08 Agosto 2022
“Manter a mente constantemente ativa, processando superficialmente pensamentos irrelevantes é, para muitos, o pão de cada dia, especialmente em determinados setores profissionais. Jornalistas, professores, executivos e profissionais da saúde eram tradicionalmente mais propensos a experimentar a síndrome do pensamento acelerado. No entanto, hoje, essa impossibilidade de se desconectar está se estabelecendo em praticamente toda a população”, escreve Marina Pinilla, psicóloga, psicoterapeuta e divulgadora sobre saúde mental, em artigo publicado por Ethic, 05-08-2022. A tradução é do Cepat.
Segundo Alex Pattakos, filósofo e especialista em ciência política, nós, seres humanos, somos prisioneiros de nossos pensamentos. Influenciado pelas contribuições da psicologia experiencial, Pattakos buscava fazer referência a como nossas expectativas e medos nos ancoram, mas, hoje em dia, sua afirmação ganhou um sentido diferente: a cultura da produtividade transformou nosso cérebro em um campo de batalha.
Pare e pense na última vez que você deixou sua mente em branco. Com sorte, na hora de dormir, mas imediatamente antes de entrar no sono, dedicou minutos eternos para analisar o dia que termina, preparando-se para o que está por vir e, talvez, fantasiando com suas memórias. É uma odisseia nos desfazer de nossos pensamentos. Como se fossem fios, emaranham-se progressivamente até nosso cérebro se esgotar e cair nos braços de Morfeu.
Essa incapacidade de se desconectar tem nome e sobrenome: síndrome do pensamento acelerado, uma condição descrita pelo psiquiatra e terapeuta Augusto Cury, em 2013, no marco da psicologia do desenvolvimento infantil. Segundo o especialista, contagiamos os mais jovens com nossa ansiedade como se fosse uma epidemia viral.
A responsabilidade recai sobre a hiperestimulação e a sequela é uma intolerância ao tédio que se mantém ao longo da adolescência e vida adulta. Essa criança grudada no tablet ou na televisão, dedica todo o seu esforço mental a processar informações acerca de inúmeros personagens e tramas que não é capaz de elaborar com profundidade, pois quando está prestes a compreender o que observa, surge um novo estímulo. A avalanche de informações superficiais o torna incapaz de tolerar o silêncio, a calma psicológica.
Provamos substituir os desenhos animados por um telefone que nunca para de tocar, likes em redes sociais, e-mails do trabalho, fotos do seu sobrinho no chat familiar ou uma pulseira de atividades que não se cansa de nos lembrar o número exato de passos que é preciso dar. Toda essa estimulação nos motiva a ficar atentos 24 horas por dia. E não só isso, pois precisamos de cada vez mais, o que leva a um estado de alerta constante (ou, como Cury o chamou, uma síndrome do pensamento acelerado).
Esse problema psicológico, próprio da sociedade do século XXI, está intimamente relacionado ao modelo de inteligência multifocal proposto pelo mesmo autor. Assim, segundo Cury, aprendemos a construir o mundo a partir das informações que nos cercam e daquelas que já estão em nosso cérebro, dando-lhe um significado próprio e integrando não apenas os componentes cognitivos (ou seja, o que sabemos sobre as coisas), mas também os emocionais (isto é, o que nos fazem sentir). Infelizmente, não cultivamos a inteligência multifocal. É muito mais fácil para nós entender como funciona a teoria das cordas do que nosso próprio mundo interior.
Manter a mente constantemente ativa, processando superficialmente pensamentos irrelevantes é, para muitos, o pão de cada dia, especialmente em determinados setores profissionais. Jornalistas, professores, executivos e profissionais da saúde eram tradicionalmente mais propensos a experimentar a síndrome do pensamento acelerado. No entanto, hoje, essa impossibilidade de se desconectar está se estabelecendo em praticamente toda a população, incluindo crianças – como vimos, a hiperestimulação em menores é muito comum e perigosa – e estudantes ou jovens trabalhadores que se veem submetidos a uma alta pressão. Também entra em jogo a precariedade.
A geração millennial cresceu com o mantra de que é melhor sofrer uma ansiedade insuportável no trabalho do que não ter emprego. Portanto, busca-se um rendimento ótimo e um reconhecimento social que nunca chega, pois a aspiração é a perfeição. Os millennials, de fato, enfrentam a síndrome do impostor, que nos vende a ideia de que o problema são as pessoas, que são muito fracas ou sensíveis. No entanto, não se trata de uma “geração de cristal”, como tem sido dito. É uma geração de sobreviventes de uma sociedade hiperexigente, carente de atendimento psicológico e que normaliza a precariedade.
Nesse clima tão delicado, é compreensível buscar uma saída mais ao nosso alcance: o trabalho e as redes sociais. Apegamo-nos à crença de que sendo produtivos, lidaremos melhor com a pressão e a percepção irracional de nunca sermos bons o suficiente. A verdade, no entanto, é que se trata de uma faca de dois gumes: a exigência sempre pede mais sacrifício, e é aí que aparece a multidão de pensamentos encadeados que nos impede de nos desconectarmos do irrelevante e nos conectarmos com o que verdadeiramente importa, que é como nos sentimos.
No curto prazo, é realmente cômodo nos fecharmos na prisão da síndrome do pensamento acelerado. O que custa mais, analisar sua ansiedade ou verificar seu feed do Instagram?
Obviamente, a primeira tarefa implica um esforço consciente e uma capacidade de introspecção que se molda ao longo dos anos, mas essa hiperprodução de pensamentos que acompanha a grande maioria da população tem efeitos muito negativos para a saúde mental: cansaço, desmotivação, falta de sentido vital, problemas de concentração, lapsos de memória, insatisfação diante das conquistas, intolerância ao tédio e à rotina, e ansiedade generalizada quando os pensamentos se transformam em preocupações.
Por isso, é fundamental treinar nosso cérebro e aprender a tolerar melhor o tédio ou a infraestimulação: pode ser que você não consiga deixar sua mente em branco, mas com um pouco de tempo e muita paciência você acabará desfrutando de um tranquilo ruído mental neutro.
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A síndrome do pensamento acelerado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU