02 Junho 2021
Com 84% da população adulta imunizada, o Território Indígena do Xingu, no Mato Grosso, vê luz no fim do túnel, mas especialistas alertam sobre importância de se manter os cuidados até toda população ser vacinada.
A reportagem é publicada por Amazônia.org, 31-05-2021.
Vacinas funcionam! A boa notícia vem do Território Indígena do Xingu (TIX), Mato Grosso, que já teve 84% de sua população com mais de 18 anos vacinada com duas doses. Os povos indígenas de todo o Brasil ganharam prioridade na vacinação e, desde fevereiro, equipes de saúde têm percorrido as aldeias do TIX para vacinar os indígenas das 16 etnias que vivem ali.
Os cuidados continuam necessários: distanciamento social, uso de máscara e higienização das mãos. Os casos voltaram a aumentar nas últimas semanas devido a flexibilização por parte dos xinguanos. Os profissionais de saúde que atuam no território reforçam a importância de realizar isolamento por 14 dias de quem volta da cidade, para garantir que não foi contaminado por lá leve o vírus para as aldeias. Graças à vacinação, a maioria dos casos têm sido leves. O Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena (DSEI-Xingu) declarou preocupação com a realização de festas, principalmente com o ritual do Kwarup, que recebe muitos convidados e pode provocar novos contágios nas aldeias. “Na minha aldeia todos com mais de 18 estão vacinados. Diminuiu os casos, mas mesmo assim mantemos o isolamento social”, afirma Oreme Ikpeng, da aldeia Moygu. Oreme já foi vacinado com duas doses.
Dados do último boletim epidemiológico indicam 115 infectados com a Covid-19. Desde o início da pandemia, foram 1.311 casos confirmados em todo o território e 18 mortes. Os casos dos municípios no entorno do TIX também acendem o alerta. A Secretaria Estadual de Saúde do Mato Grosso voltou a alertar que 18 municípios estão em alto risco para a Covid-19, entre eles estão Canarana, Marcelândia e São José do Xingu. A maior circulação dos indígenas na cidade é ponto de preocupação e provável responsável para o aumento dos casos no TIX.
Em todo o território, 78% da população foi vacinada com a primeira dose, 84% da população com mais de 18 anos. A abrangência varia por região dentro do território (veja mapa). A com maior cobertura é o Alto Xingu, com 89% da população com mais de 18 anos vacinada com as duas doses, por exemplo. Na região do Diauarum, no baixo Xingu, esse número é de 74%. No Pavuru, médio Xingu, 86,49% acima dos 18 anos vacinados. E no leste, 81,13%. Um dado, no entanto, é preocupante: 9,14% dos xinguanos recusaram a primeira dose.
(Foto: Rede Xingu Vivo)
As fake news, que atrapalham a vacinação desde fevereiro, continuam inibindo alguns indígenas a se vacinarem. Notícias falsas associando a vacinação ao “retorno da besta”, à implantação de um chip e mesmo a casos de morte tem assustado muitos indígenas, que acabam recusando um instrumento que poderia salvar suas vidas. “O grande desafio é levar conhecimento e segurança para as comunidades que ainda temem a vacina”, conta Evelin Plácido, coordenadora da área técnica de imunização do Programa Xingu, da Unifesp. Segundo ela, o diálogo direto é o que mais funciona nessa hora. Winti Kisedje conta sua experiência: após ser vacinado com as duas doses, contraiu Covid-19. Mas seu caso não se agravou, muito provavelmente por causa da imunização. “A vacina ajudou muito, por isso acho que aqui na aldeia não tem ninguém com caso grave e preocupante até agora. Até mesmo pessoas que nem sentem que está com vírus e só quando testa dá positivo. Quem sente mais sintomas de febre são só os mais velhos, mas nada grave. Até agora tudo tranquilo”, relata.
Nesse momento, a equipe do Dsei Xingu e do Projeto Xingu da Unifesp, com o apoio do ISA e ATIX, realizam uma nova expedição de repescagem. Estão rodando o território para conversar com os indígenas que recusaram a vacina na primeira vez. Nessa nova etapa, os profissionais de saúde estão realizando também a campanha de vacinação contra a gripe (Influenza) e também a rotina de imunização das crianças (difteria, tétano, coqueluche, meningite e febre amarela).
A tradição e experiência do Projeto Xingu com a vacinação no território auxiliou na logística para a campanha contra a Covid-19. As vacinas saem dos laboratórios nacionais em São Paulo (Instituto Butantan) e no Rio de Janeiro (Fiocruz) para os centros de distribuição estaduais. De lá, seguem para os centros regionais. O mais próximo do Xingu fica em Água Boa (MT). As vacinas viajam então para Canarana (MT) e, de lá, vão para o Território Indígena do Xingu de carro ou avião.
Uma vez no TIX, as doses dependem de uma “Rede de Frio”, um sistema para transporte e armazenamento que mantém as doses sempre entre 2° e 8° C. Para isso, as equipes utilizam uma rede de refrigeradores espalhadas pelo território e caixas térmicas especiais, abastecidas com gelo artificial. Os geradores são acionados de tempo em tempo, num cálculo preciso para alcançar a temperatura necessária. O sistema já havia sido montado para outras campanhas de vacinação e foi essencial para a da Covid-19.
O ISA tem exercido um papel importante para que a vacinação ocorra. O principal apoio é no transporte de logística e equipe – com aviões fretados e carros para levar as doses de vacina até dentro do território. Além disso, também têm apoiado a organização das expedições de vacinação e auxiliado na comunicação e sensibilização nas aldeias mais reticentes à vacinação.
No TIX, 78 aldeias já contam com sistemas de energia limpa. São 91 sistemas fotovoltaicos instalados que geram energia renovável em escolas, postos de saúde e sedes de associações. Referência em soluções de energia renovável em comunidades isoladas, o projeto “Xingu Solar”, em curso desde 2009, foi fundamental para apoiar as iniciativas de saúde no enfrentamento da Covid-19. O projeto atendeu 11 aldeias e pólos essenciais na rota logística da vacina e possibilitou a sua conservação e refrigeração adequada durante o transporte e nos locais de vacinação. A energia solar também já é utilizada em 34 unidades de saúde. A substituição do diesel pelo sol trouxe uma maior segurança no atendimento à saúde. Com o sistema fotovoltaico, os indígenas não dependem apenas do combustível para abastecer os geradores que alimentam os equipamentos médicos.
Levantamento feito em 2019 pelo Instituto Energia e Meio Ambiente (IEMA), parceiro do ISA e da Associação Terra Indígena Xingu (Atix) no projeto, mostrou que 53% dos indígenas com fontes de energia solar sentiram-se mais seguros no atendimento médico de urgência, contra 24% sem energia solar. “O projeto foi fundamental para apoiar as ações de saúde, ainda mais no contexto da pandemia e com a chegada da vacina. Ainda temos muitos desafios, como suprir a demanda reprimida por energia que tem sobrecarregado alguns sistemas e a importância de fortalecer a gestão comunitária dos sistemas, o que envolve diálogo e formação”, comenta Marcelo Martins, assessor do ISA e coordenador do projeto Xingu Solar.
A pandemia deixou ainda mais evidente a necessidade do acesso democrático à energia elétrica em comunidades isoladas. O Projeto de Lei 4248/20, cuja elaboração contou com a participação do ISA por meio da rede Energia e Comunidades, está em tramitação na Câmara dos Deputados e determina que até 2023 todos os municípios da Amazônia Legal tenham acesso à energia elétrica. A intenção é que isso se dê a partir de um plano de execução feito pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
O projeto Xingu Solar é uma referência importante na estratégia de universalização da energia para comunidades isoladas, principalmente por sua vertente do atendimento comunitário. A prioridade é atender comunidades e municípios distantes de centros hospitalares ou em localidades isoladas onde há grande número de casos de Covid-19, levando em consideração o atendimento comunitário – que garante o acesso a água, comunicação e saúde.
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#VacinaParente: indígenas do Xingu relatam queda nos casos graves de covid-19 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU