14 Novembro 2022
“Não é o planeta que está em perigo, mas o ser humano. O dogma da eficiência e do crescimento nos levou à beira da extinção. Só temos uma forma de nos salvar: dar adeus ao consumismo e fazer as pazes com a natureza.” É o que afirma o economista e guru do ambientalismo Jeremy Rifkin.
A reportagem é de Angelo Consoli, publicada por The Post International, 11-11-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Furacões, incêndios, secas, inundações. O que está acontecendo no planeta Terra?
A Terra está se renaturalizando. As consequências catastróficas das mudanças climáticas nada mais são do que reações naturais de um planeta que segue as regras da termodinâmica em um ecossistema em que tudo está interligado. Por muito tempo, pensamos que poderíamos forçar a natureza a se adaptar às necessidades da nossa espécie, mas agora somos nós que temos que nos adaptar a um mundo imprevisível. Ou enfrentaremos a sexta extinção em massa na história da Terra.
O ser humano tem consciência disso?
A consciência humana está mudando diante das convulsões provocadas pelas pandemias e pelo aquecimento global. Esses fenômenos destroem a vida das pessoas e a economia: para nós, são um problema, mas não o são para o nosso planeta, que está simplesmente se renaturalizando.
Como chegamos a este ponto?
É a ideologia do progresso a todo o custo que nos levou à beira do abismo ambiental. Assumimos como evidente uma concepção do tempo e do espaço em que a natureza é considerada um obstáculo incômodo à realização do progresso e às exigências da economia. Mas agora o planeta, ao se renaturalizar, nos apresenta a conta. E a única maneira que temos de nos salvar é substituir a Era do Progresso por uma nova visão forte, a da Era da Resiliência.
Em que consiste essa virada?
A grande revolução consiste em passar da ideia de que a natureza deve se adaptar ao ser humano para uma ideia segundo a qual o ser humano deve se adaptar à natureza. Isso põe em discussão a concepção baconiana que considera a Terra como um recurso reservado ao consumo exclusivo da nossa espécie. Para superar essa concepção errada, está sendo preparado um novo e inédito paradigma científico, que uma nova geração de cientistas chama de “Cases”, ou “Sistema complexo para a adaptação ecológica e social”.
O que ele envolve?
Considerar a natureza como fonte de vida, e não como recurso, e perceber a Terra como um sistema complexo que se auto-organiza e evolui para metas desconhecidas, com espírito de adaptação.
Em que valores se baseia a Era do Progresso?
Na Era do Progresso, a chave é o conceito de eficiência, a fim de otimizar a exploração e o consumo das riquezas do planeta em tempos cada vez mais rápidos e em ritmos cada vez mais elevados: uma eficiência que envolve a eliminação de todos os fatores de redundância que podem retardar a otimização das atividades econômicas. Assim, o principal papel do governo e da economia é administrar a natureza como uma propriedade: a nossa missão passou a ser extrair sem parar pedaços do mundo natural, mercantilizá-los e consumi-los, para depois descartá-los.
E na Era da Resiliência?
Na Era da Resiliência, pelo contrário, a redundância e a diversidade são premiadas: nos ecossistemas, a diversidade protege contra o colapso e as perturbações. Quando o Homo sapiens surgiu, menos de 1% da biomassa total da Terra era utilizado pelo gênero humano. Em 2005, usávamos 24%. Em 2050, poderá chegar a 44%, deixando aos demais seres vivos apenas 56% da produção primária líquida da fotossíntese no planeta. Talvez estejamos finalmente começando a perceber que não temos nenhum domínio sobre o planeta e que é a natureza que está no controle total da vida sobre a Terra.
Em seu livro “A Era da Resiliência”, você lembra que essa vontade de dominar a Terra deriva da promessa feita, segundo a Bíblia, por Deus a Adão e Eva, segundo a qual eles e seus herdeiros teriam “o domínio sobre os peixes do mar, as aves do céu, o gado e todos os répteis que rastejam sobre a terra”.
Capa do livro "A Era da Resiliência" de Jeremy Rifkin. (Foto: Divulgação)
Essa promessa, infelizmente ainda levada a sério, além de suas conotações teológicas, levou ao colapso dos nossos ecossistemas planetários. Porém, ela não ela autorizava os descendentes de Adão a queimarem combustíveis fósseis emitindo gases de efeito estufa na atmosfera. Nem a encher os mares com microplásticos. Nem ainda a destruir milhares de quilômetros quadrados de floresta amazônica para alimentar o comércio internacional de carnes. Esse domínio podia ser exercido de forma mais respeitosa da vida dos outros animais e do ambiente.
Você defende que estamos começando a nos dar conta do problema.
Para as gerações mais jovens, os parâmetros estão mudando: da ideia de crescimento à de florescimento, do capital financeiro ao capital ecológico, do PIB ao “Bem-estar Interno Bruto”, do consumismo à ecoproteção, da linearidade à circularidade, de economias de escalas verticalmente integradas às cadeias de valor distribuídas horizontalmente: em suma, da Globalização à Glocalização; e da geopolítica à política da biosfera.
Em seu livro, você retoma a polêmica questão do paradoxo da empatia, segundo o qual o desenvolvimento de uma consciência empática foi possibilitado por um consumo cada vez maior de energia e recursos naturais com uma consequente e drástica deterioração da saúde do planeta. Como é possível sair disso?
Temos que mudar totalmente a nossa relação com os recursos naturais: os agentes naturais são muito mais poderosos do que nós. A nossa espécie estava se preocupando por ter colocado o planeta em perigo, mas agora deve reconhecer que ela mesma está em perigo.
Não é uma visão um pouco catastrófica demais?
A catástrofe está no horizonte, mas podemos evitá-la, se nos tornarmos resilientes à mudança em curso. Devemos abandonar as falsas ideias de progresso e eficiência, e abraçar uma nova visão em que o ser humano e o planeta estejam em simbiose e não em guerra.
Os conceitos de progresso e eficiência são universalmente considerados como positivos: em vez disso, você faz uma inversão desses valores.
A Era do Progresso, outrora considerada sacrossanta, já está em seu declínio: a eficiência nos prende no incessante esforço de otimizar a expropriação, a mercantilização e o consumo dos dons da Terra com o objetivo de aumentar a opulência da sociedade humana. O fundador do ambientalismo moderno, Samuel P. Hays, resumiu a questão assim: “Os apóstolos do Evangelho da eficiência subordinavam o aspecto ambiental ao utilitário. Na visão deles, a conservação da paisagem natural e dos sítios históricos permanecia subordinada ao incremento da produtividade industrial”. A retórica da eficiência nas primeiras décadas do século XX, inspirada em mentes sublimes como Charles Darwin e Frederick Taylor, além de justificar a mais selvagem exploração do ser humano pelo ser humano, tornou-se um expediente conveniente para se esquivar da interrogação fundamental: sobre as responsabilidades do gênero humano em relação à natureza.
Falemos sobre produtividade. Por que ela se tornou tão importante nos nossos estilos de vida?
A produtividade é apenas um conjunto de inputs e outputs, associadas especialmente à tecnologia, que acompanham práticas comerciais. Tanto a produtividade quanto a eficiência são processos lineares, não circulares, e são limitados no tempo: têm enormes efeitos negativos sobre a natureza, mas são positivos para a produção e o mercado.
Demos alguns exemplos.
O esgotamento dos nutrientes no solo, a destruição das florestas, o aquecimento da atmosfera, o envenenamento dos mares: tudo isso são externalidades negativas, mas aumentam a eficiência e a produtividade, e permitem que as empresas exploradoras aumentem seus lucros, aumentando a entropia no planeta. Nos ecossistemas biológicos, por outro lado, a produtividade não é medida em termos de eficiência, mas de regeneratividade e adaptabilidade.
Você explica que o aumento da eficiência se traduz em redução dos postos de trabalho e em consumidores mais endividados.
E também em menos equidade, igualdade, direitos políticos, moralidade. A eficiência foi exaltada como uma lei da natureza acima de tudo, como se questionar esse conceito significasse se chocar com as leis imutáveis do mundo natural. Infelizmente para nós, é exatamente o contrário!
Em sua opinião, o impacto que a nossa espécie teve sobre a Terra foi catastrófico...
Há um século, a superfície terrestre ainda era 85% selvagem. Hoje é menos de 23%. E se prevê que ela desaparecerá totalmente nas próximas décadas. A responsabilidade por tudo isso é da comunidade científica e dos profissionais da economia e das finanças, que têm sustentado a narrativa segundo a qual a economia global e o livre mercado são a melhor garantia para promover os interesses de todos. Hoje vemos que absolutamente não é bem assim: o planeta e os ecossistemas foram sacrificados à lógica do lucro, e não do bem-estar coletivo.
Em seu livro, você anuncia uma grande virada iminente no planeta.
Trata-se da evolução natural da relação entre a nossa espécie e o planeta. Durante a maior parte do nosso tempo na Terra, encontramos maneiras de nos adaptarmos continuamente às forças avassaladoras da natureza. Depois, 10 mil anos atrás, no início do Holoceno, iniciamos um novo curso, forçando a natureza prometeicamente a se adaptar a nós. Com a ascensão dos grandes impérios agrícolas hidráulicos, há seis mil anos, e mais recentemente com as revoluções industriais do fim da Idade Média e da Idade Moderna – que renomeamos como “civilização” – exercemos um crescente domínio sobre o mundo natural. Pois bem, agora chegou a hora de inverter essa tendência e voltar a adaptar a nossa espécie à natureza. Essa grande mudança será a prova da capacidade da nossa espécie de sobreviver e de florescer novamente em um planeta que está se renaturalizando.
O que significa “consciência biofílica” na nova visão que você propõe?
Ironicamente, a nossa espécie, ao contrário dos nossos semelhantes, é um Jano de duas faces: podemos destruir tudo, mas também somos potencialmente os detentores da solução. Possuímos uma qualidade especial nos nossos neurocircuitos: o impulso empático. Nos últimos anos, por exemplo, as gerações mais jovens começaram a estender o impulso empático aos nossos amigos animais, que fazem parte da nossa mesma família evolutiva. Na Era da Resiliência, teremos que repensar a maneira como educamos os nossos filhos: deixar que a biofilia natural, ou seja, o impulso incorporado na composição genética de uma criança, possa se expressar e prosperar na idade pré-escolar e continuar amadurecendo ao longo da escola, no trabalho e na vida social. Isso já está acontecendo.
Onde?
Nos Estados Unidos, 5.726 escolas introduziram recentemente cursos de ciências ecológicas em seu currículo. Eles são frequentados por 3,6 milhões de crianças. Os estudantes estão aprendendo o que são as mudanças climáticas e estão se empenhando a combatê-la na prática, com atividades como o monitoramento da fauna selvagem, a observação das mudanças climáticas, da seca e das condições do solo, a limpeza das bacias hidrológicas, a medição da pegada de carbono e o rejuvenescimento dos ecossistemas locais. Isso é o que os biólogos chamam de “consciência biofílica”.
Como o sentido da vida está mudando para as novas gerações?
Estamos começando a entender que as nossas vidas – a biosfera – são extensões das esferas da Terra: a hidrosfera para a água, a litosfera para os minerais e nutrientes, a atmosfera para o oxigênio. Elas nos atravessam continuamente sob a forma de átomos e moléculas que se instalam nas nossas células, nos tecidos e nos órgãos, conforme prescrito pelo nosso DNA, para depois serem substituídos em intervalos específicos durante a nossa vida. Talvez alguém se surpreenda ao saber que a maioria dos tecidos e dos órgãos que compõem o nosso corpo se renovam periodicamente: por exemplo, o esqueleto se renova a cada 10 anos; o fígado, a cada 300 ou 500 dias. Ainda mais surpreendentemente, compartilhamos o nosso corpo com muitas outras formas de vida: bactérias, vírus, protistas, arqueas, fungos.
E então?
Nós acreditamos que as espécies e os ecossistemas da Terra param nas margens do nosso corpo, mas na realidade eles fluem continuamente para dentro e para fora de nós. Cada um de nós é uma membrana semipermeável na qual se estendem as esferas da Terra.
E como isso impacta o “sentido da vida”?
Isso deveria despedaçar a falsa convicção de que a nossa espécie está separada da natureza que nos cerca. Inúmeros relógios biológicos regulam os nossos ritmos corpóreos internos e os adaptam continuamente aos circadianos, aos ritmos das marés, aos ciclos sazonais e anuais que marcam a rotação da Terra e sua passagem ao redor do Sol. Pertencemos à Terra com cada uma de nossas menores células. O Eu autônomo da Era do Progresso está dando lugar ao Eu ecológico da Era da Resiliência.
Você também quer repensar a noção de governança e introduzir o conceito de biorregiões transnacionais. Que transformação elas trazem na organização da sociedade e da política representativa?
Na Era da Resiliência, a governança passa da soberania de uma nação sobre os recursos naturais para a proteção supranacional dos ecossistemas regionais, que não conhecem fronteiras nacionais. Isso já ocorre: por exemplo, cinco Estados do noroeste dos Estados Unidos e cinco províncias dos territórios canadenses adjacentes criaram a biorregião supranacional dos grandes lagos chamada de “Região Econômica do Noroeste do Pacífico” para proteger os próprios ecossistemas comuns, o próprio “capital natural”. Estamos nos encaminhando para um futuro em que os muros construídos artificialmente no meio de ecossistemas homogêneos são demolidos e passamos da representação política indireta (democracia representativa) para formas de representação direta como as assembleias paritárias transnacionais de cidadãos, percebidas como mais adequadas para governar o compromisso abrangente necessário para a preparação e a adaptação aos desastres climáticos cada vez mais virulentos e suas consequências.
Como funcionam essas assembleias de cidadãos?
Eles são escolhidos aleatoriamente para exercer vários níveis de poder político e decidir a alocação de fundos, a partilha das medidas de segurança, a prevenção, o socorro em caso de desastres climáticos, os sistemas da escola pública, a polícia de proximidade, a implantação de infraestruturas resilientes e a gestão de serviços ecossistêmicos locais. Atualmente, as assembleias de cidadãos que operam no mundo são mais de três mil.
O que podemos fazer para proteger e valorizar o capital natural das biorregiões?
Nada: deixá-lo em paz. E nos adaptarmos à natureza e à sua evolução. Na nova Era da Resiliência, a eficiência dá lugar à adaptabilidade, trazendo consigo mudanças profundas na economia e na sociedade.
É razoável pensar que a geração que causou o problema ao permitir a privatização dos bens comuns pode propor soluções?
Eu acredito muito na “Geração Greta”: ela é animada por uma nova consciência biofílica que já começa a se afirmar nas escolas, reorientando-se para novos princípios em substituição aos antigos.
Qual a probabilidade de o ser humano ter sucesso nisso?
Se há outros caminhos, eu não os vejo. Em um momento em que a família humana teme profundamente pelo seu próprio futuro, a Era da Resiliência traz consigo uma nova e poderosa narrativa que, se se afirmar, pode lançar as bases para um futuro radicalmente diferente, levando-nos de volta ao redil da natureza. Dando à vida uma segunda chance de florescer sobre a Terra.
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“É preciso passar da era do progresso à era da resiliência.” Entrevista com Jeremy Rifkin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU