22 Abril 2015
‘Pobreza e poder’ é o tema da convenção realizada em Assis , promovido pela associação ‘Argomenti 2000’. Os trabalhos foram abertos pelo cardeal Walter Kasper com uma intervenção. O tema central do evento foi centrado em dois aspectos: ‘Pobreza na Igreja’ e ‘Pobreza na política’.
Eis uma síntese da conferência de Walter Kasper, proferida no dia 17-04-2015. A tradução é Benno Dischinger.
Pobreza é um tema atual no nosso mundo e é um desafio, sobretudo para nós cristãos. Sim, pobreza se encontra também entre nós, no Ocidente. Se faço um pequeno passeio em torno da Basílica de São Pedro, encontro não só muitos turistas, mas também, e sobretudo ao entardecer, muitos pobres que vivem na rua. Nas periferias de Roma são ainda muito mais. É grave a pobreza oculta de muitos anciãos, de muitas famílias que não podem pagar o aluguel, a luz, o gás ou que no fim do mês não têm mais dinheiro para comer, para os remédios. A face da pobreza nós a vemos também nas nossas cidades, no meio de uma civilização considerada de abundância. O problema da pobreza é ainda mais grave no hemisfério sul. Eu me recordo de muitas visitas nos ‘slum’ na África, Ásia, América Latina. De cada visita retornei diferente. Ali habitam dois terços dos cristãos. São nossos irmãos e irmãs. Já que não sabem como viver, vem até nós, batem às nossas portas, chegam pelas nossas costas e pedem asilo.
Emigração e imigração são hoje uma realidade para muitos milhões, são sinais dos tempos.
Perguntemo-nos: escutamos o clamor dos pobres? Ou fazemos parte da globalização da indiferença? Se fosse assim, não seríamos mais dignos de chamar-nos cristãos.
O Papa Francisco entendeu o desafio e sabe interpretar os sinais dos tempos. Ele tem o desejo, e até mesmo o sonho, de uma Igreja pobre para os pobres. Um programa que ele apresentou já nos primeiros dias de seu Pontificado e repetiu com frequência; antes, não só repetiu, mas sublinhou com gestos fortes: as visitas a Lampedusa, na Sardenha, na Albânia. E com o seu estilo de vida simples. Ele não é mais o Papa-imperador, o Papa-rei, o Papa-príncipe do passado. Encerrou definitivamente a época de Constantino e iniciou uma nova era na história da Igreja. Muitos ficaram e ainda estão surpresos e se perguntam: o que significa “Igreja pobre para os pobres”? Se questionam: de que modo uma Igreja pobre pode ajudar os pobres? E se pergunta também: o programa do Papa não é, talvez, um programa irrealista, utópico, romântico?
Mas, para compreender o Papa se deve escavar mais em profundidade. Este Papa não é nem comunista nem liberal, é um radical no sentido original desta palavra. Ele é radical porque vai à raiz do cristianismo. Para este Papa o ponto de partida e a norma é somente o evangelho de Jesus Cristo. Não é por acaso que sua carta apostólica tem o título Evangelii gaudium.
Também se pode dizer: Ele é um Papa evangélico, certamente não no sentido confessional, mas no sentido original deste termo. Ele quer uma renovação da Igreja a partir da origem. Somente da fonte se pode atingir água fresca. E desta água fresca temos necessidade.
A reforma da Igreja, que hoje muitos requerem, não é uma adaptação ao status quo, à situação, ao mundo. “Não vos conformeis a este mundo”, diz o apóstolo Paulo. Reforma significa retornar à forma original da Igreja, à Igreja do Novo Testamento, da primitiva Igreja de Jerusalém.
Certamente não podemos repristiná-la, mas devemos plasmar a Igreja de modo construtivo e criativo, segundo o modelo e segundo o exemplo das origens. Em última análise, devemos plasmar a Igreja e a vida de cada cristão segundo o modelo e segundo o exemplo de Jesus. Este é o significado da palavra ‘radical’. Trata-se de viver a dimensão radical da caridade e da ternura com quem é pobre.
Viver a pobreza do Evangelho também significa viver a misericórdia. No Sermão da montanha Jesus acrescenta à beatitude pelos pobres outra beatitude: “Bem-aventurados os misericordiosos porque encontrarão misericórdia” (Mt 5,7). E acrescenta: “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6, 38).
Em que consiste esta misericórdia? Se falarmos do sentido do termo, misericórdia significa ter um coração para os míseros, ter compaixão e deixar-se mover pelo sofrimento alheio. Jesus nos mostra que esta compaixão não somente uma emoção; a emoção do coração deve tornar-se ativa e levar-nos a mover as mãos e os pés para ir ao encontro e para ajudar o outro. Neste sentido Jesus conta a parábola do bom Samaritano: ele sentiu compaixão pelo pobre ferido e desceu no lodo da estrada, limpou e enfaixou suas feridas, levou-o ao albergue e pagou para ele todas as despesas (Lc 10, 29-37).
Misericórdia é um comportamento ativo que combate positivamente a pobreza e a miséria alheia e a pobreza e a miséria no mundo. A misericórdia resiste à injustiça e se empenha pela justiça e, como o bom Samaritano, vai também além da justiça.
A pobreza não é um valor em si mesmo, não, é uma realidade a combater e superar. Misericórdia quer dizer fazer-se pobre compartilhando os próprios bens para superar a pobreza dos outros. O misericordioso se coloca na situação do outro e se pergunta: o que eu gostaria que o outro me fizesse em tal situação? O misericordioso age segundo a regra de ouro, que para Jesus é compêndio de toda a lei e dos profetas (Mt 7, 12).
É uma regra de empatia e simpatia, que requer que se ultrapasse o próprio eu, pondo-se na situação do outro e agindo como desejaria que o outro agisse em tal situação comigo. O misericordioso sai de si mesmo: o misericordioso não é autocentrado e auto-referencial, não é encerrado em si mesmo, mas é alguém que está pronto a abrir-se ao outro.
No entanto, hoje estamos diante de novos desafios. A necessidade tem muitas faces e muda muito velozmente. Não é possível regular e prever cada situação individual e quem tenta fazê-lo acaba criando um sistema burocrático repleto de regras.
Temos, portanto, necessidade de pessoas com os olhos abertos, que estejam atentas e se de deem conta das novas situações de necessidade. A misericórdia individual não pode e não quer substituir a justiça social, mas pode ser a inspiração e a motivação para agir.
São necessárias pessoas que percebam a necessidade que muitas vezes surge inesperadamente, e que se deixem comover por ela; pessoas que tenham um coração, que de coração estejam atentos aos outros e que no caso concreto procurem ajudá-lo da melhor maneira que podem.
Sem semelhante misericórdia, a base motivacional para um ulterior desenvolvimento da legislação social se perde. Por conseguinte, nossa sociedade não pode estruturar-se devidamente sem a misericórdia. Hoje, diante de enormes problemas que devemos enfrentar, sem uma base religiosa, acaba faltando o impulso emotivo necessário para empenhar-se por um mundo melhor. Sem a misericórdia corremos o risco que nossa sociedade se transforme num deserto.
Podemos, portanto, entender a misericórdia como o fundamento e a fonte inovadora motivacional da justiça social. A misericórdia, que é uma virtude sobrenatural, tem sua racionalidade e sua urgência naturais.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Misericórdia, empatia do mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU