08 Agosto 2014
O Papa Francisco quer uma "Igreja pobre para os pobres", mas isso "não significa necessariamente uma Igreja com os cofres vazios", disse o cardeal George Pell, "e certamente não significa uma Igreja desleixada, ineficiente ou aberta a roubos".
Um mês depois de apresentar um "novo quadro econômico para a Santa Sé", incluindo uma série de mudanças nas estruturas financeiras do Vaticano, o cardeal discutiu o significado dessas reformas e os desafios para a sua implementação em uma entrevista realizada no dia 5 de agosto no escritório do cardeal na Torre de São João na Cidade do Vaticano.
A reportagem é de Francis X. Rocca, publicada no sítio do Catholic News Service, 06-08-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
O cardeal Pell, ex-arcebispo de Sydney, a quem o papa nomeou em fevereiro para o novo cargo de prefeito da Secretaria da Economia, falou ao CNS sobre uma série de questões, incluindo os escândalos financeiros do Vaticano; a necessidade de mais transparência, "checagens e balanços" e supervisão por parte de leigos; esforços para internacionalizar a burocracia do Vaticano ao mesmo tempo em que se reduz o seu tamanho total; e a importância relativa de seu próprio papel na administração central da Igreja, a Cúria Romana.
O cardeal, um dos nove membros do Conselho de Cardeais do Papa Francisco que aconselha sobre a reforma da Cúria e sobre o governo da Igreja universal, também falou de forma mais ampla sobre o que a Igreja pode aprender e ensinar às organizações no mundo secular.
Eis a entrevista.
Fonte: CNS
Vamos dizer que um paroquiano católico, alguém que contribui com a Igreja financeiramente e de outras formas, mas não tem qualquer conhecimento especializado das finanças ou da história do Vaticano nessa área, viesse até o senhor e dissesse: "Sua Eminência, poderia me explicar de forma geral o que é que o senhor está fazendo agora em Roma e por que isso é necessário?". O que o senhor diria?
Eu diria que estamos tentando colocar em prática o melhor conjunto disponível de práticas de gestão. Existem normas internacionais de contabilidade e gestão de dinheiro. Não que não houvesse nada aqui; obviamente, havia. A Santa Sé tem estruturas financeiras muito significativas. Mas nós estamos introduzindo aqui todos os sistemas e procedimentos especiais adequados que são aceitáveis em todo o mundo. Quais podem ser algumas dessas coisas?
Auditorias regulares: antes do fim do ano, esperamos a nomeação de um auditor que vai trabalhar completamente independente aqui e para quem ninguém poderá recorrer. Estamos esclarecendo ainda mais o que eu acredito que eles chamam de princípio dos "quatro olhos", assim qualquer parte significativa dos negócios não pode ser realizada por apenas uma pessoa.
Nós estaremos agilizando e melhorando os procedimentos orçamentais, esperamos estar devolvendo, dentro dos parâmetros financeiros, muita autoridade para as diferentes congregações e conselhos. Nada disso é algo extremamente complexo, mas estamos muito cientes de que, quando as pessoas doam para a Igreja, elas esperam que o dinheiro seja usado com sabedoria, para bons propósitos. Muitas vezes, as organizações crescem, e os tipos de sistemas que foram adequados no passado podem não ser mais adequados para o futuro.
Não se trata de pequenas alterações, são grandes mudanças, e elas estão acontecendo, pelo menos algumas delas, em um curto período de tempo, como o senhor bem sabe. Havia uma necessidade urgente agora, não é?
Os cardeais antes do conclave deixaram bem claro - por causa dos acontecimentos infelizes, como o vazamento de documentos e coisas desse tipo -, e o Santo Padre está agora apoiando nosso projeto completamente, que queriam uma ressistematização de como as coisas funcionam.
O que está acontecendo agora é o que o senhor imaginava e esperava ou houve surpresas?
É muito melhor do que eu esperava.
Há alguma característica particular que particularmente tenha sido uma surpresa agradável?
Todo o novo sistema que apresentamos, em que o secretário de finanças presta contas diretamente ao papa, sem passar por ninguém mais, e o nível sênior de gerenciamento que possui leigos e os cardeais como membros plenos com direitos iguais de voto. E temos o Santo Padre, que está apoiando plenamente o projeto.
O senhor presta contas diretamente ao papa.
