07 Janeiro 2021
Pessoas dentro e fora da Igreja estão pedindo que as autoridades investiguem profundamente os misteriosos fundos financeiros transferidos do Vaticano para a Austrália.
A reportagem é de Marilyn Rodrigues, publicada por Catholic News Service, 06-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Enquanto os bispos da Austrália estão pensando em solicitar informações do Australian Transaction Reports and Analysis Centre (Austrac), uma fonte próxima ao Vaticano disse ao The Catholic Weekly, jornal da Arquidiocese de Sydney, que é “completamente implausível” que 2,3 bilhões de dólares australianos (9,5 bilhões de reais) em fundos vaticanos transferidos de Roma para a Austrália entre 2014 e 2020 sejam legais.
Em outubro de 2020, a Santa Sé divulgou um relatório financeiro detalhado sobre 2019. Ela fechou o ano com um déficit orçamentário de 11 milhões de euros (72,7 milhões de reais no câmbio do dia 1º de outubro). O comunicado mostra que ela tinha 307 milhões de euros em receitas, 318 milhões de euros em despesas e um total de 1,4 bilhão de euros em patrimônio líquido.
A fonte disse ao The Catholic Weekly que o Vaticano não tinha 2,3 bilhões de dólares australianos para gastar.
“Isso é completamente inconsistente com as informações financeiras que o Vaticano publicou, embora as suas políticas financeiras aprimoradas e assinadas pelo Papa Francisco em 2014 exijam que quaisquer investimentos sejam completamente divulgados”, disse a fonte. “Dada a natureza suspeita dessas transferências, elas certamente merecem uma investigação mais aprofundada.”
O Vaticano disse que não sabe a origem ou o destino do dinheiro, e uma alta autoridade vaticana disse à mídia que a Santa Sé buscaria detalhes junto às autoridades australianas.
O arcebispo Mark Coleridge, de Brisbane, presidente da Conferência dos Bispos da Austrália, disse ao jornal The Australian que os bispos também podem pedir que o Australian Transaction Reports and Analysis Centre revele se algum dos fundos enviados da Cidade do Vaticano em 47.000 transações separadas foi para organizações católicas da Austrália.
Ele disse que os bispos não sabiam sobre as transferências até dezembro passado, que estavam “surpresos” com o seu montante e que solicitarão uma investigação do Papa Francisco sobre como elas ocorreram sem o conhecimento dos bispos.
Desde outubro, a senadora australiana Concetta Fierravanti-Wells rastreou uma suposta transferência de 1,14 milhão de dólares australianos do Vaticano para a Austrália no momento da investigação do cardeal australiano George Pell por crimes históricos de abuso sexual, dos quais ele foi posteriormente inocentado por uma decisão unânime decisão da Suprema Corte do país.
Fierravanti-Wells, presidente da Comissão Permanente para o Exame da Legislação Delegada do governo australiano, buscou informações dos relatores e do centro de análise da transação, da Polícia Federal australiana e do Departamento de Relações Exteriores e Comércio sobre a natureza das transferências e sobre as investigações e a cooperação local com as próprias investigações vaticanas em curso sobre corrupção financeira e má gestão.
A descoberta das misteriosas transferências, relatada pelo centro de análise em dezembro, levanta ainda mais questões.
“Essa é uma complexa teia de questões envolvendo ações tanto em Roma quanto na Austrália”, disse Fierravanti-Wells ao The Catholic Weekly.
“Existem muitas questões legítimas que continuam sem resposta, incluindo das autoridades vaticanas, da Polícia Federal australiana, do AUSTRAC e, mais especialmente, da polícia vitoriana e das autoridades judiciais. A transparência e a responsabilização dessas instituições ao público australiano exigem que as questões sejam enfrentadas”, disse ela.
Um ex-diretor de serviços financeiros australiano, que nunca trabalhou para a Igreja Católica, disse ao The Catholic Weekly que o grande número de transferências parecia ser “pensado para evitar relatórios”. De acordo com a lei federal, bancos e empresas de transferência de dinheiro são obrigados a relatar valores transferidos localmente ou do exterior acima de 10.000 dólares australianos. Uma possível explicação de que os fundos podem ter sido destinados para fins de investimento no país é “altamente improvável, senão fantasiosa”, disse o diretor aposentado.
“Um investidor internacional de renome não investiria uma grande soma de dinheiro em um mercado regional, mas procuraria diversificar em termos de mercados e regiões”, disse o diretor aposentado.
“Tal investidor certamente procuraria grandes gestores globais com sede fora da Austrália para alcançar tal diversificação. (…) Também não se envolveria com um número tão alto de transações individuais de pequenos montantes, já que tais investidores tomam decisões para poder entrar e sair dos mercados o mais rápido possível.”
Ao divulgar o relatório do orçamento do Vaticano no ano passado, o padre jesuíta Juan Antonio Guerrero Alves, chefe da Secretaria para a Economia, falou do compromisso de Francisco com a transparência e disse que “é possível que, em alguns casos, a Santa Sé não tenha sido apenas mal aconselhada, mas também enganada”.
Ele falou isso a respeito da atual investigação vaticana sobre alguns de seus investimentos, incluindo um negócio de um imóvel de luxo em Londres.
“Acredito que estamos aprendendo com os erros ou as imprudências do passado”, disse ele.
A Polícia Federal australiana está investigando algumas das transferências e encaminhou algumas informações para a Comissão Anticorrupção de Base Ampla Independente de Victoria (IBAC, na sigla em inglês).
Em uma entrevista em dezembro, Pell, a quem Francisco chamou em 2014 para supervisionar e reformar as finanças vaticanas, descreveu que a Santa Sé está correndo o risco de “ir lentamente à falência”.
Expressando apoio a seu sucessor, Guerrero, o cardeal disse que era importante “que ele continuasse tendo o apoio do papa e que não fosse obstruído como eu fui obstruído”.
O Catholic Weekly enviou perguntas à Polícia Federal australiana e ao Austrac, mas não recebeu respostas antes do prazo.
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Australianos pedem que autoridades esclareçam o mistério financeiro do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU