01 Dezembro 2020
O bispo Fintan Monahan, que lidera a diocese de Killaloe na Irlanda, foi introduzido aos escritos de Thomas Merton no seminário e disse que o monge de meados do século XX o atraiu devido ao seu “sabor contemporâneo”.
Merton foi um monge trapista estadunidense na Abadia de Nossa Senhora do Getsêmani, em Bardstown, Kentucky. Ele se tornou famoso por autobiografia de 1948 e um clássico espiritual, “A montanha dos sete patamares”.
Mais tarde, o monge tornou-se um líder no diálogo inter-religioso e um defensor da justiça social na turbulenta década de 1960, antes de morrer tragicamente em um acidente elétrico em um hotel da Tailândia em 1968, aos 53 anos.
Monahan ainda não tinha 2 anos quando Merton morreu, mas o prelado irlandês disse ao Crux que as palavras do monge americano “são tão válidas hoje quanto eram naquela época”.
“Ele ficaria triste em ver que, mais de meio século depois, a questão do racismo se tornou tão atual novamente durante o verão passado. Eu acho que ele ficaria animado com o movimento Black Lives Matter. Acho que se ele estivesse vivo hoje, ele estaria na linha de frente desse movimento”, disse o bispo.
Monahan fala sobre sua devoção a Merton em um novo livro, “Peace Smiles: Rediscovering Thomas Merton” (“Sorrisos de paz: redescobrindo Thomas Merton”, em tradução livre).
Ele conversou com o Crux sobre seu novo livro.
A entrevista é de Charles Collins, publicada por Crux, 30-11-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Por que você quis escrever esse livro?
Fui apresentado aos escritos de Thomas Merton quando eu era seminarista e, desde então, comecei a apreciar seu trabalho. Como muitos, minha primeira experiência de Merton foi sua autobiografia A montanha dos sete patamares. É um grande trabalho – a história de sua vida e conversão e seus primeiros anos no mosteiro. Me atraiu naquela época e desde então o sabor contemporâneo de sua linguagem, na qual ele contou a história de uma jornada contemporânea e a luta para dar sentido e encontrar fé no mundo moderno. Ele falava para mim naquela época e é claro que passei a ler praticamente tudo o que Merton escreveu depois disso. Meu entusiasmo genuíno por Merton é o motivo pelo qual escrevi meu livro – queria compartilhá-lo com outras pessoas.
Merton ganhou fama com A montanha dos sete patamares – mas mais tarde ele um tanto repudiou – você pode nos contar algo sobre a jornada espiritual de Merton?
Acho que Merton ficou um tanto constrangido nos últimos anos, talvez pela exuberância e entusiasmo do zelo do convertido e pelo que ele considerava um jovem apressado. Em alguns casos, talvez ele tenha sentido que demonstrava um grau de arrogância ou muita certeza em seus pontos de vista e, às vezes, um pouco de intolerância para com os outros menos imersos do que ele na vida de fé. Gosto de me referir a isso como o zelo do convertido, que às vezes pode ser interpretado como intolerância.
A jornada espiritual de Merton foi caracterizada por três distintas fases:
Em primeiro lugar, vivendo a vida de uma juventude selvagem e díspar na França, Inglaterra e EUA e ao mesmo tempo em busca de significado nas tendências, modas e prazeres do mundo moderno do início do século XX.
Em segundo lugar, após um momento de epifania na 6th Avenue em Nova York com seu amigo Bob Lax, no qual ele se sentiu chamado à escolha superior de entrar em um Mosteiro Trapista. Durante sua estada no mosteiro, como resultado de longos períodos de solidão, estudo, oração e contemplação, ele experimentou Deus em um nível muito profundo e escreveu muito sobre isso em suas obras.
Mais uma vez, após outro famoso momento de “epifania” em Louisville na Fourth and Walnut, ele se sentiu chamado para outra fase de sua jornada de fé, imergindo novamente no mundo ao seu redor, compartilhando a sabedoria do Evangelho através do movimento pela paz, justiça social, explorando e dialogando com outras tradições religiosas. Merton queria compartilhar a experiência monástica com um mundo mais amplo.
Merton tornou-se uma voz pela justiça social no período turbulento da década de 1960 – ele ainda tem algo a nos dizer hoje?
Sim. Não é preciso pesquisar mais que uma linha para um resumo das visões de Merton sobre raça, “Eles são irmãos (irmãs) no sentido mais amplo da palavra”.
Merton tinha uma correspondência enorme com muitas pessoas com formação literária, espiritual, teológica e ativista social. Por meio de sua própria reflexão fervorosa e de seu envolvimento com essas pessoas, ele se tornou um defensor influente da paz, da justiça social e da luta contra o racismo.
Ele ficaria triste em ver que, mais de meio século depois, a questão do racismo se tornou tão atual novamente durante o verão passado. Acho que ele ficaria animado com o movimento Black Lives Matter. Eu sinto que se ele estivesse vivo hoje, ele estaria na vanguarda desse movimento. Dediquei um capítulo de meu livro às questões sociais com as quais Merton se envolveu durante sua vida. Este capítulo é chamado de “Problemas sociais antes e agora”.
Merton foi assumidamente católico e cristão em sua abordagem no Movimento pela Paz e da questão racial. Ele está dizendo a nós hoje também que os valores do evangelho de igualdade e amor são a chave para resolver os problemas da guerra e da discriminação racial. Ele foi longe para dizer que o catolicismo era um veículo ideal para compreender e resolver a discriminação racial. Ele escreveu de forma reveladora e inflexível ao cerne da questão quando escreveu: “Os brancos pedem por negros, enquanto negros pedem por brancos. Nossa significância enquanto homens brancos é ser visto inteiramente pelo fato de que todos os homens não são brancos. Até esse fato é compreendido, nós jamais realizaremos nosso verdadeiro lugar no mundo, e nós nunca alcançaremos o que nós devemos alcançar nele”.
Suas palavras são válidas para hoje assim como foram antigamente. Para alguns isso soa muito idealista, enquanto Merton sustentaria que o racismo sempre prevalecerá a menos que todos tenham uma conversão pessoal ou um momento de epifania. Em seu livro Reflexões de um espectador culpado, ele coloca isso como “se somente nós poderíamos ver um ao outro daquela forma todas as vezes. Então não haveria mais guerra, nem ódio, nem ganância... mas isso não pode ser visto, somente se pode crer e ‘entender’ com um dom peculiar”.
Para Merton, o dom é uma mudança de coração que deve acontecer no espaço de Deus de todos os seres humanos.
Merton era famoso por olhar para as formas orientais de monasticismo para inspiração – o quando esse pensamento o influenciou?
O intelecto espiritual de Merton não conhecia limites. Ele olhou para os quatro cantos do pensamento e encontrou grandes riquezas no Oriente. Tendo estudado os primeiros padres do deserto e os místicos medievais, algo de Alexandre, o Grande, não tendo mais mundos imediatos para conquistar, ele decidiu ampliar sua visão com a sabedoria do Oriente.
Merton sentia-se tão à vontade com os mestres das tradições Zen, Budista, Hindu, Islâmica e Tao quanto com o Cristianismo. Na estimativa do estudioso de Merton Michael W. Higgins, “Ele não descobriu o Oriente: o Oriente o descobriu”.
Thomas Merton estava prestes a iluminar o mundo cristão por meio do que estava explorando nas tradições asiáticas. Sua sabedoria e erudição foram capazes de juntar as muitas abordagens fragmentadas de várias tradições de fé em uma síntese unificada. Não era para ser, no entanto, porque sua vida na terra chegou a um fim abrupto. O legado de Merton é sua coleção de escritos, que pode ser analisada a fim de buscar a unidade entre todos os crentes religiosos que ele sentia, estava próxima.
Deve ser enfatizado, no entanto, que Merton não estava tão preocupado com a unidade religiosa, mas com cada tradição religiosa respeitando a tradição de fé de cada um. Edward Rice coloca assim em uma pequena obra muito interessante intitulada “The Man in the Sycamore Tree”: “Ele não tentou ‘batizar’ o Budismo como o cristão comum faria. Ele não estava interessado em escolher as probabilidades do Oriente e integrá-las ao cristianismo. O budismo tem sua própria existência válida e verdadeira, e ele estava tentando se livrar das restrições da mente ocidental para buscá-lo”.
A morte repentina de Merton no Oriente pôs fim à sua jornada ao Oriente em um sentido muito literal. Uma floresta de “e se” cresceu, especulando se ele teria abraçado o budismo e ficado no Oriente ou retornado ao Getsêmani por curtos intervalos, indo e vindo como um monge nômade. Pessoalmente, acho que ele teria retornado ao Getsêmani e de lá teria compartilhado uma visão mais ampla da fé católica com o mundo. Não era para ser, mas temos suas obras reunidas para inspirar o buscador da verdade em todos nós.
Você diz que a “esperança” permeava os escritos de Merton. Você pode explicar?
Os escritos e a vida de Merton são de fato um testemunho de uma profunda esperança no centro de nossa fé cristã. Tendo experimentado a desolação e o vazio resultantes de um jovem rebelde e buscando desesperadamente um antídoto para isso, ele encontrou grande consolo, realização e esperança na vida de fé. É algo que esquecemos que a própria vida de fé nos dá esperança.
Mesmo dentro do mosteiro com suas lutas contínuas e os muitos desafios, suas dificuldades com a disciplina, ordem e rigor da vida trapista combinaram de uma forma quase contraditória para lhe dar esperança. Sua busca por mais solidão e a vida eremítica era em si uma expressão de esperança – a esperança sempre presente de que ele poderia seguir a vida de escritor e contemplativo com o melhor de sua habilidade humana. Ele foi puxado em muitas direções, mas ele nunca se desviou da vida monástica. Olhando para o Oriente e para o Ocidente, ele permaneceu totalmente esperançoso e leal à vocação monástica e à mensagem de esperança no coração da mensagem de Jesus Cristo.
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Bispo irlandês diz que Thomas Merton ainda é relevante hoje - Instituto Humanitas Unisinos - IHU