09 Setembro 2022
Poucos assumiram publicamente compromissos com as emergências resultantes das mudanças climáticas, cada vez mais frequentes no país.
A reportagem é de Flávio Ilha, publicada por Sul21, 05-09-2022.
Com mais de 30 milhões de pessoas passando fome, com a inflação dos alimentos colocando sete em cada dez famílias brasileiras na condição de insegurança alimentar, pode parecer um luxo colocar na pauta eleitoral questões ambientais e climáticas. Mas a realidade mostra que os dois temas são absolutamente convergentes.
“O principal pensamento [dos candidatos a presidente] deve ser sobre o clima como gerador de pobreza. Porque o clima é uma fábrica de gerar desigualdades sociais. Os candidatos, os governantes, precisam entender isso”, apela o secretário-executivo do Observatório do Clima (OC), Márcio Astrini. O OC é uma rede que concentra 37 entidades para debater o aquecimento global no contexto brasileiro.
Os presidenciáveis, entretanto, parecem não estar atentando para a gravidade da situação, que colocou 19 países europeus em estado de alerta no Sistema de Informações sobre Incêndios Florestais do continente. Na Inglaterra, pela primeira vez na história a temperatura passou dos 40ºC. “Nosso maior compromisso é colocar a agenda climática nesse patamar de importância”, diz Astrini.
Poucos candidatos já assumiram publicamente compromissos com as emergências resultantes das mudanças climáticas, que têm sido registradas com cada vez mais frequência no país. Em fevereiro deste ano, por exemplo, tempestades consecutivas provocaram deslizamentos de terra e a morte de pelo menos 218 pessoas, na maior tragédia da cidade de Petrópolis (RJ). Em Recife (PE), fenômeno semelhante matou 126 pessoas em junho.
Levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) apontou que o primeiro semestre de 2022 bateu recorde em número de vítimas nos últimos dez anos – foram 495 mortes de janeiro a julho em consequência de eventos climáticos extremos (especialmente chuvas intensas) ou 27% de todas as vítimas registradas entre 2013 e 2022.
“Programas de assistência social, por exemplo, ficam enfraquecidos num cenário de eventos extremos. Você pode criar um programa tipo Minha Casa Minha Vida, por exemplo. Mas se não cuidar paralelamente do clima, o clima vai tirar essa casa que você deu no programa. Vai acabar com o emprego gerado. Vai empurrar para a linha da pobreza pessoas que foram retiradas de lá por programas sociais. Ou seja, o Estado ajuda com uma mão, o clima tira com a outra”, resume Astrini.
Candidato à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL) é apontado como um dos maiores incentivadores à disseminação dos crimes ambientais – especialmente na Amazônia. O programa de governo do presidente se baseia no princípio da conciliação entre preservação e desenvolvimento econômico, além de autonomia para indígenas, quilombolas e ribeirinhos fazerem “uso responsável” dos seus recursos naturais.
“É uma balela. Os grandes projetos de desenvolvimento podem continuar existindo na Amazônia sem que seja necessário derrubar nenhum metro a mais de floresta. Temos área suficiente para dobrar a produção de alimentos. E nem se trata de uma novidade, dizemos isso há mais de uma década. Sabemos bem quais são essas áreas, o que falta é governança e vontade política”, critica o climatologista Carlos Nobre, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas.
Em relação às queimadas na Amazônia, o programa de Bolsonaro levanta dúvidas sobre os instrumentos atuais de medição: “dependendo do tipo de parâmetro, do tipo de leitura de dados, das estatísticas utilizadas e da tecnologia de imagens adotadas, dentre outros fatores, os resultados podem ser extremamente díspares”, diz o documento. E propõe o “desenvolvimento de metodologias que consolidam as bases de dados e harmonizem os resultados” dos monitoramentos sobre queimadas.
“A Amazônia hoje é nosso maior vetor de emissões de gases de efeito estufa, o desmatamento saiu do controle, está entregue ao crime ambiental, o governo sabotou a nossa capacidade de combater o crime. É uma sabotagem sistemática. O número um da questão ambiental hoje no Brasil é a questão indígena, porque eles estão morrendo, tendo suas terras invadidas, massacrados por garimpeiros e invasores. Por quê? Porque são eles que mais protegem as florestas. E estão sendo assassinados e mortos justamente porque estão protegendo a floresta”, diz Nobre.
No campo oposto, as propostas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reconhecem a gravidade da emergência climática, mas propõem medidas genéricas de combate aos crimes ambientais. “Os custos de não enfrentar o problema climático são inaceitáveis, com projeções de forte redução do PIB, perdas expressivas na produção nacional no médio prazo e, principalmente, a perda de vidas e o sofrimento humano, somado às constantes tragédias ambientais”, pontua o programa.
Mas no campo das propostas não há referência a medidas concretas. O documento propõe cumprir “de fato” as metas de redução de emissão de gás carbono assumidas na Conferência de 2015 em Paris, além de garantir a transição energética, a transformação das atividades produtivas para um paradigma de sustentabilidade em suas dimensões ambiental, social e econômica, a recuperação de terras degradadas por atividades predatórias, o reflorestamento das áreas devastadas e um amplo processo de conservação da biodiversidade e dos ecossistemas brasileiros. Nenhuma referência, entretanto, de como fazer isso.
Oriunda do agronegócio, a senadora Simone Tebet (MDB) defendeu uma divisão entre quem age fora da lei e quem “faz o dever de casa”. “Temos que mostrar a diferença entre meia dúzia de grileiros e desmatadores ilegais e o agronegócio”, sustenta a candidata, que almeja colocar o Brasil no centro da geopolítica mundial. “Os fundos internacionais privados têm mais de US$ 40 trilhões para investir, mas cobram duas condições para isso: economia verde e estabilidade institucional”, diz.
Também defendeu o cumprimento integral do Acordo de Paris e desmatamento ilegal zero. Tebet assegurou igualmente que irá revogar imediatamente todos os decretos ou atos normativos do atual governo que representarem retrocessos ambientais.
O candidato Ciro Gomes, presidenciável do PDT, promete em seu programa de governo mapear todas as áreas de risco do Brasil como forma de prevenir e planejar ações de combate às consequências climáticas. Também se posicionou contra o marco temporal, que segue em análise no Supremo Tribunal Federal (STF), e a mineração nas terras indígenas.
Nenhum dos principais presidenciáveis parece ter levado em conta o documento Brasil 2045 – Construindo uma Potência Mundial. Lançado em maio, o programa lista 62 medidas emergenciais para os cem primeiros dias de governo, entre os quais a revogação de decretos anti-ambientais e a retirada de 20 mil garimpeiros invasores da terra indígena Yanomami, em Roraima.
O objetivo final da estratégia, segundo a ambientalista Suely Araújo, é tornar o Brasil a primeira grande economia do mundo a atingir o estágio de carbonização reversa, ou seja, retirar mais gases de efeito estufa da atmosfera do que emitir, tornando-se não neutro, mas negativo em carbono. “Com esse documento nós começamos a traçar um mapa do caminho para as próximas duas décadas. E ele passa, necessariamente, por reverter os danos causados por quatro anos de desmonte ambiental no regime de Jair Bolsonaro”, sintetiza Araújo.
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‘Geradoras de pobreza’, emergências climáticas são ignoradas por candidatos à presidência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU