09 Fevereiro 2021
Num mundo onde há quem pense que tudo é comprado e vendido, a Igreja da América Latina e do Caribe, através da Rede CLAMOR, lançou a Campanha Continental contra o Tráfico de Pessoas 2021, que tem como lema "A vida não é uma mercadoria, trata-se de pessoas".
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
No âmbito do Dia Mundial de Oração e Reflexão contra o Tráfico de Pessoas 2021, que coincide com a festa de Santa Bakhita, com o lema "Economia sem tráfico humano", o lançamento teve lugar durante uma vigília de oração na qual foi recordado que Jesus nos convida a mudar todas as formas de mercantilização da vida pela vida em abundância que Ele nos promete.
Campanha "La vida no es una mercancía - Se trata de personas". (Foto: Reprodução Facebook)
A campanha visa, nas palavras de Elvy Monzant, "denunciar quando a vida humana é transformada num objeto ao qual é colocado um preço e oferecido no mercado". A oração "ao Deus da Vida, ao Deus da esperança, para que seja Ele a acompanhar-nos, a encorajar-nos nesta tarefa de defesa da vida, especialmente da vida frágil, da vida ameaçada", é a melhor forma de iniciar esta campanha, nas palavras do Secretário Executivo da Rede CLAMOR. Este é um momento "para encorajar a Igreja a empenhar-se neste flagelo tão grave como o tráfico de seres humanos".
Na celebração de abertura, o Secretário Executivo do Conselho Episcopal Latino-americano - CELAM - definiu o tráfico humano como "uma realidade criminosa que nos envergonha como seres humanos, uma vez que considera o 'outro' como um objeto que pode ser transferido e vendido de acordo com a lei da oferta e da procura". Para Dom Jorge Eduardo Lozano estamos perante "um drama muito sério que nos mostra a baixeza em que conseguimos cair". O Arcebispo de San Juan de Cuyo recordou as dificuldades que as vítimas que conseguem libertar-se destas redes enfrentam na sua recuperação, definindo a campanha e a Rede CLAMOR como um exemplo "do rosto de uma Igreja samaritana que se aproxima com o coração de uma mãe e se curva perante o enorme sofrimento que não encontra consolo".
Dom Jorge Eduardo Lozano. (Foto: Print de tela enviado por Luis Miguel Modino)
Neste lançamento da campanha que nos recorda que "a vida não é uma mercadoria, trata-se de pessoas", a Irmã Liliana Franco salientou que "fazemos nossa esta luta pela dignidade e pelos direitos das vítimas de tráfico". A presidente da Conferência Latino-americana de Religiosos - CLAR, insistiu na urgência de "humanizar as relações, purificando-as de todos os matizes de utilitarismo e violência". Ela viu a vigília como um momento de união para e com as vítimas, para rezar "convencidos de que não pode haver impunidade, pedindo que os silêncios cúmplices sejam quebrados, que as redes sejam reforçadas". Ela também pediu "ousadia para denunciar as estruturas que oprimem, que usam e comercializam o ser humano", agradecendo por ser uma rede, onde há força.
Irmã Liliana Franco. (Foto: Print de tela enviado por Luis Miguel Modino)
"Embora nos pareça que somos muitas instituições e pessoas da Igreja sensíveis a esta peste contemporânea, a este câncer da humanidade", nas palavras de Dom Gustavo Rodríguez Vega, "há muitas pessoas boas, dentro e fora da Igreja, que ignoram esta terrível realidade, ou que simplesmente encolhem os ombros". Para o presidente da Rede CLAMOR, a escravatura continua a existir e é por isso que esta campanha "deve chegar a todas as pessoas para criar consciência da realidade atual do tráfico de seres humanos, isto não terminou realmente, este tem sido um negócio ininterrupto", agravado num mundo globalizado. O arcebispo de Yucatan denunciou que "o tráfico não poderia acontecer se não houvesse corrupção das autoridades e dos criminosos de colarinho branco, que enriquecem à custa do sofrimento e da morte de milhares e milhões de irmãs e irmãos".
Dom José Luis Azuaje definiu a vigília como "um momento de esperança, porque toda oração se abre à esperança". O presidente da Caritas América Latina e Caribe disse que na sociedade atual "tudo se mede pelo poder e posse, não pela partilha, mas pela exclusão e violência, para que as pessoas, sociedades e povos possam ser dominados cada vez mais a cada dia”. Falando sobre a pandemia, o presidente do Episcopado venezuelano afirmou que "isso fez com que nos tornássemos mais solidários, que a humanidade fosse mais inclusiva, que aceitasse as diferenças, que o que é humano fosse o principal".
Foto: Enviada por Luis Miguel Modino
O prelado recordou que a nova normalidade proposta pelo Papa Francisco, que define o tráfico humano como uma ferida no corpo da humanidade contemporânea, consiste em "olhar e sentir a outra pessoa como um irmão, uma irmã, ou nos salvamos juntos ou não vamos nos salvar". Pediu que, como Igreja, continuássemos "a fazer esforços não só para denunciar, mas também para propor abordagens onde os múltiplos organismos sejam refletidos". Ao mesmo tempo, chamou "a continuar a despertar em cada um de nós aquele entusiasmo esperançoso para pôr fim ao flagelo", chamando a servir Jesus Cristo naqueles que sofrem.
A vigília foi um momento de denúncia do modelo neoliberal e capitalista de desenvolvimento, uma das principais causas do tráfico de seres humanos, que dá prioridade ao lucro econômico sobre os direitos humanos, cria uma cultura de mercantilização e violência. Isto deve levar-nos, como insiste o Papa Francisco, a estabelecer uma verdadeira Economia de Comunhão e Partilha de Bens, um cuidado pelos direitos humanos acima de interesses mesquinhos desprovidos de valores humanitários, o que põe fim à vergonhosa especulação sobre a escravatura. Nós cristãos somos chamados a procurar superar a desigualdade, a discriminação, e uma economia que mata.
Partindo do texto do Bom Samaritano, a vigília foi um momento para descobrir o apelo a sermos construtores de um novo laço social, partindo da escolha fundamental que precisamos de fazer para reconstruir este mundo que nos magoa. Face a tanta dor, face a tantas feridas, a única saída é ser como o Bom Samaritano, reconstruir uma comunidade a partir de homens e mulheres que fazem sua a fragilidade dos outros, que não permitem a construção de uma sociedade de exclusão. É necessário denunciar o modelo econômico injusto, cruel, neo-liberal e capitalista que beneficia uns poucos à custa da exclusão daqueles que são descartados.
É necessário mudar, assumir compromissos se a família humana quiser pôr fim ao tráfico de seres humanos, evitar a dinâmica do domínio e a mera acumulação de prazeres. É essencial proteger a dignidade da pessoa humana, promover o desenvolvimento humano integral, algo em que a Igreja está empenhada ao denunciar a mercantilização e exploração das pessoas, que são o resultado da "cultura do descarte" que o Santo Padre repetidamente condena e liga ao "deus do dinheiro".
Foto: Enviada por Luis Miguel Modino
Os participantes pediram a intercessão de Santa Josefina Bakhita, assumindo um compromisso sustentado para que nenhum ser humano se torne vítima do tráfico de seres humanos, devido à exclusão social e económica, que é um grande desafio que deve começar em casa, por nós próprios. Isto deve levar-nos a pôr fim à cultura do "descarte" e a promover uma economia do encontro, animada pelos valores de uma verdadeira comunhão universal. A ele foram confiados todos aqueles que se encontram à beira da estrada.
Esta campanha é um convite para continuar a sensibilizar e a empenhar-se na promoção da dignidade e dos direitos humanos das vítimas do tráfico de seres humanos. É tempo de exigir aos governos atitudes e políticas públicas que promovam a integridade e os direitos humanos de todas as pessoas que são vítimas deste crime. Isto só será possível trabalhando em conjunto, em colaboração e solidariedade, tecendo uma rede apaixonada pela vida. É tempo de ações proféticas a favor da Dignidade Humana, de acordo com o apelo do Papa Francisco para acolher, proteger, promover e integrar migrantes, refugiados e pessoas deslocadas para evitar que caiam nas mãos dos traficantes.
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“A vida não é uma mercadoria, trata-se de pessoas”. Lançamento da Campanha Latino-Americana contra o Tráfico de Pessoas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU