06 Julho 2022
"Nos EUA como na Europa, algumas igrejas pensam exatamente assim e nos últimos dias reafirmaram o direito de cada indivíduo de seguir suas próprias convicções religiosas e morais também em relação à saúde reprodutiva, incluindo a interrupção da gravidez".
O artigo é de Paolo Naso, sociólogo italiano da Comissão de Estudos da Federação das Igrejas Evangélicas na Itália e professor da Universidade de Roma “La Sapienza”, publicado por Riforma, 08-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No final de junho uma sentença da Suprema Corte dos Estados Unidos reacendeu o debate sobre o aborto em um país em que desde sempre se confrontam dois lados. Os pró-escolha, fortalecidos por sentença anterior da Corte de 1973, argumentam que o aborto é uma escolha livre da mãe ou do casal, em relação à qual o Estado não tem o direito de interferir. É uma posição classicamente liberal que também apela ao princípio da separação entre o Estado e as confissões religiosas expresso na Primeira Emenda da Constituição estadunidense: a convicção ética de uma comunidade religiosa, por mais importante e respeitável que seja, não pode condicionar as decisões do Congresso.
Durante 50 anos essa posição prevaleceu também na Suprema Corte, pelo menos até o Presidente Trump que, tendo a oportunidade de nomear três dos nove juízes, escolheu personalidades de orientação altamente conservadora, efetivamente atribuindo valor político a nomeações de natureza institucional. E assim, de uma orientação pró-escolha, os supremos juízes estadunidenses passaram para uma posição pró-vida. Pro-life, pela vida. Bela expressão, mas o problema é que essa orientação ética não apela à liberdade de consciência em vista de uma escolha responsável, mas se baseia na força de uma lei proibicionista e em uma lógica coercitiva.
A decisão da Corte produziu efeitos imediatos em alguns estados que, prontos para essa eventualidade, já haviam se preparado para aprovar normas contra o aborto. Mas a estrada não é ladeira abaixo. Na Louisiana, por exemplo, um tribunal local emitiu uma sentença que, ao contrário da decisão da Suprema Corte, continua a garantir a liberdade de aborto. A essa altura, em suma, é fácil antever intermináveis disputas judiciais e um confronto que se tornará cada vez mais acirrado, nos tribunais como nas ruas ou nos talk shows da televisão. Em um momento difícil para o mundo inteiro, os EUA estão divididos sobre um tema moral.
Quem canta vitória é a direita religiosa, uma complexa rede de telepregadores, paróquias locais, megaigrejas, associações político-religiosas, que desde a década de 1970 até hoje sempre colocaram o tema do aborto no centro de suas campanhas, tornando-o a mãe de todas as batalhas de uma guerra pela cristianização dos EUA. O porta-estandarte desta estratégia que vem de longe, mas que registou uma aceleração nos últimos anos, é Donald Trump que, após a sentença, declarou que foi o próprio Deus quem a pronunciou. Sem dúvida palavras exageradas e fora de medida, mas no estilo do personagem. Trump não era conhecido por ter uma fé particularmente vibrante e engajada, mas nos anos de sua presidência ele se tornou o profeta de um país que, inclusive com a força de lei, quer impor sua alma cristã.
E a proibição do aborto é o primeiro objetivo de uma estratégia que já visa, por exemplo, proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Uma componente conspícua dos EUA cristãos - católica e protestante - defende esse projeto, embora esteja em conflito com uma sólida tradição legal e cultural segundo a qual o Estado laico não deve intervir em questões éticas que devem ser deixadas à consciência e à responsabilidade dos indivíduos.
Nos EUA como na Europa, algumas igrejas pensam exatamente assim e nos últimos dias reafirmaram o direito de cada indivíduo de seguir suas próprias convicções religiosas e morais também em relação à saúde reprodutiva, incluindo a interrupção da gravidez. "A decisão da Corte - lê-se, por exemplo, em um comunicado da Igreja Metodista Unida dos EUA – desencadeia graves consequências e ameaça o acesso ao atendimento a todas as comunidades, especialmente aquelas negras, indígenas e de baixa renda". Assim como acontecia na Itália antes da lei 194, de fato, quem tem meios pode facilmente interromper a gravidez em um dos estados em que é permitido ou no Canadá.
Ecos da sentença estadunidense chegam também à Itália e entre os próprios bispos católicos há aqueles que prontamente afirmaram que "também na Itália é hora de abrir a reflexão". Reflita-se então, como é sempre correto e útil, mas na consciência de que, também graças a um referendo, a Itália afirmou o direito à autodeterminação da mulher que também pode ser expresso na decisão de abortar.
Além disso, na Itália os abortos estão diminuindo e uma proibição ideológica nos levaria de volta aos tempos das práticas clandestinas e das viagens ao exterior, enquanto o que realmente é necessário são serviços sociais e de saúde que apoiem uma parentalidade convicta e responsável.
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Aborto. Uma sentença que divide as igrejas. Artigo de Paolo Naso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU