Linha do tempo mostra como foram as buscas ao jornalista e ao indigenista que amavam a Amazônia e seus povos.
A reportagem é de Kátia Brasil, pulicada por Amazônia Real, 21-06-2022.
O jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira partiram da cidade de Atalaia do Norte para uma viagem à região do Vale do Javari, fora do território indígena, no extremo oeste do Amazonas, na fronteira com o Peru. Bruno, que pilotava a embarcação, transportava Dom para uma entrevista com integrantes da EVU (Equipe de Vigilância) da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que estava no Lago Jaburu. Eles chegam neste lugar no dia 3 de junho às 19h45.
Com uma lancha com motor de 40 HP, pertencente à Univaja, eles entraram em furos (cursos de rios estreitos) da bacia do rio Itacoaí. Dom viajou a Atalaia do Norte para pesquisar sobre a situação do território indígena para a produção de um livro. Bruno Pereira, servidor licenciado da Funai, é consultor de projetos da Univaja e atua na linha de frente do combate aos crimes ambientais no território, em que há povos de recente contato e isolados. A tríplice fronteira, com a Colômbia e o Peru, é rota do narcotráfico.
Bruno e Dom deixam a base da EVU por volta das 6 horas de domingo. O indigenista disse que tinha uma reunião com o líder da comunidade ribeirinha São Rafael, Manoel Vitor Sabino da Costa, o “Churrasco”. O trajeto é de 15 minutos de barco. Na casa dele, os dois encontraram apenas a esposa do pescador.
A Univaja publica nota sobre o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips e afirma que o último avistamento sobre a dupla foi nas comunidades ribeirinhas São Gabriel e Cachoeira. Os indígenas iniciam as buscas ainda no domingo (5) e fazem várias vezes o percurso de Bruno e Dom. Não encontraram nada. A lancha tinha sete galões de combustível vazios. No mesmo dia, “Churrasco” e Jânio são detidos pela Polícia Civil e liberados após serem ouvidos.
As autoridades brasileiras demoram para agir nas buscas ao jornalista e ao indigenista. Apenas 24 horas depois do desaparecimento é que o governo envia forças policiais e de segurança para atuarem no caso, após pressão da embaixada britânica e da sociedade, diante da grande repercussão sobre o desaparecimento nas redes sociais. Marinha e Polícia Federal começam a investigar sem o apoio dos indígenas, exímios conhecedores da região.
Em seguida, a polícia prende Amarildo da Costa de Oliveira, o ‘Pelado’, por porte de munição de uso restrito e drogas. Após a audiência de custódia, a Justiça decreta a prisão temporária dele. ‘Pelado’ passa a ser a pessoa chave para desvendar os desaparecimentos. Uma perícia identifica sangue em sua lancha, apreendida. Informações de indígenas apontam que o narcotráfico está envolvido numa rede de financiamento de pescadores de grandes carregamentos de peixes e caça de animais silvestres, além de madeira da Terra Indígena Vale do Javari.
Fonte ouvida com exclusividade pela Amazônia Real afirma que o indigenista brasileiro e o jornalista britânico foram vítimas de emboscada após saírem da comunidade São Rafael. Eles estariam com documentação, em imagens, de locais de invasões da TI Vale do Javari, o que teria contrariado criminosos ligados à pesca ilegal e ao tráfico de drogas.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) não descarta uma possível execução da dupla e classifica a viagem de Dom Phillips e Bruno Pereira como uma “aventura”, declaração considera ofensiva ao trabalho do jornalista e indigenista. “Realmente, duas pessoas apenas num barco, numa região daquela completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendada que se faça. Tudo pode acontecer. Pode ser acidente, pode ser que tenham sido executados”, disse o presidente em entrevista ao SBT.
Manoel Vitor Sabino da Costa, o Churrasco (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
A reportagem ouve testemunhas que dizem que “Pelado” é a peça chave para a elucidação do sumiço de Dom e Bruno. A testemunha conta que indígenas da EVU, entre eles pessoas dos povos Kanamari, Matís e Maru, avistaram uma lancha de 60 HP guiada pelo suspeito. Ele estava acompanhado de dois homens. Navegavam em direção à Terra Indígena Vale do Javari.
Um indígena diz à Amazônia Real que “Pelado” e os dois homens intimidaram Bruno e apontaram armas quando dos dois estavam em uma missão para interceptar “Pelado”, junto com uma equipe da EVU. Nove indígenas estavam em uma embarcação chamada canoão, Bruno guiando a lancha, Dom como um dos passageiros. Dom filmou toda a ação. Neste mesmo dia, Bruno segue viagem até a Base da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari, da Funai, no rio Ituí, para denunciar as ameaças de “Pelado”. Lá há militares da Força Nacional de Segurança, que apoiam as ações da Funai. A fonte fala ainda em nomes como “Churrasco”, “Caboclo”, Jânio e “Nei”, todos apontados como tendo alguma ligação com o caso.
As equipes de busca localizam no rio, próximo ao porto de Atalaia do Norte, material orgânico aparentemente humano. O material é encaminhado para análise pericial pelo Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, que também realizará perícia nas amostras de sangue encontradas na embarcação de “Pelado”. Há coleta de materiais genéticos de referência do jornalista britânico Dom Phillips em Salvador (BA) e do indigenista Bruno Pereira em Recife (PE). Os materiais coletados serão utilizados na análise comparativa com o sangue encontrado na embarcação.
São Rafael (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Uma equipe de reportagem da Amazônia Real visita a comunidade ribeirinha de São Rafael e entrevista Alzenira Gomes. Ela diz que ofereceu um “Nescau” para Bruno e Dom. O pescador Jânio Freitas de Souza confirma que Bruno iria conversar com “Churrasco” sobre o manejo do pirarucu. Jânio revela que foi a última pessoa a falar com Bruno. Ele diz que o indigenista e o jornalista estiveram na comunidade por volta das 7h20 de domingo. Os dois então partem para Atalaia do Norte, um percurso de 40 minutos.
“Churrasco”, que é tio de “Pelado”, afirma que não sabia o motivo da visita de Bruno. “Pra estar esse tempo todo sumido desse jeito, ou está morto ou está amarrado por aí por dentro do mato, só pode”, afirma “Churrasco” à Amazônia Real, quando perguntado sobre o que poderia ter acontecido com a dupla desaparecida.
A Operação Javari, que conta com as participações das Forças Armadas, Polícia Militar e Polícia Civil do Amazonas, faz busca fluvial e reconhecimento aéreo numa área a 25 quilômetros de Atalaia do Norte. Na região são encontrados objetos pessoais pertencentes aos desaparecidos, sendo de Bruno: um cartão de saúde, uma calça preta, um par de botas. De Dom Phillips são: um par de botas, uma mochila e um1 notebook. A lancha e o motor 40 HP não foram achados na região de mata densa.
A família de Dom Phillips recebe uma ligação da Embaixada brasileira no Reino Unido informando que dois corpos haviam sido encontrados, mas ainda precisavam ser periciados. Alessandra Sampaio, esposa de Dom, repassa a informação para o jornalista da TV Globo André Trigueiro, que a divulga nas redes sociais. Em questão de minutos, a Polícia Federal nega os fatos, causando ainda mais angústia para as famílias. No dia seguinte, a Embaixada pede desculpas por informar erroneamente ao cunhado e à irmã de Phillips no Reino Unido.
Oseney, “Dos Santos”, preso preventivamente confessou o assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira (Foto: Avener Prado/Agência Pública)
A Polícia Federal cumpre dois mandados de busca e apreensão judicial, tendo apreendido cartuchos de arma de fogo e um remo, os quais serão objeto de análise. E prende temporariamente Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como “Dos Santos”, 41 anos, por suspeita de participação no caso juntamente com seu irmão, Amarildo da Costa de Oliveira, o “Pelado”.
Um dos irmãos confessou os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, segundo informações divulgadas pela Polícia Federal. Eles teriam matado, esquartejado e enterrado os corpos do indigenista e do jornalista.
Ravina Shamdasani (Foto UNHRC)
A ONU e outras organizações cobram proteção da Amazônia contra o crime. “Ataques e ameaças contra defensores de direitos humanos, ambientais e povos indígenas, incluindo aqueles em isolamento voluntário, continuam persistentes”, afirmou a organização. Para o Observatório do Clima, o que aconteceu com Dom e Bruno repete as tragédias de Chico Mendes, Dorothy Stang, Zé Cláudio e Maria e outros que confrontaram criminosos que saqueiam a floresta na Amazônia.
O superintendente da PF no Amazonas, delegado Eduardo Alexandre Fontes (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Em uma reviravolta do caso, a Polícia Federal afirma que os assassinos de Bruno Pereira e Dom Phillips foram apenas os irmãos Amarildo e Oseney de Oliveira. Para a PF, o duplo homicídio do jornalista britânico e do indigenista brasileiro não foi um crime de mando. A Univaja protesta e reafirma que os dois foram vítimas de um crime político, exigindo que as investigações continuem.
Restos mortais chegam no Aeroporto de Brasília (Foto: Agência Brasil)
O Instituto Nacional de Criminalística (INC) anuncia que os restos mortais de Bruno Pereira foram confirmados. O exame médico-legal identifica que a arma usada no crime é típica de caça. Dom levou 1 tiro na região abdominal e torácica. Bruno foi alvejado 3 vezes, também com arma de caça: dois tiros no tórax/abdômen e um na face/crânio. A Polícia Civil informa que prendeu um terceiro suspeito dos crimes: o pescador Jefferson Lima da Silva, chamado de “Pelado da Dinha”. Uma quarta pessoa é procurada.
A Polícia Federal informa que são 8 suspeitos pelas mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips sendo: os irmãos Amarildo, o “Pelado” e Oseney de Oliveira, o “Dos Santos”, e Jefferson Silva, o “Pelado da Dinha”, todos presos; e mais 5 pessoas já identificadas acusados de participação na ocultação dos cadáveres. Amarildo e Jefferson confirmam que participaram dos crimes. Oseney nega envolvimento. As investigações continuam no sentido de esclarecer todas as circunstâncias, os motivos e os envolvidos no caso. A perícia ainda analisa como foi a dinâmica dos crimes. As versões de Oseney e Jefferson têm contradições, que necessitam de acareação entre todos os envolvidos.
No domingo (19), as buscas com o apoio dos indígenas da região e dos integrantes da Unijava, localizaram a lancha que Bruno Pereira e Dom Phillips viajavam. A embarcação estava submersa a uma profundidade de 20 metros de profundidade no rio Itacoaí. O motor 40 HP estava amarrado junto à lancha, que recebeu sacos de terra para se aprofundar mais rápido, como contou “Pelado” à PF.