O historiador e escritor israelense Yuval Noah Harari já conta com vários best-sellers em sua trajetória: Sapiens: de animais a deuses, Homo Deus, 21 lições para o século XXI e seu último livro Sapiens: uma história gráfica, em quadrinhos, recém-lançado, com uma projeção semelhante às anteriores.
A reportagem é de Lola Delgado, publicada por The Conversation, 14-12-2020. A tradução é do Cepat.
E a verdade é que difícil escolher entre escutá-lo ou lê-lo. Se sua literatura é um compêndio de dados sobre a história da humanidade e o futuro convertidos em ciência ao nosso alcance, suas dissertações são uma janela pela qual quem o escuta vê a luz sobre as coisas mais obscuras ao redor.
Yuval Noah Harari inaugurou o Fórum Telos 2020 com uma entrevista online. Organizada pela Fundação Telefónica, esta segunda edição, realizada em novembro, teve como título “Um mundo em construção” e dela participaram destacados pensadores, historiadores e cientistas nacionais e internacionais.
Harari fala com muita clareza sobre a crise do presente, as do passado e as que virão. Provavelmente, seja um dos intelectuais que mais ajudou a educar cientificamente os cidadãos, através de seus livros, e a gerar confiança naquelas pessoas que sabem do que falam. Uma confiança que, no entanto, reconhece que se fragilizou para as instituições, desde que começou a pandemia:
“Durante a Covid-19, estamos vendo nas instituições de muitos países que a confiança se fragiliza até alcançar níveis alarmantes. Esta é a consequência das estratégias adotadas anos antes por aqueles políticos que buscam deliberadamente minar a confiança nos meios de comunicação, nas instituições acadêmicas e nas autoridades. Agora, percebemos como é perigoso, já que a confiança é o motor do sistema. Nosso mundo se baseia na confiança depositada em desconhecidos. Éramos caçadores-coletores há 50.000 anos e vivíamos em grupos muito pequenos, razão pela qual conhecíamos todas as outras pessoas que nos cercavam. Deste modo, confiávamos em quem conhecíamos. No mundo moderno, depositamos nossa confiança em instituições impessoais e colaboramos com milhares de milhões de desconhecidos, de forma que se essa confiança desaparece, o mundo inteiro desmoronará e toda a nossa civilização ruirá”.
Yuval Noah Harari admite que, apesar de tudo, não estamos agindo mal, ao menos no que se refere às instituições científicas:
“Durante a Idade Média, quando a peste negra se espalhou da China ao Reino Unido, não se confiava nas instituições científicas e sanitárias comuns, nem tampouco se compartilhava informação entre as pessoas da China, Índia e Europa. Todos tentavam uma solução por conta própria e ninguém conseguia nada, não havia ninguém no mundo que conhecesse o que estava levando milhões de pessoas à morte. Atualmente, contamos com instituições científicas e, apesar de ultimamente receberem numerosos ataques por parte de políticos e teorias da conspiração, ainda inspiram uma grande confiança. Hoje em dia, até mesmo a igreja confia nas instituições científicas, ao ponto que se os cientistas dizem para que as igrejas fechem, fecham. E isso é muito significativo”.
A pergunta, neste momento, é como saber em que e em quem confiar. Harari confia nas instituições, nas universidades e nas revistas ou conferências científicas:
“Você não pode ir pessoalmente para ver o que está acontecendo, nem entrevista os jornalistas que redigem as notícias, sendo assim, ao final, tudo se resume em quais revistas ou em quais televisões confia. Por isso, precisamos construir boas instituições, em diferentes âmbitos, na medicina, na ciência e nos meios de comunicação, porque ao final é isso o que nos garante recebermos informação boa e confiável”.
Sem dúvida, agora, confiamos muito mais na ciência do que há alguns anos. Harari espera que uma vez que tenhamos superado esta situação, mantenhamos a mesma atitude em relação a outros problemas como a mudança climática ou o desastre ecológico, e que do mesmo modo que agora respeitamos os médicos e os epidemiologistas na hora de nos explicar o que acontece, façamos o mesmo com os cientistas especializados no clima, quando sairmos desta crise:
“Devemos lembrar que continuamos sendo animais e que, como tais, fazemos parte do ecossistema. De certo modo, podemos dizer que a natureza foi benévola conosco, já que só nos lançou um pequeno aviso. A Covid-19, no que diz respeito a epidemias, é algo relativamente leve. Não tem nada a ver com a peste negra, nem com o HIV, que matou quase todas as pessoas que foram contagiadas nos anos 1980. De alguma maneira, a natureza está nos dizendo o que pode vir a acontecer, a partir de um vírus relativamente leve, procedente de um morcego. Mas há coisas muito piores nos aguardando, caso não abordemos o problema ambiental”.
Enquanto a sociedade tenta tirar lições do que está acontecendo, o intelectual israelense alerta sobre a necessidade de se reinventar e, ao mesmo tempo, dos inconvenientes para isso. Um equilíbrio, em definitivo, que devemos buscar conseguir para nos adaptar às mudanças que a sociedade está experimentando, muito mais desde que começou a pandemia. Tudo está se adiantando:
“Previa-se que as mudanças radicais no mercado de trabalho levariam 10, 20 ou 30 anos, mas a Covid-19 está acelerando o processo. Há setores inteiros que estão se afundando ou desaparecendo. Surgirão novos postos. O problema está em dispor das atitudes necessárias para realizar as tarefas que implicam tais postos de trabalho novos. Como não podemos prever o futuro, não podemos saber como será o mercado de trabalho em 2040 e, portanto, não poderemos formar as crianças de hoje em dia com as atitudes que serão requeridas para então. É necessário estar em constante formação e reinvenção. Uma e outra vez. E isto constituirá uma carga enorme. Pensemos que precisamos recomeçar aos 40 anos, depois aos 50 e novamente aos 60”.
“A tormenta passará, mas as decisões que tomarmos agora poderão mudar nossas vidas nos próximos anos. Devemos agir com rapidez”.
Yuval Noah Harari escreveu esta frase há mais de meio ano. Hoje, pensa que não estamos fazendo tudo ruim em relação à pandemia e a todos os seus danos colaterais:
“Estou certo de que agora temos todo o conhecimento científico que precisamos para a superar. Não sei como, não sou médico, nem epidemiologista, mas, como historiador, em comparação a outras epidemias anteriores, como o HIV, a grande epidemia da gripe de 1918 ou a peste negra, penso que agora estamos muito melhor. No entanto, em outros âmbitos existem muitos motivos de preocupação porque não há cooperação em todo o mundo em questões como, por exemplo, o desenvolvimento de um plano econômico global. A grande tormenta econômica ainda está por vir. Não há liderança e tenho a impressão de que não há nenhum adulto na sala”.