06 Agosto 2021
"O mínimo que se pode dizer é que é preciso ter fé, "vendo como se estivesse se vendo o invisível". Aceitando que as coisas não são mais como eram antes. Que não se veem desenvolvimentos frutuosos e promissores, pelo menos por agora, pelo menos no futuro imediato. Somos chamados – repetimo-nos isso vezes sem conta - a perceber o positivo que existe hoje, encarando-o como uma espécie de profecia para o futuro", escreve um pároco, em artigo publicado por Settimana News, 05-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Daqui a pouco completam-se 25 anos que sou padre. Começo assim, como comecei há cerca de 15 anos, enviando uma “carta assinada” à Settimana, que na época ainda era impressa em papel e não apenas digital.
Minha reflexão, ao longo dos anos, continuou. Com o tempo, a pessoa vai se consolidando, pelo menos do ponto de vista humano e, talvez, também do ponto de vista espiritual. Isso pode ser positivo, no sentido de que a pessoa se torna mais estável, mas também pode ser negativo, porque há mais medo da mudança. E hoje a mudança é mais do que nunca necessária - um "must", para usar um anglicismo - e também exigida em tempos muito rápidos sob diversos pontos de vista.
Nos últimos 15 anos, aconteceram muitas coisas e muitas mudanças se realizaram. Não vou mencioná-las. Aquelas que são mais urgentes para mim - em meu pensamento, em meu coração - são as fortes transformações de nossas comunidades cristãs. Hoje eu quase não os reconheço mais. Claro, o covid. Mas não só isso. O covid foi um fator de aceleração formidável de processos que já estavam em curso há tempo.
Se eu pensar no que eram nossas paróquias nas décadas de 1980 e 1990 - quando comecei minha jornada vocacional -, sinto um aperto no coração. É verdade. Não se deve olhar para trás com saudade. O que foi, foi. Não escondo que não seja fácil para mim.
Aqueles anos - como me lembro deles - foram particularmente animados e promissores. Havia o card. Martini em Milão, e Dom Tonino Bello, bispo de Molfetta: só para citar dois nomes que deram muito à Igreja italiana da época e foram - não os únicos - tochas acesas para muitos de nós ...
Havia uma vitalidade surpreendente em quase todas as paróquias, mesmo nas menores: cada uma presidida por um pároco, talvez idoso, mas presente e ponto de referência para a comunidade. A pastoral juvenil foi organizada e enraizada tanto em nível diocesano quanto paroquial.
Hoje não é mais assim. O panorama dos bispos italianos não expressa - pelo menos não me parece - figuras de uma força como aquela expressa naqueles anos. E não basta apelar ao Papa Francisco e ao seu magistério. Nem mesmo o próximo sínodo nacional me parece uma solução: melhor do que nada, claro, mas não tenho grandes expectativas.
As comunidades paroquiais foram progressivamente agregadas umas às outras (as famosas "unidades pastorais" ou "colaborações pastorais" ou como quiserem chamá-las) e são confiadas a um pároco que geralmente se encontra cada vez mais sobrecarregado pelas mais variadas responsabilidades, muitas vezes de natureza burocrática.
A figura do padre que me fascinou e que está no início do meu caminho vocacional - o padre que vive em uma comunidade da qual conhece todos os membros, pessoa por pessoa - não existe mais. Nem é mesmo mais viável aquele tipo de estilo presbiteral. Hoje o padre conhece no máximo aqueles que tratam das atividades paroquiais: os chamados agentes pastorais. E todos os outros? Muitas vezes, é simplesmente impossível alcançá-los: ele nunca conseguiria e deve contentar-se com as oportunidades fugazes oferecidas pela preparação dos sacramentos (ou dos funerais). Mas não é a mesma coisa.
Nossos seminários têm números cada vez reduzidos. As casas paroquiais, em muitos casos, estão vazias ou transformadas em ponto de encontro da comunidade, sem a presença estável de um padre ou de quem quer que seja: tornam-se lugares anônimos, testemunhas de um passado e de uma forma de Igreja que não existe mais ou está em processo de ultimação.
Além disso, temos as nossas igrejas, aos domingos, cada vez mais vazias. Exceto em alguns momentos, é claro. Cada vez mais vazias, sobretudo, de jovens: em parte porque os jovens frequentam menos a missa, em parte porque são objetivamente poucos. Os jardins de infância estão fechando, mas também estão fechando e se unificando as escolas públicas porque não há mais crianças e jovens.
A impressão é que - apesar dos apelos do Papa Francisco para "sair" - somos uma Igreja em recuo, muito longe de igrejas em saída para as periferias! Estamos nos retirando. Ordenadamente, se quiser. Mas estamos recuando. Cada vez que morre um padre, o seu lugar é ocupado por outro (que, ao mesmo tempo, deve ocupar também os lugares que lhe foram atribuídos anteriormente). Prosseguimos por adições progressivas. É difícil, num similar contexto, fazer uma pastoral vocacional convincente: o futuro que se abre para os jovens padres certamente não é fácil. Eles sabem disso muito bem. E eles devem ser ajudados e apoiados com atenção muito particular.
E os leigos? Eles também, em minha opinião, estão em recuo. Sua "hora" já passou há tempo - como disse o Papa Francisco em um de seus discursos -, mas também sua presença foi reduzida ou está em vias de diminuição. Aqueles se empenham correm o risco de serem sempre os mesmos, sempre menos.
No geral, é difícil ver um futuro, pelo menos para nossa Igreja Ocidental. Em outras partes do mundo, não é assim; aliás, a Igreja Católica parece estar bem e crescendo. Mas que esperanças e que possibilidades nós temos aqui, a Igreja do Ocidente, a Igreja da Itália?
Brigamos entre conservadores e progressistas, direita e esquerda, contra ou a favor do Papa Francisco, entre questões de bioética e questões de caráter social, aborto contra migrantes ... Um infeliz espetáculo, que nos enfraquece ainda mais e desmente o vigor da palavra evangélica que invoca a unidade do rebanho de Cristo.
E o que dizer da bomba de escândalos pelos abusos infantis, há cerca de dez anos? Um tsunami que - na minha opinião - deixou e continua a deixar um enorme rastro no imaginário coletivo das pessoas em relação à Igreja Católica (e seus ministros).
Então, o que fazer? O Card. Marx nas últimas semanas, enviou uma carta de renúncia - não aceita pelo papa - de seu ministério como bispo da diocese de Munique. Mas é fácil sair quando o navio parece estar afundando. Na verdade, se este é realmente o navio de Pedro, não poderá ser engolido pelas ondas.
O mínimo que se pode dizer é que é preciso ter fé, "vendo como se estivesse se vendo o invisível". Aceitando que as coisas não são mais como eram antes. Que não se veem desenvolvimentos frutuosos e promissores, pelo menos por agora, pelo menos no futuro imediato. Somos chamados – repetimo-nos isso vezes sem conta - a perceber o positivo que existe hoje, encarando-o como uma espécie de profecia para o futuro.
O nosso é um tempo que nos pede uma fé enorme. Talvez nos peça – este tempo - que voltemos a acreditar em Deus (!) e não nas nossas capacidades, nos nossos meios ou estruturas que criamos ao longo dos séculos de “Igreja militante”.
Neste tempo, todos deveríamos nos tornar místicos, homens e mulheres verdadeiramente espirituais. Talvez só isso nos salve da depressão ou - para usar um termo da tradição cristã - da pior doença da alma do crente que é a acídia.
Não vejo alternativas. Talvez - como me confidenciou um estudioso católico - o que nos espera seja o mesmo destino das Igrejas do Oriente Médio e do Norte da África: sumidas provavelmente porque implodiram "de dentro", não porque vencidas por uma mensagem melhor. Quem sabe… Esperamos que não.
É possível seguir para o ocaso de muitas maneiras, alguém disse. Perdendo um pedaço de cada vez, com pesar ou rancor, amaldiçoando o mundo e a vida. Ou deixando atrás de si um rastro de sementes preciosas, como uma espécie de bênção. E quem sabe que um dia, quando as condições permitirem, essas sementes não poderão novamente brotar.
De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.
XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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