30 Outubro 2019
Jeremy Rifkin (Denver, 1945) é um sociólogo que há décadas atua como futurólogo, como guia para as tendências mundiais. Assessor de governos em todo o mundo, é o autor de O fim dos empregos, que em 1995 abordava o desemprego pela automação, e de A Terceira Revolução Industrial e The Empathic Civilization, que trata da maneira como as novas tecnologias de comunicação convergem com as energias renováveis para criar uma sociedade na qual qualquer pessoa possa produzir sua energia, uma sociedade mais horizontal, participativa e empática.
Lá atrás, já alertava que talvez a mudança climática fosse um grave obstáculo e não errou. Agora, publica The Green New Deal, sobre o qual falou ontem na Fundação Rafael del Pino, em Madri. Chegou o momento, disse, de um gigantesco plano, como o New Deal de Roosevelt, que permita modernizar a infraestrutura, da rede elétrica aos edifícios e a produção de eletricidade, para descarbonizar a sociedade e criar milhões de empregos, por 30 anos.
A entrevista é de Justo Barranco, publicada por La Vanguardia, 25-10-2019. A tradução é do Cepat.
Vivemos em um mundo em que as taxas de juros são negativas, há uma grande agitação social, o clima se torna violento e o populismo cresce. O que acontece?
Após dois séculos de Revolução Industrial baseada em combustíveis fósseis, estamos vendo o colapso dessa civilização.
Afirma que até 2028 o regime fóssil desmoronará.
Este ano, o custo da produção elétrica e solar com as mais recentes tecnologias já caiu abaixo de qualquer outra energia. O Citygroup disse, há cinco anos, que poderá haver 100 trilhões em ativos fósseis obsoletos, bolsas de petróleo que não serão extraídos, oleodutos que não serão usados. Não houve uma bolha como esta. E agora que bilhões de investimentos em energia fóssil escapam, é hora de um Green New Deal global. Não precisamos de novos impostos para criar as novas infraestruturas para chegar a zero carbono, apenas estabelecer bancos verdes em cada país e região alimentados pelo dinheiro dos fundos de pensões e soberanos, interessados em retornos estáveis a longo prazo.
Será a transição para a terceira revolução industrial e disse que gerará uma sociedade nova.
A primeira revolução industrial foi centralizada. As energias extrativas eram muito caras e grandes empresas verticalmente integradas tiveram que ser criadas. Isso levou aos mercados dos Estados-nação. A segunda nos levou à globalização. Hoje, com integração vertical, temos 500 empresas que possuem um terço do PIB mundial, com apenas 67 milhões de empregados do total de 3,5 bilhões. A terceira revolução industrial unirá as tecnologias de comunicação a milhões de pessoas que produzem sua energia solar ou eólica e a compartilham através de um sistema elétrico digital. E isso convergirá com a nova mobilidade, veículos elétricos, autônomos. Mudará a civilização: a da primeira revolução foi urbana, a da segunda, suburbana, agora são nós, sua infraestrutura está desenhada em rede.
E o capitalismo?
Com a revolução digital, o custo marginal de muitos produtos, o custo de produzir uma unidade a mais, é quase zero, e isso faz pouco sentido para o capitalismo. Movemo-nos dos mercados às redes. Dos vendedores e compradores, aos provedores e usuários. Da propriedade ao acesso. E de transações a fluxos. Surge a economia compartilhada, na qual as pessoas compartilham notícias, entretenimento, cursos, e esse é um novo sistema econômico.
Além disso, deixamos para trás a era do progresso e passamos à da resiliência frente a uma natureza mais violenta. Tudo muda e precisamos entender as implicações para estes jovens nativos digitais manifestando nas ruas de 130 países. É a primeira revolta planetária da história. A primeira vez que uma geração se vê como uma única espécie e se simpatiza com o outro, se vê como uma família em perigo. Uma imensa transição. Agora, devem entender como arregaçar as mangas, voltar para suas comunidades e repensar a educação, a economia ...
Também, explica, passamos da globalização para a glocalização.
Com a globalização, metade da humanidade está muito melhor que nossos ancestrais, mas às custas do uso de um planeta e meio, e só temos um. Agora, caminhamos para a glocalização com uma infraestrutura mais ágil que faz com cada região seja relativamente autossuficiente, mas que deve se conectar para compartilhar a energia, o comércio, a mobilidade. Cada região do mundo está se glocalizando, não apenas a Escócia e a Catalunha, porque a tecnologia é muito barata. Mesmo assim, os Estados-nação têm função: a regulamentação, os padrões que permitam a conexão. É um sistema em rede. Se você se isola, perde. Somos interdependentes na família global.
O que acontecerá com o trabalho?
A infraestrutura da terceira revolução industrial não será construída por robôs, nem pela inteligência artificial. Não cavam trincheiras para cabos de banda larga, nem tornarão os edifícios eficientes, nem transformarão a rede elétrica. São necessárias milhões de pessoas. Paralelamente, é preciso preparar as pessoas para o que virá depois: um mundo governado por algoritmos criando bens e serviços. Mas, os algoritmos se baseiam no passado e dificilmente enfrentarão as mudanças climáticas. É necessário um entendimento pragmático, olhar o efeito e ver como se adaptar continuamente. Nisso está a resiliência. Haverá trabalhos para construir resiliência e enfrentar os problemas climáticos, de saúde pública, a seca, o calor, porque o clima mudará. Já existem milhões de pessoas morrendo e migrando.
Acabaremos em distopia?
As grandes transições de infraestrutura na história ampliam a consciência empática. Hoje, os jovens são globais porque a infraestrutura permite. Isso sim, não sei qual será sua resistência, têm menos concentração e estão acostumados à gratificação instantânea e a nova era da resiliência é o oposto. É necessária uma maneira sistêmica de entender o mundo e suas complexidades e ser resiliente, viver com contradições, ser corajoso e fazer coisas hoje e entender como afetarão o futuro. Isso precisa de uma transformação. Temos que repensar a educação. Espero que os jovens sejam capazes de manter o protesto, trazer mais pessoas, retornar às suas comunidades e mudar as coisas. Podemos conseguir a mudança de infraestruturas, há bilhões de dinheiro esperando, mas devemos ter isso todos os dias como objetivo. É um novo começo, não pode haver outras prioridades, nem pedir aos jovens que sejam realistas quando enfrentamos a extinção.
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“Vivemos a primeira revolta planetária da história”. Entrevista com Jeremy Rifkin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU