23 Abril 2021
A cúpula virtual sobre a luta contra as mudanças climáticas foi aberta com um empenho de Joe Biden: reduzir em 50% as emissões de carbono dos Estados Unidos até o final desta década, ou seja, no período de nove anos, em comparação com o nível que essas emissões haviam alcançado em 2005. É quase o dobro do que Barack Obama havia prometido quando assinou os Acordos de Paris em 2015. Se for mantida essa promessa, os Estados Unidos farão sua parte para limitar o aquecimento do clima a 1,5 grau, limite máximo indicado pela comunidade científica e aceito nos acordos de Paris. Mas atingir a meta depende de muitas condições.
A reportagem é de Federico Rampini, publicada por La Repubblica, 22-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em primeiro lugar, se os próprios Estados Unidos conseguirão realmente atingir o objetivo indicado por Biden. E, além disso, depende dos demais, China na frente: hoje responsável pelo dobro da geração de CO2 em relação aos Estados Unidos. A cúpula presidida por Biden reúne líderes europeus, os seus homólogos chineses Xi Jinping e o russo Vladimir Putin. 40 chefes de governo, incluindo 17 líderes de nações responsáveis por 80% das emissões de CO2. A questão chinesa domina tudo, até por seus reflexos no debate político estadunidense. Um representante respeitado do Partido Republicano, o deputado Garret Graves que é o líder da oposição dentro da comissão parlamentar sobre o clima, disse: "Tudo o que fizermos será anulado quatro vezes mais pelos chineses, se eles não interromperem o seu crescimento descontrolado nas emissões". Infelizmente, é verdade.
A Agência Internacional de Energia (AIE) lança este alarme: 2021 corre o risco de ser marcado por um recorde trágico, o segundo ano mais prejudicial da história pela quantidade de CO2 liberado na atmosfera. A causa é principalmente o crescimento asiático, especialmente chinês. As emissões de carbono no final do ano podem aumentar em 1,5 bilhão de toneladas alcançando os 33 bilhões, o maior aumento desde 2010, de acordo com estimativas da AIE. É uma reversão brutal em comparação com 2020, que em vez disso viu uma queda nas emissões, ligada à recessão do lockdown (não na China, porém, onde continuaram a crescer mesmo no ano passado). 2020 terminou com uma queda de 6%. Mas com a retomada das economias asiática e estadunidense em 2021, o consumo de energia deve crescer 4,5%, voltando a se aproximar do recorde histórico de 2014. O problema é que a parte mais dinâmica da economia mundial, ou seja a China e os países asiáticos mais ligados ao seu ciclo, aumentarão o consumo de carvão em 4,5%. Um ligeiro aumento no consumo de carvão também é previsto na Europa e nos Estados Unidos.
Diante dessas projeções, a posição da China é ainda mais crucial. Xi Jinping proclamou que seu país "atingirá o pico de emissões em 2030 e começará a declinar a partir daquele momento", o que significa que por mais nove anos a situação está destinada a piorar para todo o mundo. A outra meta anunciada pelo presidente chinês é atingir a neutralidade de carbono em 2060: é criticada por muitos por ser muito distante e ao mesmo tempo muito vaga (o caminho para chegar nisso não é explicado).
A China continua a construir novas usinas de carvão em sua própria casa e a exportar outras para os países emergentes, onde seus investimentos em infraestrutura da Belt and Road Initiative (New Silk Roads) se ramificam. Por isso, exporta um modelo de produção insustentável, também fora de suas próprias fronteiras.
Outro gigante cujas emissões de carbono continuam aumentando é a Índia. Tanto Pequim quanto Délhi requentaram uma linguagem acusatória contra os países industrializados mais antigos, responsáveis pelo acúmulo da poluição anterior. As recriminações, por mais legítimas que sejam, não mudam o fato de que hoje a China é o epicentro do problema e a Índia se prepara a alcançá-la.
Outro polêmico protagonista da cúpula é Vladimir Putin. A Rússia tem uma economia muito pequena em comparação com os Estados Unidos, China, União Europeia e Índia. No entanto, é um dos maiores exportadores de energias fósseis. A Rússia também está se beneficiando da mudança climática: o derretimento do gelo na região ártica abriu novas oportunidades econômicas para Moscou, como rotas marítimas para transportar gás natural liquefeito.
O Brasil é um dos líderes dos países emergentes e é representativo de sua posição: Jair Bolsonaro está pedindo um bilhão de dólares em ajuda para reduzir o desmatamento em 40%.
A Índia está pressionando, lembrando os países ricos de seu compromisso de fornecer US $ 100 bilhões em ajuda anual para financiar sua conversão para modelos de crescimento sustentável.
Biden já alocou 1,2 bilhão (no projeto de lei do orçamento apresentado ao Congresso) e promete colocar mais dois bilhões para contribuir com o Fundo Verde para o Clima destinado para os países pobres.
Em sua própria casa, Biden enfrenta vários obstáculos para alcançar o marco que proclamou. Os custos das energias renováveis - eólica e solar - continuam caindo e isso ajuda a reduzir as emissões de carbono, ainda que tenhamos que lembrar que na definição norte-americana de "renováveis". está sempre incluída a energia nuclear.
Mas desenvolver as fontes alternativas não basta: é preciso investir na reconversão da rede de distribuição, para transportar a eletricidade das áreas onde se concentra a nova capacidade eólica e solar. É preciso continuar pesquisas sobre armazenamento e tecnologias de armazenamento (a energia solar e eólica têm ciclos de produção descontínuos, ao contrário dos fósseis). É preciso investir na ampliação generalizada dos centros de distribuição de energia para recarga dos carros elétricos. Os serviços públicos precisam ser financiados para fechar as usinas fósseis em prazos mais curtos. Tudo isso faz parte do próximo plano de investimento em infraestrutura de US $ 2 trilhões, que Biden ainda precisa apresentar ao Congresso e cuja aprovação não será fácil.
Outra contradição mescla a luta contra a emergência climática com a rivalidade EUA-China. O paradoxo da sustentabilidade para os Estados Unidos é o seguinte: quanto mais investem em energias renováveis, mais enriquecem seu grande rival. Pelo menos no curto prazo, não há como escapar dessa contradição.
A China, com métodos controversos, conquistou uma supremacia avassaladora na produção de painéis solares de baixo custo ou na fabricação de materiais e componentes essenciais para esses painéis. Por exemplo, 80% do polysilicone, um material usado em muitos painéis solares para absorver energia, vem da China. Os Estados Unidos e a União Europeia respondem por 30% da demanda mundial de painéis solares, mas sua capacidade de produção se enfraqueceu, justamente como consequência da concorrência chinesa. Nas últimas duas décadas, o governo chinês subsidiou seus produtores domésticos de energia solar e eólica, permitindo que vendessem abaixo do custo no resto do mundo. Muitas empresas estadunidenses desses setores faliram ou reduziram sua capacidade de produção.
Para complicar ainda mais a situação, a maioria dos fabricantes de painéis solares (ou componentes) na China têm fábricas na região de Xinjiang e são acusados de explorar mão de obra em detenção, presos condenados a trabalhos forçados. O desafio econômico das energias renováveis cruza o drama dos direitos humanos, em uma região onde o regime de Pequim reprime a minoria uigur de religião islâmica.
Mas se Biden quiser atingir a meta de gerar toda a eletricidade estadunidense a partir de fontes renováveis até 2035, partindo do nível atual de apenas 40%, os Estados Unidos terão que mais do que dobrar o ritmo de instalação de novos painéis solares. O que significa, no curto prazo, fortalecer a hegemonia chinesa nesse setor.
Outras contradições dizem respeito ao setor privado, que participa da cúpula convocada por Biden. O Corporate América, o grande capitalismo EUA, converteu-se em massa à sustentabilidade. Muitas vezes, porém, se trata de "greenwashing": uma pincelada de verde, termo usado para descrever o ambientalismo fácil produzido pelos departamentos de relações públicas para melhorar a imagem empresarial. As ações nem sempre acontecem. O setor financeiro, que nas propagandas parece estar na vanguarda, foi acusado justamente nesta ocasião: os 60 maiores bancos mundiais entre 2016 e 2020 forneceram 3,8 trilhões em financiamento para a indústria da energia fóssil.
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Cúpula do Clima: o supercrescimento dos gigantes China e Índia, os objetivos russos e as demandas brasileiras. Números... - Instituto Humanitas Unisinos - IHU