29 Abril 2022
Os movimentos do Papa Francisco para a paz na Ucrânia, as mudanças na Doutrina da Fé e os acordos diplomáticos com China e Vietnã.
A coluna é de Christopher Lamb, publicada por The Tablet, 27-04-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Com a Guerra da Rússia contra a Ucrânia sem sinais de arrefecimento, o Papa Francisco tem ficado com opções cada vez mais limitadas para seus esforços de paz. Uma reunião planejada com o líder ortodoxo russo, o Patriarca Kirill, foi cancelada e a possibilidade de uma visita papal a Kiev é cada vez mais remota. Alguns argumentam que tentar influenciar Kirill para abandonar seu apoio à invasão do presidente Vladimir Putin é uma causa perdida; e mesmo se uma visita à Ucrânia possa significar o fim das esperanças de Francisco de ser um mediador da paz, ele deveria “apenas ir”.
Para entender a abordagem de Francisco é vital ver os elementos políticos, diplomáticos e teológicos que ele e os diplomatas da Santa Sé estão tentando costurar juntos. No nível político, o Papa procura evitar ser pego no que ele chama de “a velha lógica de poder que ainda domina a chamada ‘geopolítica’”.
Essa lógica, como ele disse a um grupo de mulheres italianas no último mês, vê o mundo com um tabuleiro de xadrez no qual os líderes estudam como eles devem mover suas peças para expandir seu domínio em detrimento dos outros. Francisco não quer ser usado como um peão na luta pelo poder, e não visitará a Ucrânia até que ele possa fazer algo com a Rússia. Um simples encontro com o presidente Volodymyr Zelensky para as câmeras não é uma opção; ele está interessado apenas em uma visita ou reunião se for para fazer a diferença concreta. Sua visita à República Centro-Africana em 2015 e sua viagem programada para o Sudão do Sul em julho mostram que Francisco não tem medo de visitar zonas de conflito. Essas viagens foram acordadas, no entanto, apenas quando os processos de paz já estavam encaminhados.
Isso não significa que o papa é “neutro”. No nível diplomático, Francisco disse ao jornal argentino La Nación que o Vaticano “nunca desiste” de seus esforços pela paz. A relança com Kirill é uma carta diplomática que a Santa Sé ainda joga, então um encontro não pode ser descartado. Muito trabalho diplomático acontece nos bastidores e é provável que tenha envolvido os enviados papais para Kiev e Moscou e os representantes da Santa Sé para as Nações Unidas e a UE. O Papa ouvirá o cardeal Pietro Parolin e o dom Paul Richard Gallagher, os diplomatas seniores do Vaticano que ele encontra toda semana. Francisco também está em contato regular com Elisabetta Piqué, uma jornalista de La Nación que está cobrindo a guerra na Ucrânia.
Então, há o fator teológico para se considerar. Francisco está tentando dar testemunho da não-violência do Evangelho. Ele está se opondo ao comércio de armas e à posse de armas nucleares e é profundamente cético à “teoria da guerra justa”. Ele está oferecendo ao mundo uma posição profundamente contracultural. Embora ele não tenha se encontrado com Kirill, o papa escreveu ao patriarca na Páscoa, instando-o a seguir o caminho da paz. Francisco acredita que a lógica do poder pode ser transformada na lógica do serviço e do cuidado, mesmo se isso parecer fútil. Isso significa ser paciente e acreditar que as pessoas podem ter uma mudança de coração. “Essa é a escola de Jesus”, disse ele, “que nos ensinou como o Reino de Deus sempre se desenvolve de uma pequena semente”.
O Papa fez duas nomeações significativas para a Congregação (em breve Dicastério) para a Doutrina da Fé (CDF). Elas seguem o anúncio de que Francisco está dando à pasta o duplo papel de supervisionar a doutrina e lidar com o abuso sexual clerical. O padre irlandês Joseph Kennedy dirigirá a nova seção disciplinar, enquanto o acadêmico italiano, o padre Armando Matteo, será responsável pela seção doutrinal. Kennedy, nascido em Dublin, que trabalha na CDF desde 2003, elogiou a mídia por expor os abusos e admitiu que alguns casos que ele tratou o fizeram “querer se levantar e gritar”. Enquanto isso, a nomeação do padre Matteo sugere um afastamento da doutrina do “policiamento” e da investigação de teólogos errantes. A expertise de Matteo é transmitir a fé aos jovens; ele disse que, embora “ideias super-claras e super-distintas” sejam “atraentes”, elas não são a resposta.
Francisco também deve nomear um novo prefeito do dicastério, e muitos estão antecipando que o arcebispo de Malta, Charles Scicluna, que atua como secretário-adjunto no escritório, seja nomeado ao cargo.
O acordo secreto do Vaticano com a China é frequentemente alvo de críticas, mas há outro estado comunista na Ásia com o qual a Santa Sé está prestes a estabelecer relações diplomáticas plenas: o Vietnã. As relações entre a Santa Sé e Hanói foram rompidas em 1975, após o fim da guerra do Vietnã, mas foram restabelecidas lentamente, graças a um diálogo paciente. O que foi realizado com o Vietnã, lar de 7 milhões de católicos, muitas vezes é visto como um precursor de como as coisas poderiam funcionar com a China. Assim como o acordo com Pequim, a Santa Sé assinou um acordo com o governo vietnamita que lhe deu um papel nas nomeações para a hierarquia. E o cardeal Parolin, que lidera as negociações com Pequim, também desempenhou um papel fundamental na normalização das relações com Hanói.
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Guerra da Ucrânia, Doutrina da Fé e a diplomacia vaticana com os comunistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU