III? – é muito difícil de imaginar hoje, com cerca de 5.700 bispos (o dobro do Vaticano II) que, de acordo com o direito canônico e a tradição, têm o direito de serem membros votantes de um concílio. É ainda mais difícil imaginar uma assembleia legislativa e doutrinária da Igreja Católica consistindo apenas de membros celibatários masculinos sendo aceitos como legítimos. Há também grandes questões sobre o papel e a constituição das conferências episcopais nacionais, uma das mudanças institucionais mais importantes do século passado e do Vaticano II: como coexistirão a sinodalidade e as conferências episcopais?
“Sinodalidade” não significa apenas o processo sinodal em andamento (que agora continuará pelo menos até outubro de 2024, depois que o Papa Francisco acrescentou uma segunda sessão do Sínodo em Roma além da já planejada de outubro de 2023). Significa também uma série de reformas, que já aconteceram em algumas igrejas locais, mas nem sequer estão no horizonte em outras (como na Itália); estes incluem a governança compartilhada em organismos eclesiais e geridos pela Igreja e a participação substancial de leigos e mulheres na formação de futuros sacerdotes. Outras reformas só podem acontecer com a contribuição de Roma, como uma mudança na forma como os candidatos ao episcopado são avaliados, selecionados, nomeados, promovidos ou rebaixados.
Tudo isso é parte integrante de uma Igreja sinodal – e, portanto, implica um repensar maciço do lugar dos bispos em uma Igreja que mantém a sucessão apostólica e a marca da apostolicidade. O primeiro passo é reconhecer a lacuna conceitual entre o Vaticano II e hoje, e como essa lacuna se manifestou de maneira diferente em diferentes partes do mundo – e, portanto, as diferenças em como superá-la. O segundo passo é engajar-se na discussão sobre a teologia do ministério, que na última década, primeiro sob Bento XVI e depois com Francisco, perdeu relevância. O simpósio sobre o sacerdócio organizado pelo Dicastério para os Bispos e o cardeal Marc Ouellet em fevereiro deste ano foi baseado em uma teologia pré-Vaticano II do ministério e enviou sinais sinistros sobre as tentativas de girar a sinodalidade de uma forma que não aborda a crise do ministério ordenado.
O atual Sínodo sobre a Sinodalidade só faz sentido se estivermos preparados para uma reflexão geracional sobre o ministério no catolicismo. Já está claro que esta não é mais a Igreja dos bispos, mesmo fora dos Estados Unidos. Mas para a Igreja Católica neste país, a sinodalidade é importante de maneiras distintas. Destina-se a preencher o vácuo deixado pelos bispos, um vácuo para o qual outras vozes e entidades – na mídia, nos negócios, na política – se precipitaram e, ao fazê-lo, colocaram em risco a catolicidade da Igreja.
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A Igreja não é mais dos bispos? A crise episcopal do catolicismo. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU