26 Junho 2021
A decisão dos bispos dos Estados Unidos de redigir um documento que provavelmente desaprovará a permissão de Joe Biden de receber os sacramentos é vista por alguns como um ataque a um presidente democrata. Por trás disso, está uma tentativa de resolver uma crise de fé eucarística no catolicismo estadunidense.
A opinião é de Charles C. Camosy, professor de Teologia e Ética Social da Fordham University, em artigo publicado por The Tablet, 23-06-2021. A tradução é de Anne Ledur Machado.
Os dados foram divulgados pelo Pew em agosto de 2019. E a história que eles contaram deixou muitos católicos estadunidenses mais velhos espantados e horrorizados. De acordo com os dados da pesquisa, sete em cada 10 católicos estadunidenses acreditam que o pão e o vinho consagrados na missa são meros símbolos do corpo e do sangue de Jesus.
Diante do ensinamento do Concílio Vaticano II de que a Eucaristia é “a fonte e o ápice da vida cristã”, o enorme fosso entre o ensino da Igreja e as crenças dos fiéis foi reconhecido como um desastre. Alguns viram como um sinal de esperança o fato de que apenas dois daqueles sete conheciam o ensinamento da Igreja e o rejeitavam. De acordo com a pesquisa, mais de quatro daqueles sete realmente acham que a Igreja ensina que o pão e o vinho consagrados servem como meros símbolos da presença de Cristo no sacramento.
Durante a reunião da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos (USCCB, na sigla em inglês) que terminou na sexta-feira passada, o bispo Andrew Cozzens observou que os dados do Pew, junto com o afastamento de tantos católicos do encontro transformador com a Presença Real de Cristo na Eucaristia durante a pandemia, despertou a ideia de um “reavivamento eucarístico”. Ele disse que o planejamento dessa iniciativa já está em andamento há mais de um ano.
Embora o foco da mídia estivesse voltado em grande parte à votação dos bispos para instituir uma comissão para redigir outro documento de ensino, eu fiquei impressionado com a quantidade de ações que estão sendo propostas. Um projeto plurianual envolverá sessões de escuta com católicos que não acreditam na Presença Real, o encontro com várias dioceses e paróquias locais (com foco em diferentes tradições eucarísticas étnicas e culturais) e até mesmo “uma renovação espiritual da fé eucarística nos nossos próprios corações como bispos”.
A autocrítica foi um aspecto importante da reunião. Houve muito debate, por exemplo, sobre se o documento de ensino proposto deveria enfocar a “coerência eucarística”, incluindo o tipo de unidade com a Igreja que é necessária para receber a Comunhão. Os críticos do plano argumentaram que optar por fazer isso agora seria um ataque partidário dos bispos dos EUA ao presidente Biden e aos democratas católicos. Raramente, ou nunca, os bispos estadunidenses se concentram nesse tema quando os católicos republicanos se desviam das verdades centrais ensinadas pela Igreja.
Embora vários bispos tenham dito que a proposta de redigir um documento “sobre o significado da Eucaristia na vida da Igreja” não dizia respeito a Joe Biden, e o presidente da comissão de doutrina da USCCB, bispo Kevin Rhoades, tenha dito que o documento proposto não mencionaria indivíduos pelo nome, mais de um bispo defendeu que o documento mencionasse Biden. E o Students for Life organizou manifestações anti-Biden para coincidir com a reunião.
Cozzens, em entrevista ao The Pillar, um site e podcast fundado por dois ex-jornalistas da Eternal Word Television Network, ofereceu mais detalhes sobre como a ideia de um “reavivamento eucarístico” já estava em andamento antes de junho de 2020, quando o bispo Robert Barron estava apresentando uma proposta aos seus colegas bispos. Cozzens agora está liderando esse esforço (depois que Barron deixou a presidência da comissão de evangelização e catequese). Ele disse que absolutamente não se concentrará no presidente Biden.
Embora os bispos dos EUA tenham declarado que o aborto é a questão de justiça preeminente do nosso tempo, o bispo Rhoades disse que o documento sobre a Eucaristia também focará as questões da supremacia branca e do tráfico de seres humanos. O bispo Jaime Soto também insistiu que ele deveria ensinar sobre a forte relação entre a coerência eucarística e o trabalho que a Igreja faz com os migrantes.
Eu concordo com os bispos que a justiça pré-natal é a questão de justiça preeminente do nosso tempo, mas eu acrescentaria aos escândalos da supremacia branca, ao tráfico humano e ao tratamento de migrantes e refugiados os atos gravemente perversos de usura que assolam as pessoas economicamente vulneráveis dos EUA e em todo o mundo.
Se esse tipo de questões forem destacadas junto com o aborto, então aqueles que têm pressionado contra a iniciativa dos bispos pelo fato de ela inevitavelmente ser vista como uma demonização politicamente partidária terão oferecido um serviço incomensuravelmente importante ao projeto. Um reavivamento eucarístico mais coerente pode envolver alguns católicos que, de outra forma, o descartariam como um encobrimento a um ataque partidário aos democratas.
Mas o tão esperado reavivamento só terá sucesso se, como disse recentemente a teóloga Holly Taylor Coolman, do Providence College, em Rhode Island, nós realmente acreditarmos e agirmos como se a Eucaristia fosse “o ato mais sagrado e mais íntimo no qual os cristãos se envolvem”. Ela sugere que pensemos sobre as nossas outras práticas em relação aos atos sagrados e íntimos. Você não aparece em um funeral de maiô. Você não faz sexo com a sua esposa no gramado da frente da sua casa. O mesmo vale para a Eucaristia – mas em um nível muito, muito mais alto. São Paulo nos diz que “todo aquele que comer do pão ou beber do cálice do Senhor indignamente será culpado de pecar contra o corpo e o sangue do Senhor”.
Para ver como o pecado afeta o mérito de alguém – e compreender que, como diz o Papa Francisco na Evangelii gaudium, a Eucaristia “não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” –, é necessário uma formação em relação aos sacramentos, o que não acontece da noite para o dia. Como a Igreja fez um trabalho muito pobre na formação dos católicos dos EUA nas últimas décadas, os críticos desse processo estão certos em se preocupar que o retorno a uma ênfase no arrependimento do pecado mortal antes de receber a Comunhão irá afastar muitas pessoas. Mas, como disse o bispo Donald DeGrood na reunião dos bispos, o escândalo já ocorreu.
Como nos diz a pesquisa realizada pelo Pew, o estrago está feito. O que podemos fazer agora é corrigir a nossa postura, enfrentar o golpe de curto prazo e manter o foco no objetivo de longo prazo de reavivar o tipo de devoção eucarística que está presente nos países onde a Igreja está florescendo, especialmente na África e na Ásia.
A Igreja dos EUA é abençoada com muitos imigrantes que trouxeram suas sólidas práticas eucarísticas consigo e também com jovens ansiosos para se envolver em práticas tradicionais como a Adoração e a Benção do Santíssimo. Portanto, há significativas razões de esperança.
Se conseguirmos deixar de lado as distrações idólatras (especialmente aquelas relacionadas à política secular) e nos mantivermos focados em Cristo, a graça de Deus pode e irá transformar a Igreja dos EUA por meio da Eucaristia: a fonte e o ápice da vida cristã.
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Para além da política da Comunhão. Artigo de Charles C. Camosy - Instituto Humanitas Unisinos - IHU