Isso mesmo.
Mas o senhor também apresenta um relatório ao Conselho da Economia.
Eu presto contas diretamente ao papa, mas o conselho é o órgão de formulação de políticas. Eu não posso ter iniciativas que eles não tenham proposto ou que não tenham validado. É um pouco como um conselho universitário, onde o chefe-executivo da universidade tem que convencer o conselho, e eles têm a capacidade e podem dar uma orientação explícita para o executivo. E, mais uma vez, esse é outro exemplo da separação de poderes, a difusão de autoridade, assim seria impossível para qualquer pessoa, inclusive eu, de ter algum tipo de controle ditatorial.
E, claro, quase a metade desse conselho é composta por leigos.
Oito cardeais, sete leigos. Tanto os cardeais, quanto os leigos são de diversas nações.
Por que o senhor acha que o Papa Francisco lhe escolheu?
Você teria que perguntar a ele. Eu estava no antigo comitê, havia 15 cardeais, e você pode dizer que eu sou o último homem que restou, porque muitos dos outros que, como eu, estavam lutando muito a sério por reforma, agora estão aposentados: o cardeal (Joachim) Meisner, o cardeal (Roger) Mahony, o cardeal Francis George está quase saindo, o cardeal (Antonio Maria) Rouco Varela de Madri. E eu ainda estou aqui.
O Papa Francisco disse, praticamente no início de seu pontificado, que queria uma "Igreja pobre para os pobres". Será que as reformas internas no Vaticano nessa área de alguma forma combinam com essa ênfase evangélica? A Igreja simplesmente precisa manter a casa em ordem de modo que ela possa ser credível quando apela pela caridade e justiça social? Ou será que existe algo mais?
Todas essas coisas existem. Um líder protestante dos Estados Unidos me disse que estava rezando por nós para que nós fôssemos um modelo e um bom exemplo, e não causa de escândalo ocasional. E eu concordo com isso. Mas, se nós vamos ajudar os pobres, precisamos ter os meios e, quanto melhor nós gerirmos as nossas finanças, mais boas obras poderemos fazer. Lembro de um comentário de Margaret Thatcher sobre o bom samaritano, que se ele não tivesse sido um pouco capitalista, se ele não tivesse o seu próprio dinheiro, ele não poderia ter ajudado. Podemos fazer mais, se gerarmos mais.
Uma Igreja pobre não significa uma Igreja com os cofres vazios?
Não significa, necessariamente, uma Igreja com os cofres vazios, certamente não. E isso certamente não significa uma Igreja desleixada, ineficiente ou aberta a ser roubada.
O senhor mencionou escândalos. Muitas pessoas hoje, quando pensam sobre o escândalo na Igreja, não pensam sobre dinheiro, mas sobre o abuso sexual de crianças e a falta de tratamento adequado por parte dos bispos nos casos de abuso sexual. E, claro, esses escândalos tiveram um impacto financeiro enorme em muitas Igrejas locais, inclusive na Austrália. Uma das primeiras reformas concretas que o papa fez, por sugestão do Conselho dos Cardeais do qual o senhor faz parte, foi estabelecer um painel sobre a proteção da criança. O que a Igreja aprendeu com esses escândalos de abuso sexual? Essas lições têm ajudado a reforma financeira que o senhor está implementando agora?
Quando eu estava na Austrália como arcebispo de Sydney, às vezes eu dizia às pessoas quando estávamos passando por uma área de problema: "Tudo o que fazemos, temos que nos dar conta de que pode aparecer - que é provável que se torne disponível para a imprensa". Agora, isso é uma má razão para fazer alguma coisa, mas geralmente nós estamos comprometidos com o princípio da transparência, e nós precisamos ter claro que não são apenas procedimentos e que nós não vivemos mais em uma época em que podemos esconder o que estamos fazendo.
O senhor falou sobre "separação de poderes" e disse que o que há de novo sobre as reformas financeiras são essas mudanças estruturais, estabelecendo diferentes focos de autoridade, checagens e balanços no sistema financeiro do Vaticano. Você poderia dar um exemplo de como isso irá funcionar com relação às reformas previstas? Precisamente quais os tipos de incidentes ou impropriedades que as checagens e balanços supostamente devem evitar?
Nós vamos começar com o IOR, o banco (vaticano). Ele tem um histórico conturbado. Certamente ele está se movendo na direção certa agora. Mas, muitos anos atrás, dois banqueiros, (Roberto) Calvi e (Michele) Sindona, vieram para cá trabalhar. Eles fizeram um bom trabalho para a Igreja, mas tinham ligações criminosas. Agora, por exemplo, temos um corpo chamado de AIF, a Autorità di Informazione Finanziaria (Autoridade de Informação Financeira), e por isso, agora, antes que alguém seja nomeado para o Vaticano, esses especialistas [da AIF] conferem o seu passados financeiros. Então, esse é um aperfeiçoamento prático.
Peter Drucker, o eminente pensador de gestão, uma vez escreveu que havia duas "soluções básicas para o problema da sobrevivência e eficiência de uma organização institucional". Uma delas, segundo ele, era exemplificada pela Constituição dos Estados Unidos, com o seu "sistema de pesos e contrapesos entre os órgãos construídos em princípios contrastantes de regulamentação". Isso soa um pouco como aquilo que o senhor estava falando. Mas ele disse que o outro tipo de sistema era baseado em um "órgão central de coordenação, decisão e controle" que delega trabalhos executivos para organismos especializados menores. E o seu primeiro exemplo era a Igreja Católica, junto com o exército prussiano e a General Motors. Se ele estava certo sobre essa dicotomia, estamos vendo algo como uma mudança fundamental na administração constitucional da Igreja, pelo menos no que diz respeito às suas finanças?
Bem, eu não tenho certeza se, tecnicamente, ele está certo em descrever a Igreja como o exército prussiano. Porque você vê que os poderes dos bispos não são delegados a partir do papa; os bispos têm seus próprios poderes como sucessores dos apóstolos. E, em segundo lugar, a Igreja Católica é mais incomum porque é tão plana. Agora, eu tenho certeza que o exército prussiano tinha generais responsáveis por regimentos, em seguida, os comandantes e subcomandantes. Bem, nós não temos nada disso. Mesmo os arcebispos têm um poder muito, muito limitado para intervir quando são metropolitanos. Somos uma organização muito plana. Os bispos respondem individualmente ao papa, e eu compreendo perfeitamente isso e quero manter essa autoridade e independência; eu acho que é mais propício, você poderia dizer, para o florescimento do espírito profético, em vez de ter indivíduos regularmente sufocados pelas conferências nacionais ou continentais.
Para ser justo com Drucker, ele também escreveu que "nenhuma outra organização até hoje é igual a Igreja Católica na elegância e simplicidade de sua estrutura. Existem apenas quatro níveis de gestão: papa, arcebispo, bispo e pároco. Exércitos tem 10 níveis e a General Motors perto de 20. E ela tem o que no mundo dos negócios é chamado de 'sobrecarga da equipe central' - uma das maiores organizações transnacionais que atende perto de um bilhão de membros em todo o mundo -, 1.500 pessoas em Roma, muito menos pessoas do que são empregadas nas sedes das grandes empresas norte-americanas".
Claro, e eu estou muito interessado - e suspeito que o Santo Padre também - em manter isso assim. Nós não queremos grandes burocracias romanas, além do fato de que não podemos pagar por elas. Mas eu acho que por uma questão de princípio, a autoridade prática deve ser exercida pelos bispos. E o princípio da subsidiariedade - é um conceito que não é muito usado no mundo de língua inglesa - é o resultado de pensadores católicos - é bastante significativo aqui na Europa, especialmente entre os pensadores católicos alemães - mas tem uma significância muito real na Igreja Católica. Eu sei que deve haver espaço para intervenção, apoio, sugestões que vêm do centro, mas muitas, muitas coisas podem ser e deveriam ser feitas localmente.
A curto prazo, durante esse processo de reforma, estamos vendo um aumento líquido do número de escritórios e empregados, mas podemos ter a certeza de que, quando tudo estiver acomodado, o resultado final será um Vaticano mais enxuto?
Bem, é difícil de alcançar todas essas coisas; certamente essa é a ambição. E vamos tentar nos reeducar e incorporar. Mas, certamente, por exemplo, temos um grande número de pessoas trabalhando em muitos lugares diferentes no âmbito de recursos humanos. Temos um grande número de pessoas em diferentes grupos trabalhando nas estratégias de investimento. Elas são as duas áreas imediatas onde lentamente e, a longo prazo, haverá reduções de pessoal. Haverá novos departamentos, novas áreas, alguns dos novos chefes virão de fora, mas, acima de tudo, a longo prazo - e nós vamos avançar muito sensivelmente e em consulta - a ideia é que vamos ter menos pessoal, e não mais.
É justo supor que em um pontificado chefiado pelo Papa Francisco não vamos ver demissões no estilo "Jack Welch" [ex-CEO da General Motors]?
Eu não tenho certeza de quem é Jack Welch, mas o Santo Padre não quer isso e não vamos trabalhar assim. É possível - possível, não decidido - que haja um atrito natural, como existe em qualquer organização - e podemos oferecer pacotes de aposentadoria antecipada para aqueles que quiserem. Não, não vai haver nenhum grande expurgo.
É razoável supor que as reformas em curso em sua área, incluindo essa ênfase em pesos e contrapesos, no papel de liderança elevada para os leigos, exemplifiquem o espírito das reformas mais amplas em que o senhor está trabalhando agora como um membro do Conselho (dos Cardeais), que assumirá a forma de uma nova constituição apostólica para a Cúria Romana eventualmente? Em outras palavras, estamos tendo uma espécie de prévia do que o Vaticano como um todo vai parecer quando o Papa Francisco e os seus colaboradores não estiverem mais?
Bem, nós não fizemos uma lista inteira de recomendações particulares; o papa, um homem só, pode tomar essas decisões. E também, é claro, em diferentes funções, o clero, os religiosos e os leigos assumem uma importância diferente. E no mundo de língua inglesa é muito habitual que a maioria esmagadora das pessoas nos conselhos de finanças sejam leigos, e leigos com experiência. Então, eu não anteciparia que, nas áreas onde o papel do bispo como um guardião da tradição é absolutamente central, eu não posso dizer que lá haverá membros leigos votantes; por exemplo, na Congregação para a Doutrina da Fé. Mas na Comissão Teológica Internacional, há, creio eu, uma série de teólogos leigos.
Mas essa ideia de equilíbrio de poderes ou pesos e contrapesos, isso é um princípio que está, talvez, de alguma forma, no espírito de uma reforma mais ampla?
Já existe uma grande quantidade disso na Cúria Romana, bem como nas dioceses. A estrutura diocesana é o primeiro exemplo disso, mas existem diferentes congregações, conselhos em Roma. Há, por vezes, uma tensão criativa entre eles. Você sabe, a Igreja existe há dois mil anos e sobreviveu a todos esses anos, então não é como se nós estivéssemos começando do zero. Ninguém está querendo reinventar a roda.
Uma pergunta sobre a estrutura do Vaticano. A Secretaria de Estado tem sido considerada o órgão máximo na Cúria Romana.
Que permanece assim como está.
E o seu chefe é chamado, normalmente, pelo menos por jornalistas, de o primeiro-ministro do papa, a mais alta autoridade do Vaticano depois do papa. Mas agora a área vital das finanças foi entregue ao seu escritório, e o senhor mesmo disse que estará definindo o orçamento para a Secretaria de Estado.
Sempre em consulta com eles.
Mas, como o senhor sabe, alguns na imprensa italiana agora estão dizendo que o cardeal Pell é o "número um" do papa. O que o senhor diz sobre isso?
Eu diria que é um absurdo, sob qualquer ponto de vista. Eu não acho que o dinheiro é a obra mais importante da Igreja. Se você está procurando por analogias políticas inadequadas, você pode olhar, digamos, para o sistema de Westminster, como uma espécie de primeiro-ministro e um tesoureiro. Mas isso é uma analogia, não um modelo exato.
Mas agora, em um organograma, é provável que a Secretaria da Economia apareça ao lado da Secretaria de Estado como uma espécie de escritório paralelo, o que é certamente novo. Isso significa alguma coisa para as dinâmicas internas do Vaticano, agora ou no futuro?
Eu imagino que isso significa continuar o diálogo criativo. Mas a Igreja não tem a ver antes de tudo com o dinheiro. Quase todas as outras áreas da vida são mais importantes do que o dinheiro. O que não quer dizer que o dinheiro não seja importante; ele tem que ser bem administrado. Mas nós que administramos esse dinheiro deveríamos saber qual é o nosso lugar, e na hierarquia cristã católica o dinheiro, essa coisa contaminada, está longe do topo da lista.
O senhor mencionou há pouco que, no mundo de língua inglesa, os leigos assumem um grande papel na área financeira. E é evidente para todos que as reformas com o Papa Francisco na área financeira estão coincidindo com uma redução acentuada da pesada presença italiana prévia nos serviços e organismos mais relevantes. Por exemplo, a agência de fiscalização financeira que o Papa Bento XVI estabeleceu tinha cinco membros, todos italianos, até dois meses atrás; agora tem apenas um italiano. Você e seu secretário-geral, Mons. (Alfred) Xuereb, são falantes nativos da língua inglesa. O Conselho para a economia tem apenas dois membros italianos, e seu secretário é inglês. E assim por diante. Quanto desse processo de reforma, na verdade, trata de reduzir ou se afastar da influência italiana sobre as finanças do Vaticano?
Eu não colocaria bem assim, mas estamos internacionalizando. Um progresso considerável foi feito com o italiano Paulo VI e por João Paulo II. Eu acho que um dos desenvolvimentos menos desejáveis - eu acho que não tinha nada a ver com o Papa Bento XVI - foi que esse processo de internacionalização, em certo sentido, andou para trás no tempo do Papa Bento XVI. Por exemplo, havia mais cardeais italianos na eleição do Papa Francisco do que havia na eleição do Papa Bento XVI. Agora, hoje em dia, eu acho que você precisa provar que esse era o caso.
Então, não é tanto um problema com a Itália, por si só, apenas uma questão de se tornar mais internacional.
Exatamente.
Mas será que o fato do Vaticano estar localizado dentro e cercado pela Itália não apresenta um problema especial, um perigo de conflito de interesses?
Não, há muita conversa fiada sobre conflitos de interesse. Conflitos de interesses desaparecem quando são declarados ou quando as pessoas não votam ou se abstêm da discussão. E depois, claro, se houver um conflito absolutamente radical de interesses, as pessoas poderão não participar do organismo. Mas não há dúvida de que, no passado, com uma grande centralização da autoridade, houve conflitos radicais de interesse. Você sabe, "nemo iudex in causa sua", nenhuma pessoa deve ser juíza em sua própria causa, se há um problema. Precisamos continuar a partilhar e a evitar conflitos de interesse.
E o caso do IOR da Lux Vide pode ser um exemplo disso?
Sim, pode ser.
É razoável supor que esse aumento da internacionalização em seu setor também vai ocorrer em todo o Vaticano?
Eu não sei, mas espero que sim. Mas você tem que encontrar as pessoas que estão preparadas para trabalhar aqui. Temos duas línguas oficiais na área de finanças, inglês e italiano, mas a língua de trabalho na maioria das áreas da Igreja, pelo menos por enquanto, é o italiano. Então você tem que ter falantes de italiano. E você tem que ter experiência. Um dos princípios que eu espero recomendar é a presença de experiência na liderança das diferentes áreas da Igreja, por exemplo, nos conselhos e congregações. Eu não vou dar quaisquer exemplos.
Mas dada a localização, dada a história, é razoável supor que no futuro previsível a maior parte da equipe do Vaticano permanecerá desproporcionalmente italiana?
Bem, eu não sei se "desproporcionalmente" é a palavra. O papa é o bispo de Roma. Agora, o vicariato administra a cidade de Roma, as instalações da Igreja que estão lá, mas o papa vive na Itália. Eu acho que sempre haverá muitos italianos que trabalham na Cúria e acho que isso é necessário. Então, eu não chamaria isso de desproporcional. Mas não corresponde com a porcentagem de católicos que os italianos representam.
Uma das iniciativas do seu escritório diz respeito às mídias do Vaticano. O senhor disse que deveria haver uma maior ênfase na mídia social e ao mesmo tempo um enxugamento de certos órgãos da imprensa do Vaticano. Então podemos esperar eventuais cortes em algumas das chamadas entidades de mídia antigas, especialmente a Rádio Vaticana e o jornal do Vaticano?
Eu não estou na comissão de mídia. Mantenho o que eu disse, mas nós vamos ver. É uma área sensível, mas nós vamos ver o que a comissão sobre a mídia recomenda, e sem dúvida, se eles recomendam mudanças, elas serão implementadas de forma sensata e sensível. Mas eu acho que é axiomático que, se uma quantidade desproporcional de despesa está sendo utilizada sob a forma de fornecimento de informação que não é muito usada pelas pessoas, isso não me parece ser um bom negócio.
Será que o comitê de reforma da mídia vai lidar com a questão do tratamento do Vaticano com os meios de comunicação de fora?
Muito possivelmente, mas isso será com eles.
Esta é uma questão de interesse provinciano para a minha empresa, mas há uma questão sobre se os organismos externos serão consultados e perguntados sobre o que nós pensamos.
Posso lhe sugerir que você escreva para Lord (Chris) Patten?
O senhor disse que grande parte dessas reformas estão acontecendo para trazer as melhores práticas de administração e contabilidade das atividades financeiras do Vaticano. E, como sabemos, há um aumento do papel dos não clérigos, dos leigos na liderança nessa área. Então, é claro que o senhor e o papa acham que a Igreja tem algo a aprender com o mundo secular nessas áreas.
Sim, com certeza, mas esse sempre foi o caso. Olhe, desde o início, o que a Igreja aprendeu com a filosofia grega: Platão, Aristóteles, o método socrático. O então cardeal Ratzinger e o Papa Bento XVI disseram que era absolutamente providencial no desenvolvimento da Igreja que houvesse esse casamento precoce da razão com a fé. Olhe o que a Igreja aprendeu - isso é um pouco controverso, e em muitos aspectos eles não seguiram o modelo -, mas o modelo de governo da Igreja certamente aprendeu muito com o Império Romano.
Eu acho que "diocese" era um termo romano secular para designar uma área. Agora, vamos fazer todos os esforços para garantir que não haja também muitos anglo-saxões na liderança financeira; que ela seja internacional. Mas muitas pessoas diriam, e são os outros que julgam, que os "anglos" têm capacidade de gestão.
Uma Igreja viva está sempre aprendendo. Exemplos espetaculares disso estão na mídia. Outro exemplo disso está nas finanças, eu acho. Um dos grandes desafios para o futuro será a bioética. A Igreja tem que trazer as suas perspectivas e ensinamentos morais sobre esses avanços científicos. A Igreja é uma instituição viva e tem, com certeza, uma boa dose de sabedoria antiga a oferecer, mas uma boa Igreja está sempre aprendendo.
Será que a Igreja tem que aprender com o mundo dos negócios sobre esses assuntos, ou a Igreja tem algo a ensinar para o mundo dos negócios, não só no que diz respeito à ética, mas também nos aspectos práticos da administração? A Igreja Católica, em termos muito mundanos, é a maior e mais antiga organização em funcionamento de qualquer espécie na Terra. É muito mais velha do que a McKinsey & Co. Provavelmente, ela tem algo de sua própria sabedoria organizacional para oferecer.
Com certeza. Nós temos o livro da Doutrina Social da Igreja; não há equivalente em seu lugar. Na parte do mundo de onde eu venho, havia um centro onde eles estavam preparando os jovens - um centro muito, muito bom - para a participação na vida pública a partir de um conjunto de princípios cristãos. Ora, ele era patrocinado pelos evangélicos, mas a única fonte de seu pensamento social que estava prontamente disponível era o documento divulgado pelo (Pontifício) Conselho para a Justiça e a Paz sobre a doutrina social da Igreja.
Há uma quantidade enorme de maravilhosos pensamentos. Eu mencionei subsidiariedade. Esse foi um conceito que, tanto com Leão XIII em 1891 e depois em 1931 com Pio XI, a maior parte do pensamento para aqueles dois documentos foi feito por pensadores católicos alemães. O pensamento católico sobre a teoria da guerra justa - controverso, mas quem tem uma melhor estrutura para discutir os prós e contras de quando se pode participar ou não participar de um conflito armado? Apenas para constar, eu vi recentemente um líder, depois de ele ter sido acusado de crimes de guerra, dizer que não há tal coisa como uma guerra justa. Bem, nós não poderíamos endossar esse sentimento. Assim, a Igreja tem uma magnífica tradição intelectual, magnífica, mas somente vai permanecer assim se continuar em diálogo e continuar a aprender.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Diretor de Finanças do papa fala sobre a reforma do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU