16 Outubro 2019
"Construir uma nova civilização ecológica a partir das cinzas da civilização dos fósseis exigirá um esforço coletivo que deve reunir governo, economia e sociedade civil com um mix de capitais públicos, de mercado e sociais, para construir rapidamente a infraestrutura da terceira revolução industrial de emissões zero e levar a humanidade para uma era sustentável".
A opinião é de Jeremy Rifkin, escritor estadunidense, autor de A sociedade de custo marginal zero, O Fim dos Empregos e O Século da Biotecnologia, e presidente da Foundation on Economic Trends, em artigo publicado por La Repubblica, 15-10-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os cientistas nos dizem que as mudanças climáticas induzidas pelo homem estão nos levando à sexta extinção em massa para humanos e animais. O Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC) estima que a atividade humana tenha causado a elevação da temperatura em 1° em relação aos níveis pré-industriais e prevê que, se exceder 1,5°, seriam desencadeadas acelerações que dizimariam os ecossistemas terrestres. Em um relatório de 2018, o IPCC diz que, para evitar o abismo ambiental, deveríamos reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 45% em comparação com os níveis de 2010, e só nos restam doze anos para fazê-lo.
Isso exigirá uma transformação sem precedentes da economia, da sociedade e de nosso próprio modo de vida. A raça humana está à beira de uma mudança epocal. Diante da emergência climática global, os mais jovens (geração millenial e geração Z) estão liderando uma mobilização planetária sem precedentes para apoiar um Green New Deal global para salvar vidas na Terra e lançar um ousado movimento político que revolucionará a sociedade. Nos EUA, todos os principais candidatos do Partido Democrata nas eleições presidenciais de 2020 anunciaram seu apoio a um Green New Deal e a própria Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, também colocou o Green New Deal no centro da transformação do Europa em uma sociedade pós-carbono.
Enquanto o Green New Deal é debatido na esfera política, na esfera empresarial emerge um movimento paralelo que abalará as bases da economia global. Setores-chave, como telecomunicações, energia, transporte, logística, construção, estão rapidamente saindo das energias fósseis em favor de energias renováveis cada vez mais econômicas, limpas e ecologicamente corretas, além de processos de circularidade e resiliência, elementos fundamentais de uma sociedade ecológica. Os custos dos sistemas de energia solar e eólica estão em queda livre e agora são mais baixos que os custos de energia nuclear, petróleo, carvão e gás natural, que se tornaram antieconômicos. Novos estudos alertam que trilhões de dólares estão presos nos fósseis e poderia ser criada uma bolha que poderia estourar até 2028, causando o colapso da civilização dos fósseis. Os “stranded asset” (ativos desvalorizados) são os combustíveis fósseis que permanecerão no subsolo devido à queda na demanda e ao abandono das relativas infraestruturas. Países dependentes dos fósseis como a Itália serão pegos entre dois fogos: a queda do preço das energias renováveis, por um lado, e os stranded asset, pelo outro. O mercado dita leis e os governos de todo o mundo terão que se adaptar rapidamente se quiserem sobreviver e prosperar.
A Itália e o mundo precisam de uma nova visão econômica para passar de uma civilização fóssil agonizante para a nascente civilização verde.
Nesse ponto, precisamos que ver o que causa as grandes mudanças econômicas na história. Toda grande transformação econômica é causada pela convergência de três elementos: um novo modelo de comunicação; uma nova fonte de energia; e um novo mecanismo de transporte para gerenciar, alimentar e movimentar a atividade econômica, social e pública.
No século XIX, a máquina a vapor baseada no carvão abundante e os sistemas ferroviários se entrecruzaram em uma infraestrutura comum para gerenciar, alimentar e movimentar a sociedade, dando origem à primeira revolução industrial.
No século XX, a convergência entre eletricidade centralizada, telefone, rádio, televisão, os veículos de motor a explosão movidos por petróleo a baixo custo e sistemas rodoviários nacionais possibilitaram a infraestrutura da Segunda Revolução Industrial. Agora estamos no raiar de uma terceira revolução industrial em que uma Internet da comunicação digital de banda larga está convergindo com uma Internet de energia renovável digitalizada, e uma Internet da mobilidade elétrica e a hidrogênio, alimentadas por energia verde, em uma verdadeira plataforma da Internet das Coisas (IdC), integrada no patrimônio imobiliário comercial, residencial e industrial de emissões zero. Todos os edifícios estão se tornando pontos de uma rede inteligente resiliente e de emissões zero, incorporados em uma matriz IdC, para uma Itália verde e smart e não serão mais espaços passivos e isolados, mas se tornarão sujeitos ativos de compartilhamento de energias renováveis, eficiência energética, mobilidade elétrica e uma ampla gama de outras atividades econômicas em um verdadeiro e próprio Commons a disposição de todos em uma nova infraestrutura que envolverá todos os setores e possibilitará novos modelos de negócios, oportunidades ocupacionais de massa com um salto em direção à economia circular a zero emissões ecologicamente sustentável e altamente resiliente da terceira revolução industrial.
No entanto, a economia digital também envolve riscos e desafios, inclusive para garantir a neutralidade e igual acesso às redes, proteger a privacidade, garantir a segurança dos dados e combater o crime e terrorismo informáticos. Como podemos impedir que alguns países invadam as mídias sociais de outros países e espalhem desinformações para influenciar o resultado de suas eleições? Ou nos defender de gigantescos monopólios digitais que transformam em mercadoria nossos dados pessoais online, vendendo-os a terceiros para fins comerciais? O lado escuro da Internet exigirá um controle regulador vigilante em níveis local e nacional. A construção da Internet da energia servirá como espinha dorsal do Green New Deal na Itália, passando de um sistema elétrico centralizado baseado em combustíveis fósseis para outro distribuído com base em milhões de sites de geração de energia solar e eólica integrados a uma rede elétrica inteligente, digitalizada.
O governo nacional deveria assumir (juntamente com as regiões no que lhe compete), a responsabilidade primária de financiar a construção nos próximos dez ou vinte anos da Internet da energia. A rede elétrica nacional inteligente, que fornece uma interconexão digital contínua para o compartilhamento de eletricidade renovável em cada região do país é análoga à construção do Sistema Rodoviário Interestadual, encomendado por Eisenhower em 1953, o sistema rodoviário que forneceu uma interconexão contínua para mobilidade no século XX.
A Itália e muitos outros países seguiram o exemplo dos EUA. A emergente Internet da energia como uma rodovia virtual conectará digitalmente empresas, proprietários de casas, sociedade civil e serviços governamentais em toda a Itália, aumentando decisivamente a eficiência agregada do país, reduzindo a pegada de carbono do país e tornando-o mais sustentável e mais resiliente. O sistema rodoviário estadunidense respondia, segundo Eisenhower, à exigência de facilitar a evacuação em massa em caso de guerra nuclear, assim como, da mesma forma, a Internet da energia renovável hoje nos garante contra a guerra cibernética e catástrofes climáticas.
A própria complexidade do sistema atual o torna cada vez mais vulnerável a ataques cibernéticos e eventos climáticos. Em vez disso, se um ataque cibernético ou um desastre climático paralisassem a rede elétrica nacional inteligente, os proprietários de moradias, empresas e as comunidades teriam condições de se reorganizar e compartilhar a energia em toda a vizinhança com suas micro redes, permitindo à sociedade continuar funcionando. A responsabilidade de estabelecer padrões para acelerar a transição para uma infraestrutura de terceira revolução industrial homogênea em todo o país continua sendo a principal responsabilidade do governo italiano.
Para acelerar o financiamento de tal transição, ela deverá contar com um sistema de bancos "verdes" em nível nacional e local, títulos "verdes" e também em uma ampla gama de incentivos generosos e desincentivos, de acordo com a lógica do "bastão e cenoura". O financiamento da infraestrutura verde virá de receitas tributárias e da redistribuição dos financiamentos públicos, mas também de fundos institucionais e, em particular, fundos de pensão públicos e privados, o maior pool de capitais do mundo em 2018, por um valor superior a 40 trilhões de dólares.
Karl Marx jamais teria imaginado que no século XXI os trabalhadores se tornariam os principais "capitalistas" no sentido de proprietários de capitais de investimento através de seus fundos de pensão. Hoje, porém, preocupados que o colapso da indústria fóssil possa acabar com as economias de milhões de trabalhadores, os fundos de pensão estão começando a desinvestir do setor de combustíveis fósseis e de indústrias relacionadas ou dependentes deles, como a indústria petroquímica, e reinvestir nas tecnologias verdes da Terceira Revolução Industrial.
O colapso da civilização dos combustíveis fósseis é inevitável, por mais esforços que as indústrias relacionadas possam fazer para evitá-lo. As forças do mercado são muito mais poderosas do que qualquer lobby fóssil. As energias solares e eólicas agora são mais acessíveis para o mundo e seus custos fixos continuarão a cair em uma curva exponencial por muito tempo ainda, enquanto aqueles marginais já estão próximos de zero. Ao contrário do carvão, petróleo, gás e urânio, o sol e o vento são gratuitos. Mas a "mão invisível" sozinha não nos guiará para a Era da Resiliência. Construir uma nova civilização ecológica a partir das cinzas da civilização dos fósseis exigirá um esforço coletivo que deve reunir governo, economia e sociedade civil com um mix de capitais públicos, de mercado e sociais, para construir rapidamente a infraestrutura da terceira revolução industrial de emissões zero e levar a humanidade para uma era sustentável.
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Green New Deal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU