"Se a temporada dos direitos não tivesse sido acompanhada por uma temporada de deveres, o futuro de nosso país teria entrado em situação de grave perigo. O quanto essa intuição antecipadora fosse verdadeira, está hoje sob nossos olhos", escreve Giannino Piana, teólogo italiano, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, na Itália, e ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas, em artigo publicado por Rocca, 15-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O apelo constante e urgente do presidente Draghi à consciência e à responsabilidade pessoal fortemente reiterado há algumas semanas não pode (e não deve) ser abandonado.
A pandemia, que está (pelo menos se espera) em vias de ser resolvida, tornou transparente a necessidade de recuperação dessa instância, que pode justamente ser qualificada como uma virtude fundamental para o desenvolvimento ordenado e pacífico da convivência civil. Tem sido repetidamente dito (e não erroneamente) que, especialmente na primeira fase de propagação do vírus, os italianos deram prova (mais do que se poderia esperar) dessa atitude, demonstrando, pelo menos na grande maioria, um sentido de disciplina e uma conformidade com as disposições, ainda que onerosas, impostas pelo governo.
É verdade que para favorecer tal comportamento sem dúvida contribuiu o medo de contrair a infecção com graves efeitos para si e para os outros, mas a esperança é que se tenha consolidado a consciência da sua importância, ainda que numa situação muito particular (e anômala), a percepção da necessidade de sua implementação nas diversas esferas da vida social. A eficácia das intervenções estruturais que a política deve assumir para levar a cabo as reformas, de que há muito tempo se fala, está de fato estreitamente ligada (também) à cooperação da cidadania, tanto porque facilita a sua iniciação – o consenso é uma condição essencial para governar - quanto porque permite a busca dos objetivos que se pretende atingir.
A temporada que se abriu desde o último pós-guerra é a dos direitos, especificamente dos direitos sociais - e é esta a proposta mais importante da Constituição e do nascimento do chamado "estado social" de matriz keynesiana -; depois, daqueles subjetivos, que gradualmente assumiram a primazia. As pressões sociais que marcaram a consciência coletiva até a década de 1970 - do papel assumido pelo sindicato às reivindicações dos trabalhadores - tornaram-se a bandeira de uma luta, que justamente levou à afirmação de direitos sacrossantos, que o Estatuto dos Trabalhadores estabeleceu com precisão, marcando uma virada decisiva no caminho para a salvaguarda e promoção da dignidade humana.
A crise política que se seguiu imediatamente àqueles anos, acentuada pelo fenômeno do terrorismo, determinou o fim do impulso social e o dobramento do indivíduo sobre si mesmo, com o surgimento positivo de necessidades e desejos vinculados à esfera da subjetividade, graças à contribuição de movimentos - principalmente o feminista - que colaboraram para dar espaço a temáticas como o valor da diversidade e a busca pela felicidade; mas também com a queda na autorreferencialidade que favoreceu formas de privatização com graves repercussões negativas no desenvolvimento da vida coletiva.
Durante muito tempo, os deveres foram esquecidos ou postos de lado, embora não sejam mais do que o outro lado dos direitos, indissoluvelmente ligados a eles: o que reivindico como direito é, de fato, por sua vez, um dever para mim para com os outros.
Essa estreita interdependência não foi sentida e muito menos praticada, a ponto de esmaecer até sumir nas consciências. A reivindicação dos direitos, tal como tem aconteceu tanto no plano social como no individual, desenvolveu-se unilateralmente independentemente da assunção dos correspondentes deveres, alimentando uma mentalidade feita exclusivamente de pretensões em relação às instituições públicas, sem nunca questionar o que deveria ser oferecido em troca.
A ausência dessa sensibilidade e desse empenho participativo fez-se sentir em vários campos da vida social. Quem pagou a conta foi (e é) o Welfare, que foi (e é) gerido de forma cada vez mais centralizada e burocratizada pelo poder político - as poucas (e fracas) intervenções para ampliar a participação logo encalharam, tanto pela escassa descentralização do poder real quanto pela pesada interferência política -; ao passo que abriu caminho, em nível de massa, a convicção de que se trata apenas de poder acessar serviços que são um direito de todo cidadão, independentemente de sua condição econômica e social, e que, portanto, é dever do Estado garanti-los.
A consciência pessoal, a que se refere o chamamento de Draghi, hoje corre o risco de ser interpretada num sentido rigidamente individualista, portanto privatista, excluindo-se, portanto, qualquer motivação de ordem social, ou de ser esvaziada de todo enraizamento interior, graças à leitura de que as ciências humanas fazem dela: desde as psicológicas e sociais às de cunho mais estritamente cultural e, em tempos mais recentes, às neurociências. Oscila-se, assim, entre uma forma de subjetivismo, que não tem interesse na ordem dos valores e pela atenção aos outros, e uma forma (igualmente perigosa) de objetivismo que, ao negar a liberdade individual, acaba por destituir de fundamentos toda responsabilidade.
A isso se soma (e não é trivial) a ausência de um forte sentido de pertença à nação e, portanto, a falta de coesão em torno de objetivos comuns que cimentam as relações, fazendo com que a "coisa pública" seja percebida como patrimônio efetivo de todos. Apesar de eventos fundamentais como a Renascença e a Libertação, ainda prevalecem contrastes abertos entre o Norte e o Sul do país, com formas de denegrição recíproca, reivindicações de hegemonia de uma parte do país sobre a outra, paroquialismo, familismo e fechamentos corporativos. As causas dessa situação são conhecidas (e amplamente estudadas): a Itália, e não só, ao contrário de outros estados europeus, alcançou há pouco a unidade nacional, tendo sido por muito tempo o país de senhores e burgos, mas também conheceu uma grande variedade de dominações com a importação de tradições culturais distintas e nem sempre compatíveis entre si. O desinteresse pela "coisa pública", considerada "coisa de ninguém", está também ligado a essas razões históricas e culturais, que exerceram (e ainda exercem) um peso decisivo na formação da consciência do povo italiano.
Muitos e de natureza diversa, são os passos que devem ser dados para sair da deriva atual. Alguns dizem respeito, em geral, aos modelos culturais dominantes; outros estão mais estreitamente ligados à natureza específica do "caso italiano". Do primeiro lado - dos modelos culturais dominantes - é fundamental a redefinição dos conteúdos de termos como consciência, liberdade e responsabilidade.
É de importância primordial a recuperação de uma concepção positiva de consciência, à qual deve ser reconhecida uma verdadeira originalidade e, portanto, uma autonomia precisa (ainda que limitada) em relação aos condicionamentos que ela inevitavelmente sofre. Mas, acima de tudo, deve ser tocada uma interpretação rigidamente individualista para adquirir uma dimensão relacional e social. Por sua vez, a possibilidade de exercer a liberdade deve ser reivindicada fortemente, embora reconhecendo que se trata de uma liberdade "situada", portanto parcialmente condicionada, que, no entanto, não pode se identificar com uma espécie de arbítrio individual e que deve ser concebida como "liberdade para", isto é, como liberdade positiva que assume as conotações de responsabilidade para com o outro e para com a complexidade das situações.
Na base dessa visão está uma antropologia relacional, baseada em uma concepção do homem como pessoa (e não como indivíduo), portanto como sujeito de e em relação, cuja autocompreensão e autorrealização não podem ocorrer senão em relação com o outro (os outros). A alteridade não é, portanto, uma realidade externa e totalmente acidental; é algo que pertence ao sujeito como elemento constitutivo de sua identidade. Isso implica que não se pode (e não se deve) considerar o outro como estranho, muito menos como inimigo, mas como um interlocutor cotidiano com o qual colaborar para dar vida a uma séria convivência civil.
Se isso constitui o fator essencial de natureza filosófica e cultural, capaz de conferir o fundamento último à sociabilidade, repudiando o individualismo e atribuindo um ponto de apoio à sociabilidade como componente essencial da definição da identidade subjetiva, não pode faltar também uma atenção particular - este é o segundo aspecto - a situações relativas ao "caso italiano". A fragilidade do senso social e cívico, que tem as motivações históricas apontadas, exige em primeiro lugar o fortalecimento do senso de pertença, com a superação da preconceituosa desconfiança dos italianos do Norte para com aqueles do Sul (com picos que atingem, às vezes, verdadeiras formas de racismo), com a valorização das diversidades e com a convicção de que os bens comuns, como bens de todos, exigem o envolvimento responsável de cada cidadão.
A participação ativa na vida pública, que é dever moral de cada um, comporta o "sentir-se parte" (a que se alude quando se fala em pertença) e "tomar parte", isto é, oferecer a própria contribuição para o crescimento comum. A possibilidade de isso acontecer depende estritamente da reconstituição de um ethos cultural compartilhado; em suma, de uma plataforma de valores civis, que cimentem o tecido social, fornecendo o alimento vital para as consciências; alimentos que é garantia de uma convergência em torno de objetivos comuns. A cultura dos deveres e da responsabilidade é, em última análise, o resultado de um processo complexo em que entra em jogo a construção de uma mentalidade e de um costume, que só podem concretizar-se onde os valores da igualdade e da dignidade pessoal (de cada pessoa), da justiça, da gratuidade e da solidariedade tornam-se os critérios de referência das escolhas pessoais e sociais.
Poucos dias antes de seu sequestro, em um famoso discurso ao grupo parlamentar da Democracia cristã, Aldo Moro alertava que, se a temporada dos direitos não tivesse sido acompanhada por uma temporada de deveres, o futuro de nosso país teria entrado em situação de grave perigo.
O quanto essa intuição antecipadora fosse verdadeira, está hoje sob nossos olhos!