19 Julho 2021
"Esta é a imagem que comove Deus: a dispersão, o caos, a falta de orientação, o desnorteamento. A 'compaixão' de Jesus é na realidade - de acordo com o termo grego - um impulso emocional, visceral, diante de um povo em desordem como um rebanho sem pastor. Não é um sentimento, mas um instinto. É o instinto divino que 'ativa' Deus e o move a ser o que é: um pastor que cuida de um rebanho disperso. Nossa desorientação seduz a Deus. Infalivelmente", escreve o jesuíta italiano Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Cattolica, em artigo publicado em Il Fatto Quotidiano, 18-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Primeira cena: há grande movimento (Mc 6,30-34). Os apóstolos se reúnem ao redor de Jesus para ouvi-lo e relatar-lhe tudo o que fizeram e o que ensinaram. É uma cena calorosa e íntima, mas também cheia de entusiasmo e talvez exaltação. Jesus bem sabia o que seus doze apóstolos haviam ensinado: era o seu Evangelho. Jesus imaginava o que eles haviam feito: enfrentado o mal, curado, consolado. Não havia necessidade de contá-lo! Mas a fé é falar, dialogar, se entregar e confiar em forma de palavras e relato.
Os apóstolos contam sua experiência. Se não houvesse o relato, como seria a vida? E a fé, então? Seria a adesão às regras de um manual. Contar e contar uns aos outros, por outro lado, sempre infringe as regras porque contém as nuances da vida: os excessos e as depressões, as frustrações e os desejos. O crente é sempre um narrador. E a oração é sempre um relato.
Segunda cena: grande confusão ao redor, eram muitos os que iam e vinham e os apóstolos nem tinham tempo de comer. São imagens de um empenho cheio de sucesso: há muitas pessoas procurando o grupo. As imagens estão borradas, desfocadas. O Mestre está calmo, ele os ouve e depois dá a sua opinião. Mas não replicando, elogiando ou dando conselhos para o futuro como se fosse um bom coach. Pelo contrário, diz simplesmente: "Venham para o lado, só vocês, para um lugar deserto, e descansem um pouco". É preciso silenciar as palavras e ficar à margem para descansar. Jesus não gosta da eficiência, mas da relação e do sentido. Os apóstolos não são astros numa turnê, nem são vendedores ambulantes de ideias. Descansar significa garantir que aquele relato de ações e ensinamentos entre profundamente na vida daqueles que os viveram.
Frequentemente, nossa vida consiste numa série de imagens fotográficas que depois permanecem pretas porque não são reveladas. Entrar em um "retiro" significa entrar no quarto escuro para ver as cores e contornos da vida. Quando se percebe que "não há tempo" - como está acontecendo com os apóstolos - então é preciso parar para avaliar onde se está e o que se está fazendo, É preciso realinhar o foco.
A missão de Jesus requer o descanso que reconcilia consigo mesmos, abre o sentido e permite compreender. Então, eles foram com o barco para um lugar deserto, em separado. Mas a história não termina aí.
Terceira cena: muitos veem os movimentos de Jesus e dos seus e entendem qual será sua meta. Eles se colocam em marcha e os precedem. O barco que navega na água não supera o desejo que se comunica aos pés de quem pretende seguir o Mestre. As pessoas estão com sede. Então Jesus, saindo do barco, viu uma grande multidão, teve compaixão deles porque eram como ovelhas que não têm pastor. Marcos vê Jesus que vê a multidão e se entretém com eles para conversar, para ensinar. Marcos aponta para os olhos de Jesus e capta o olhar do pastor. E lê seus sentimentos. Há, de fato, algo que interfere diretamente nos planos feitos. Há um sentimento que supera o desejo de Jesus de encontrar um tempo de descanso: a compaixão por um rebanho disperso.
Esta é a imagem que comove Deus: a dispersão, o caos, a falta de orientação, o desnorteamento. A "compaixão" de Jesus é na realidade - de acordo com o termo grego - um impulso emocional, visceral, diante de um povo em desordem como um rebanho sem pastor. Não é um sentimento, mas um instinto. É o instinto divino que "ativa" Deus e o move a ser o que é: um pastor que cuida de um rebanho disperso. Nossa desorientação seduz a Deus. Infalivelmente.
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Com os discípulos Jesus é um bom coach: não gosta de eficiência, mas de relações - Instituto Humanitas Unisinos - IHU