31 Outubro 2022
"O documento atual para a etapa continental nasce dos textos apresentados para retornar às Igrejas locais e servir de base para as assembleias continentais que não serão compostas apenas por bispos. Concluirão seus trabalhos em 31 de março de 2023, elaborando uma lista de prioridades. A tempo de elaborar o Instrumentum laboris e entrar na primeira celebração sinodal em outubro de 2023 e numa segunda no ano seguinte".
O artigo é de Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 29-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O sínodo da Igreja universal sobre a sinodalidade chega à sua terceira etapa: a continental. Essa etapa é a preparação e celebração das sete assembleias que fornecerão o instrumentum laboris para o sínodo programado para 2023 e 2024: África, Europa, Oriente Médio, Ásia, Oceania, América do Norte e América do Sul. O documento de trabalho para o palco continental (Alarga o espaço da tua tenda) traz a data de 24 de outubro e foi apresentado no dia 27.
Confirma a surpresa já registrada para o documento preparatório de setembro de 2021: nas 45 pastas poucas notas, nenhuma redundância nas citações do magistério, a adesão ao processo em curso mais que a orientações teológicas predeterminadas. Sua própria estrutura não se dobra, como de costume, à orientação do título geral (Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão), mas segue a pesquisa realizada pelas Igrejas locais e nacionais. Não faltam surpresas que podem ser enunciadas antes de dar conta do texto.
Em primeiro lugar, a amplitude do trabalho que representa. Foram recebidas 112 respostas de 114 conferências episcopais (geralmente não mais de 60), todas as 15 Igrejas Orientais Católicas, 17 dicastérios do Vaticano (de 24), as Uniões de Superiores e Superioras, cerca de mil contribuições de indivíduos e grupos, quase 20 milhões de pessoas alcançado pelo projeto social "a Igreja te escuta".
A ampliação do envolvimento já era evidente no Sínodo sobre a família e ainda mais naquele sobre os jovens. Agora desenvolveu-se ainda mais. Um dado quantitativo que se une a uma novidade qualitativa, a da "restituição": escuta-se o povo de Deus e o resultado é trazido de volta a ele em um circuito que evidencia, por um lado, a profecia que se realiza na vida das comunidades cristãs e, por outro, a tarefa de discernimento que é própria dos pastores.
Das dioceses passa-se às conferências episcopais, mas o texto para as assembleias continentais volta também à verificação das dioceses. “De fato, se podemos reconhecer o que o Espírito está dizendo à Igreja ouvindo o povo de Deus, àquele povo que vive nas Igrejas devemos devolver o documento” (Card. Mario Grech numa entrevista coletiva).
Um circuito ligado não tanto à originalidade organizativa, mas à entrega na força do Espírito que acompanha o caminho de cada Igreja. Não é um documento conclusivo, nem magisterial, mas "a história da experiência de escuta da voz do Espírito pelo povo de Deus, deixando emergir o seu sensus fidei" (n. 8).
"Estamos diante de um diálogo eclesial sem precedentes na história da Igreja, não só pela quantidade de respostas recebidas ou de pessoas envolvidas, mas também pela qualidade da participação" (Card. Jaean-Claude Hollerich, 26 de agosto). É "um processo inovador, para não dizer pioneiro: é uma consulta em diálogo como nunca havia sido realizada" (P. Giacomo Costa, 26 de agosto).
Uma "nova visão precisará ser sustentada por uma espiritualidade que forneça ferramentas para enfrentar os desafios da sinodalidade sem reduzi-los a questões técnico-organizacionais, mas vivendo o caminhar juntos a serviço da missão comum como oportunidade de encontro com a Senhor e de escuta do Espírito. Para que haja sinodalidade, é necessária a presença do Espírito e não há Espírito sem a oração” (n. 72).
"As estruturas sozinhas não bastam: é preciso um trabalho de formação permanente que apoie uma cultura sinodal geral, capaz de articular-se com as especificidades dos contextos locais" (n. 82). Uma "espiritualidade sinodal só poderá ser uma espiritualidade que acolhe as diferenças e promove a harmonia, e busca a energia das tensões para prosseguir o caminho" (n. 85): uma espiritualidade do "nós" eclesial.
A surpresa dos redatores (cf. Settimana News) é a constatação da singular convergência em muitos pontos de contribuições provenientes de contextos eclesiais e culturais bastante diversos e que exigem uma profunda renovação da Igreja. Em uma relação imediata com as demais confissões cristãs e com as religiões que atuam nos mesmos espaços das comunidades.
O conjunto dos trabalhos não privilegiou as funções e os papéis internos da Igreja, mas se alicerçou no chamado batismal comum: "Surge uma profunda reapropriação da dignidade comum dos batizados, autêntico pilar de uma Igreja sinodal e fundamento teológico daquela unidade capaz de resistir ao impulso da homogeneização para continuar a valorizar a diversidade de vocações e carismas que o Espírito derrama sobre os fiéis com abundância imprevisível” (n. 9).
Uma escolha percebida pelo clero, e em particular pelo clero jovem, como uma penalização, quando na realidade persegue o contrário: quem é chamado a educar o povo à escuta é convidado a aprender a escutar. E assim é também sobre o medo compartilhado por alguns sobre a remoção do papel da hierarquia e do magistério.
O pleno exercício da tarefa do povo de Deus garante o papel do primado petrino e da colegialidade episcopal. Não há primado e colegialidade plena sem sinodalidade, assim como não há sinodalidade sem colegialidade e primado. A apreciável "colegialidade afetiva" de que se falava no passado não é mais suficiente.
A abertura do sínodo ocorreu no dia 9 de outubro de 2021 e, nas Igrejas locais, no dia 17. A primeira fase se desenvolveu nas dioceses e terminou em uma reunião pré-sinodal. A sua contribuição passou ao discernimento da Conferência Episcopal, que enviou um resumo à secretaria do sínodo.
O documento atual para a etapa continental nasce dos textos apresentados para retornar às Igrejas locais e servir de base para as assembleias continentais que não serão compostas apenas por bispos. Concluirão seus trabalhos em 31 de março de 2023, elaborando uma lista de prioridades. A tempo de elaborar o Instrumentum laboris e entrar na primeira celebração sinodal em outubro de 2023 e numa segunda no ano seguinte.
Depois de uma introdução, o documento de trabalho para a etapa continental "Alarga o espaço da tua tenda" (Is 54,2) apresenta, numa primeira parte, os frutos da experiência do caminhar juntos: a alegria, a pertença, a "conversação espiritual", a liberdade.
Mas com sombras e inquietações: a não fácil compreensão, a resistência de alguns, a equiparação aos processos democráticos, a "percepção generalizada de uma separação entre os sacerdotes e o resto do povo de Deus" (n. 19), o peso do escândalo dos abusos, a exigência de transparência e de responsabilidade. As condições objetivas da pandemia, das desordens sociais e das guerras pesaram tornando difíceis os encontros. Não faltam expressões que atestem "o fim de uma desorientação coletiva da própria identidade de Igreja local" (n. 24).
O breve segundo capítulo introduz o ícone bíblico que acompanhará o caminho sinodal, retirado de Isaías 54,2: "Alarga o espaço da tua tenda, e estendam-se as cortinas das tuas habitações; não o impeças; alonga as tuas cordas, e fixa bem as tuas estacas". As cortinas devem ser esticadas para proteger e permitir a entrada de mais pessoas; as cordas equilibram a tensão com as mudanças ocasionadas pelo vento; as estacas asseguram a estabilidade "mas permanecem capazes de se mover quando se tem que armar a tenda em outro lugar" (n. 26).
No terceiro capítulo emergem os cinco núcleos geradores de uma sinodalidade missionária: escuta, missão, comunhão, sinodalidade, liturgia.
A escuta favorece a inclusão e a aceitação mútuas e atesta a disponibilidade de se envolver. Permanecem as dificuldades estruturais (formas autocráticas, disparidades culturais), mas sobretudo emerge a ausência dos jovens e daqueles que se sentem excluídos da Igreja.
A missão não é uma estratégia ou um conteúdo dogmático, mas começa com o anúncio, o kerygma, de Cristo crucificado e ressuscitado por nós. Ressoa em nosso mundo e em nossa história, apesar das feridas das comunidades, provadas pelo "tribalismo, sectarismo, racismo, pobreza e desigualdade de gênero" (n. 44). Junto com os demais enfrentamos desafios sociais e ambientais, nutrindo um papel público não conflitante e buscando a colaboração ecumênica e inter-religiosa. Sabendo também resistir ao poder e nas condições de perseguição.
Para uma comunhão que signifique participação e corresponsabilidade é necessário desestruturar um poder piramidal, libertar-se do clericalismo e repensar a participação das mulheres: “Trata-se de um ponto crítico sobre o qual se registra um acréscimo de consciência em todas as partes do mundo" (nº 60). "Muitas sínteses, depois de uma atenta escuta do contexto, pedem à Igreja que continue o discernimento sobre algumas questões específicas: o papel ativo das mulheres nas estruturas de governo dos órgãos eclesiais, a possibilidade de mulheres com formação adequada de pregar em âmbito paroquial, diaconato feminino. Posições muito mais diversificadas são expressas em relação à ordenação presbiteral para as mulheres, que alguns resumos almejam, enquanto outras consideram uma questão fechada” (n. 64).
A sinodalidade começa a tomar forma e solicita a renovação das estruturas e a adaptação do direito. E isso tanto nas Igrejas locais como na cúria vaticana e nas conferências episcopais. Até pedir uma superação da partição consultivo-decisória, demasiado ligada ao direito positivo e pouco expressiva da identidade eclesial (n. 78).
Como já foi mencionado, há uma exigência generalizada de formação para a sinodalidade e uma consequente espiritualidade. As sínteses sublinham de muitas maneiras a profunda ligação entre sinodalidade e liturgia, superando os protagonismos indevidos, a fragilidade da pregação, a dificuldade de acesso aos sacramentos.
O quarto capítulo convida-nos a olhar para a última parte do Sínodo, mas também para o seu prolongamento na práxis da Igreja. “Somos uma Igreja que aprende e para isso necessitamos de um discernimento contínuo que nos ajude a ler juntos a palavra de Deus e os sinais dos tempos, para seguir na direção que o Espírito nos indica” (n. 100).
As Igrejas locais e assembleias continentais são instadas a captar as intuições mais eficazes do texto, as questões e os questionamentos a serem desenvolvidos e as prioridades a serem reconhecidas.
Na trama rapidamente descrita, emergem elementos pouco usuais que merecem destaque. Como o delicado tema dos filhos de padres "que falharam com o voto do celibato" (n. 34) e o acolhimento de ex-padres (n. 39) ou as questões sexuais mais discutidas, como a homossexualidade.
Não há medo de registrar a difícil pertença à Igreja de "divorciados e recasados, pais solteiros, pessoas que vivem em casamento polígamo, pessoas LGBTQ" (n. 39).
A lista dos grupos mais excluídos não é ocasional: "os mais pobres, os idosos sozinhos, os povos indígenas, os migrantes sem qualquer pertencimento e que levam uma existência precária, os meninos de rua, os dependentes químicos, os que caíram nas tramas da criminalidade e aqueles para quem a prostituição representa a única possibilidade de sobrevivência, as vítimas de tráfico, os sobreviventes de abusos (na Igreja e fora dela), os presos, os grupos que sofrem discriminação e violência por causa de raça, etnia, gênero, cultura e sexualidade" (n. 40).
Não é usual o registro do desconforto dos tradicionalistas, daqueles que "não se sentem à vontade devido a desenvolvimentos litúrgicos do Concílio Vaticano II" (n. 38 e 92). Os mais desatentos são lembrados da realidade do martírio, muito além das fronteiras confessionais (n. 48 e 52).
Mesmo os protagonistas mais convictos não escondem os perigos e as armadilhas contra as quais o sínodo poderia se chocar.
Entre estas: sua redução a slogan, tão repetido quanto não vivido, a falta de firmeza para torná-lo um estilo (e a retomada em 2024 é uma primeira resposta), o ressurgimento do privilégio dos papéis eclesiais em relação à dignidade batismal comum, a identificação da sinodalidade com as formas meramente democráticas, sua interpretação como uma "Igreja líquida" sem hierarquia e ministérios ordenados.
No entanto, é difícil negar que a sinodalidade seja fortemente solicitada hoje pela consciência crente. Seu desenvolvimento pode se estender por uma "longa duração". Depois da centralidade do serviço petrino (Vaticano I) e da colegialidade episcopal (Vaticano II), a dimensão sinodal constitui o fruto maduro da consciência conciliar da prioridade do povo santo de Deus.
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O Sínodo zarpa. Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU