12 Janeiro 2021
"Não basta remendar a velha roupa de um cristianismo burguês. Trata-se de almejar uma Igreja descentralizada, verdadeiramente em saída, consciente de que tem por missão colocar-se a serviço de uma autêntica humanização em nome do Evangelho de Jesus Cristo. Nada de lamentações, portanto, pelo cristianismo perdido, mas sim a abertura a um modo diferente de conceber o estilo da Igreja e a confissão da fé", escreve Duilio Albarello, presbítero da diocese de Mondovì e professor de teologia fundamental em Milão, Torino e Fossano, em artigo publicado por Settimana News, 08-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, pois o pedaço acrescentado repuxa a roupa, e o rasgão aumenta. Nem se põe vinho novo em odres velhos; senão os odres estouram, o vinho se derrama, e os odres se perdem. Pelo contrário, põe-se o vinho novo em odres novos, e ambos se conservam.” (Mateus 9, 16-17).
Esta passagem do Evangelho me veio à mente enquanto eu lia o editorial de Ernesto Galli della Loggia publicado no Corriere della Sera de 29 de dezembro passado, levantando um amplo debate sobre a atual "crise" do cristianismo e, em particular, sobre sua vertente católica. As imagens que Jesus usa são muito evocativas no horizonte da Sagrada Escritura: de fato, na Bíblia a roupa é usada como metáfora da verdadeira sabedoria (cf. Provérbios 31, 10-31, esp. v. 21), enquanto o vinho evoca a vida na sua dimensão de plenitude e fecundidade (cf. Isaías 25,6). Portanto, através dessas imagens, Jesus pretende evocar a autêntica sabedoria, aquela que torna possível uma existência promissora e provoca uma renovação profunda: não se trata de remendar ou reciclar, mas de mudar.
Nos Evangelhos existe uma palavra muito precisa para indicar essa sabedoria da renovação: "conversão". A etimologia dessa palavra, do latim conversio, indica uma inversão de rota radical. O equivalente grego, metànoia, denota uma mudança radical de mentalidade. Portanto, dentro do termo conversão está a ideia de que a mudança que não acontece de modo espontâneo, mas requer um investimento ativo de determinação e escolha.
É importante manter esse contexto em mente quando se trata de crise do Cristianismo e da Igreja. Já havia intuído isso o card. Emmanuel Suhard, então arcebispo de Paris, na carta pastoral escrita por ocasião da Quaresma de 1947, que traz como título uma pergunta provocadora: Essor ou declin de l'Eglise? ("Despertar ou declínio da Igreja?"). A tese básica elaborada na carta é que a Igreja estaria condenada a um declínio certeiro se não fosse capaz de produzir uma hermenêutica cristã da "crise de desenvolvimento" ocorrida após a Segunda Guerra Mundial; uma crise marcada pelo esforço para o estabelecimento de um novo humanismo, a ser construído sobre os escombros provocados pela tragédia bélica.
Hoje ouvimos muitos repetir que estamos em guerra, referindo-se ao drama de uma pandemia que nos sitia há vários meses e parece exigir também um empenho coletivo para imaginar um modelo de desenvolvimento inédito em um nível cultural, político, econômico e social. Assim como aconteceu com a vida civil, a onda pandêmica também expôs e agudizou as críticas anteriores aferentes à realidade eclesial, evidenciando ainda mais a urgência de um processo de conversão e de reforma.
Procuro destacar os traços marcantes, a partir de uma imagem-chave, ligada justamente à situação da pandemia: as igrejas vazias durante o lockdown de março/abril, esvaziadas justamente pela proibição motivada por razões sanitárias de celebrar ritos religiosos de forma pública. Do nada, a Igreja viu-se forçada a sair das igrejas; a comunidade dos fiéis perdeu o que até hoje continua sendo seu principal modo de expressão, aquele litúrgico, e por isso teve que se dispersar, deixando-se levar a um movimento de diáspora. Na verdade, já há algum tempo na Europa se fala de um "cristianismo da diáspora", para retomar a expressão de Karl Rahner já mencionada por Francesco Cosentino na sua contribuição para o debate.
Com tal fórmula, queremos indicar que a secularização fragmentou a cristandade, ou seja, a perfeita sobreposição entre pertença eclesial e pertença civil. Colocar em discussão essa sobreposição significa mudar as conotações da identidade cristã. Na cristandade, a identidade da Igreja encontra sua marca na ocupação integral dos espaços; é uma identidade que aponta para uma visibilidade hegemônica, que reivindica uma primazia, um peso.
Em vez disso, mover-se dentro de um movimento de diáspora significa que agora a identidade cristã é medida mais em referência a uma dispersão dentro do corpo social, o que permite aos discípulos serem sal e fermento dentro da rede de relações interpessoais e coletivas. A obsessão pela visibilidade hegemônica - que parece despertar ondas de nostalgia em Galli della Loggia - deixa espaço para a solicitação por uma invisibilidade fecunda, mais adequada para a casa do que para a basílica, mesmo sem cair em contraposições artificiosas. Na verdade, a comunidade católica durante o primeiro lockdown se encontrou em casa. O encontro era feito sob medida para o ambiente doméstico. É lícito supor que Jesus imaginasse algo muito semelhante para o seu "pequeno rebanho" (cf. Lc 12,32)?
Com esse esvaziamento forçado das igrejas, poderíamos dizer que a pandemia viral conseguiu em poucas semanas o que a secularização cultural não conseguiu em muitas décadas. O abandono material das igrejas obrigou-nos a admitir, gostemos ou não, que aquela da cristandade não é a forma do catolicismo, mas sim uma forma histórica, nem mesmo a melhor possível do ponto de vista evangélico. A pandemia, desta maneira, deu evidência e concretude muito eficazes a uma fórmula que o Papa Francisco utilizou desde o início, a saber, a "Igreja em saída", o imperativo de sair. Durante o lockdown, a comunidade de fiéis encontrou-se materialmente fora das igrejas-edifício, precisamente em saída, e essa situação não foi isenta de traumas.
Para muitos, não poder participar na Eucaristia de forma presencial constituiu, sem dúvida, uma privação dolorosa, que, no entanto, teve o mérito de ressaltar que a "fonte e o ápice" da experiência cristã não é apenas o rito, mas a vida. A vida, sem dúvida, inclui o rito dentro de si, mas não se esgota nele, porque a certa altura a missa acaba e devemos partir em paz. A esse respeito, Paulo na sua epístola aos Romanos dirige uma exortação impressionante, que muitas vezes é esquecida: “a vos oferecerdes vós mesmos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, este será o vosso culto espiritual” (Rm 12,1). Isso significa que o "culto espiritual" para o cristão não é imediatamente o rito que se celebra, mas é o corpo doado: o corpo doado nos gestos de cuidado, fraternidade, ternura, solidariedade, reconciliação. Durante o período do lockdown, aquele "culto espiritual" não foi celebrado em igrejas vazias ou nas missas em streaming, mas sim em hospitais, casas de repouso, entre os muros domésticos, onde havia uma pessoa doente na família. Ali, naquele momento, encontrava-se o espaço de culto espiritual para o cristão.
Esta é uma lição fundamental, que somos provocados a aprender com a pandemia. Uma lição que deveríamos evitar que se tornasse um simples parêntese: nada de remendos ou reciclagem, mas vinho novo em odres novos. Em termos concretos, isso significa: converter-se de uma Igreja que vai (apenas) à igreja, a uma Igreja que busca a todos. Uma Igreja que busca a todos não acredita que o problema esteja resolvido quando as igrejas forem reabertas para fazer as celebrações com a máscara. O “sacramento da máscara” apenas nos obrigou a tirar a máscara, a reconhecer que não era suficiente “voltar a ser como era antes”, porque não era de forma alguma o melhor dos mundos eclesiais possíveis.
Não basta remendar a velha roupa de um cristianismo burguês. Trata-se de almejar uma Igreja descentralizada, verdadeiramente em saída, consciente de que tem por missão colocar-se a serviço de uma autêntica humanização em nome do Evangelho de Jesus Cristo. Nada de lamentações, portanto, pelo cristianismo perdido, mas sim a abertura a um modo diferente de conceber o estilo da Igreja e a confissão da fé. Um caminho diferente, por ser mais evangélico, mais correspondente ao testemunho de Jesus, que pede incessantemente para acolher e transformar em vida a sua sabedoria de renovação.
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Para além da “religião civil” e do “cristianismo burguês”. Artigo de Duilio Albarello - Instituto Humanitas Unisinos - IHU