27 Setembro 2021
Em uma sessão de perguntas e respostas com os jesuítas na Eslováquia, o Papa Francisco revelou que depois de sua cirurgia no intestino neste verão, alguns prelados queriam que ele morresse. O Papa também levantou uma crítica velada à EWTN, canal de televisão católico dos EUA, dizendo que os ataques da rede contra ele eram “trabalho do diabo”.
O correspondente da revista America no Vaticano, Gerard O'Connell escreveu sobre os comentários do papa e relatou que o Papa Francisco já havia confrontado um repórter da EWTN anteriormente sobre os ataques contra ele. No podcast “Inside the Vatican”, da revista America, dos jesuítas estadunidenses, a jornalista Colleen Dulle conversa com O'Connell sobre os ataques ao papa e a sua equipe, e sobre a legitimidade de tais críticas e ataques.
Gerard e Colleen também observam nos comentários do Papa Francisco que “algumas pessoas o queriam morto” depois de sua cirurgia e até mesmo encontros foram preparados para um conclave.
Com o papa enfrentando resistência no Vaticano e na imprensa, O'Connell diz: “Eu acho triste que um papa precise se defender. A sede da EWTN é nos Estados Unidos. Os bispos da Conferência Episcopal não podem defendê-lo?”.
O podcast pode ser ouvido em inglês, na mídia abaixo. A transcrição para o português, você pode ler na sequência.
A entrevista é de Colleen Dulle, publicada por America, 23-09-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Colleen Dulle – O que o papa falou sobre a EWTN em seu encontro com os jesuítas eslovacos?
Gerard O'Connell – Bem, a questão era sobre como ele lida com as pessoas que expressam suspeitar dele. E isso foi dito [por um dos jesuítas], “algumas pessoas consideram-lhe um heterodoxo, outras um ortodoxo. Como você lida com essas pessoas que suspeitam de você?”.
Ele respondeu de forma estranha. Ele disse, “há, por exemplo, um grande canal de televisão que não hesita em continuamente falar mal do papa”. E então ele disse: “eu pessoalmente mereço ataques e insultos porque sou um pecado, mas a Igreja não os merece. Eles estão trabalhando para o diabo”. Ele falou sobre os ataques: “eu também disse isso a alguns deles”.
Vamos falar sobre a linha que o papa está traçando aqui, porque ele disse que merece os ataques porque é um pecador, mas que a Igreja não merece. O que você entende disso?
Ele está traçando uma distinção entre si, o argentino Jorge Mario Bergoglio, e o Papa, que é o centro da unidade e ortodoxia da Igreja Católica. Então, um caso é uma situação pessoal; o outro é o papel, um papel central na Igreja Católica. Ele diz, eu enquanto argentino, e apenas isso, você pode dizer o que quiser. Mas quando eu sou o Papa, isso é diferente. Você está atacando a Igreja porque você está atacando o centro da unidade e ortodoxia na Igreja.
E nós deveríamos dizer, há uma importante distinção aqui entre esses tipos de ataques e as críticas genuínas que o jornalismo requer. Ele está traçando uma distinção também entre ataques e críticas.
Ele nunca se esquivou de críticas quando são dadas em um bom espírito e levantam questões, mesmo sobre como ele age, como ele faz as coisas. O que ele rejeita são os ataques os quais realmente procuram diminuir seu papel como Papa, como bispo de Roma, como líder da Igreja, que procuram realmente minar sua credibilidade diante do povo.
Agora, quando se está em um grande canal de televisão, transmitindo e se está realmente desprezando, injuriando, falando mal do líder da Igreja Católica, então isso é uma coisa diferente do que criticar apenas um indivíduo que não tem uma posição desta natureza.
O comentário do Papa foi amplamente interpretado como uma referência a EWTN, que é a maior rede católica de televisão nos EUA. Eles também têm outros tipos de publicações, como o portal Catholic News Agency, o jornal National Catholic Reporter, e diversas estações de rádios afiliadas. Como nós sabemos que o Papa está falando da EWTN?
Bem, eu penso que ele nos deu uma pista, uma pista muito forte, quando ele disse ao final da declaração que “eu também já falei isso a um deles”. Eu lembro muito bem do voo do Papa ao Iraque, ele se aproximou para cumprimentar cada um dos jornalistas, até certo ponto. Ele se deparou com um repórter e um cinegrafista da EWTN. E um deles lhe disse: “Santo Padre, nós da EWTN estamos rezando por você”. E o Papa falou, “ah, talvez a Madre Angelica – que foi fundadora da EWTN – no céu esteja rezando por mim, mas vocês parem de falar mal de mim”. Ele disse isso duas vezes.
Agora, o que me dá uma clara indicação que ele estava falando sobre a EWTN, pois estava usando exatamente a mesma frase em italiano no avião para o Iraque e aos jesuítas em Bratislava: sparlare. Essa é uma palavra em italiano que significa “falar mal”. No avião, ele disse aos jornalistas da EWTN, “Parem de falar mal de mim”. Em Bratislava ele usou exatamente a mesma palavra, sparlare, falar mal. E ele disse, “há um grande canal de televisão que não hesita em continuamente falar mal de mim”.
Você pensa que porque ele usou a mesma palavra em ambas ocasiões, essa definitivamente é uma referência à ocasião, como ele disse, a quando ele falou isso antes?
Essa é a chave para o fim da sua primeira sentença, seu primeiro parágrafo, quando ele disse: “eu também já disse a alguns deles”. Ele está falando de um grande canal de televisão.
Eu quero que você fale um pouco mais sobre a ocasião no voo para Bagdá. Você presenciou isso?
Eu não vi acontecer, realmente. Eu o vi indo até eles, mas eu não estava próximo o suficiente para escutá-los. Mas as pessoas que estavam mais perto me disseram, e como eu disse em um artigo, eu tenho três confirmações disso. E eu checo a informação. Ele não está demonizando a estação de televisão, mas os ataques que são feitos por ela. E nós sabemos quais ataques têm sido feitos. Eles publicaram muitos.
O que me impressionou, se assim posso dizer, é que achei triste o Papa ter que se defender. A sede da EWTN é nos Estados Unidos. A conferência dos bispos católicos não pode defender o Papa nisso? Eles já saíram para defendê-lo quando viram os ataques contra ele? Talvez até o Vaticano devesse ter intervindo. Eu sei que na reunião [de setembro de 2019] das comunicações...
[Do] Dicastério de Comunicações do Vaticano.
Isso, o departamento de comunicações do Vaticano.
Certo, Michael Warsaw, o CEO da EWTN, é consultor nesse dicastério.
Sim. E houve perguntas levantadas [sobre a EWTN] durante aquela reunião, pelo que fui informado. Mas, de certa forma, é triste que o Papa tenha que se defender.
Pois outros não estão vindo para defendê-lo.
Sim. E eu acho que reflete um nível de, talvez, frustração no Papa, porque ele recebe feedback constante de que este ou outro âncora disse isso. Ele está bem ciente do que está sendo dito e por quem.
Devemos apenas deixar claro de quem estamos falando aqui. Raymond Arroyo, que é apresentador de seu próprio programa na EWTN, tem esse grupo chamado “Papal Posse”, que é basicamente um grupo de três pessoas que são extremamente críticas ao papa. Eles aparecem na TV e apenas falam dele, basicamente, e entrevistam seus principais críticos. Eles trouxeram o arcebispo Carlo Maria Viganò; eles deram-lhe uma grande visibilidade, especialmente quando ele estava pedindo a renúncia do Papa. Eles trouxeram Steve Bannon; eles trouxeram o cardeal Raymond Burke. Apenas continua e continua.
Bem, o problema é que esta não é uma pequena [estação] de televisão com uma audiência pequena. É transmitida em muitos países. Agora, por que lançar uma nuvem de suspeitas sobre o líder escolhido da Igreja Católica? Qual é o propósito?
Bem, eu acho que Christopher Lamb atinge o objetivo muito bem em seu livro, “The Outsider”. É que muito disso estava ligado ao fato de que, no início de seu papado, o Papa Francisco estava criticando fortemente o capitalismo de livre-mercado e desenfreado. E muitas dessas pessoas que tinham muito dinheiro e apoiavam a estação se opunham a isso e queriam calá-lo, basicamente.
O Papa sabe que seus comentários serão publicados. Ele sente que é necessário [dizer isso]. Quero dizer, o Papa está agora com 84 anos; ele está chegando aos 85 anos. Ele não se candidata à reeleição. Ele não está cortejando a opinião pública. Mas sua tarefa é como o guardião da unidade e da ortodoxia na Igreja. E o que ele diz é: “Isso é obra do diabo”. Do que ele está falando? Ele sempre explicou [que] o diabo é aquele que cria divisão, que cria desconfiança na comunidade. E é disso que ele está falando. E isso não é da natureza do Evangelho.
Nesta conversa com os Jesuítas, o Papa Francisco também falou sobre outras pessoas que gostariam de ver o fim do seu papado. Imediatamente, quando um dos jesuítas lhe perguntou: “Como você está?”, na primeira pergunta, ele respondeu: “Ainda estou vivo, embora algumas pessoas quisessem que eu morresse”, o que, significa que se você está respondendo a “Como vai você?” desta forma, isso é um sinal muito ruim. Ele estava se referindo após sua cirurgia de intestino neste verão. Algumas pessoas presumiram que ele não estava se recuperando tão bem como diziam os relatórios oficiais, e começaram a se reunir, preparando-se para um conclave. Ele disse isso aos jesuítas. E eu me pergunto se sabemos mais sobre isso. Quem são esses prelados? Essas reuniões estão realmente acontecendo?
Houve muita discussão quando ele foi para o hospital. Foi um evento tão repentino e inesperado. Então a informação vinda do hospital era muito limitada, muito concisa, sem muitos detalhes. E então as pessoas começaram a especular: “Talvez ele esteja realmente doente. Talvez ele seja muito pior do que dizem os médicos. Eles não estão nos dizendo a verdade”. E assim a discussão continuou. A questão é, aqui, algumas pessoas estão orando pelo fim de seu pontificado.
Lembro-me de uma viagem em que fomos com o Papa, e ele foi informado de um prelado no Vaticano que disse antes da viagem, conversando com outro prelado: “Ah, bem, esperemos que ele não volte”. Agora, esta manhã, o cardeal Pietro Parolin em uma reunião foi questionado sobre o que ele pensava sobre esta informação [que alguns prelados haviam realizado reuniões para preparar um conclave]. E ele disse: “Bem, eu não sei nada sobre isso. Eu não sabia disso”. Mas, disse ele, “o Papa pode ter informações que eu não tenho”. Até saiu nos jornais que houve discussões sobre se seria o fim do papado, quem será o próximo papa. Eles estavam divulgando nomes. Acho que Francisco é sensível a isso.
Eu também ficaria.
E ele disse: “Graças a Deus, estou bem”. Esses comentários sobre sua morte, eles estão realmente centrados no mundo ocidental, alguns na Europa, na América do Norte. Não é algo que você ouve na África e na Ásia.
Acho que essas duas histórias que o papa compartilhou sobre o ataque da EWTN a ele e também sobre esses prelados no Vaticano que estão olhando para o seu futuro sucessor, mostram que há mais que uma forte resistência ao Papa Francisco, tanto fora quanto dentro do Vaticano, e ele sabe disso e está falando sobre isso. E então quando isso vier no próximo conclave, embora não pensemos que esteja no horizonte, haverá pessoas que impulsionarão uma pessoa diferente dele. Eu penso que isso é importante para lembrarmos no futuro.
Mas, por agora, o Papa Francisco parece bem saudável. Não esperemos um conclave em breve. E parece que, pela forma a qual ele tem falado disso, ele também não tem nenhuma intenção de deixar esses comentários e ataques chegarem a ele.
O Prof. Dr. Massimo Faggioli apresentará a conferência “Francisco, Biden e os radicais de direita. Relações entre a polarização na Igreja e na política”, parte do Ciclo de Estudos Populismos, autoritarismos e resistências emergentes, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
A conferência com o Prof. Dr. Massimo Faggioli será no dia 27 de setembro de 2021, às 10h, e será transmitida em português pelo site do IHU, canal do IHU no Youtube, e página do IHU no Facebook, e bilíngue na plataforma Zoom. O evento é gratuito e garante certificação para os inscritos. Inscrições e mais informações confira neste link.
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Por que os bispos dos EUA não defendem o Papa Francisco dos ataques das mídias estadunidenses? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU