05 Novembro 2020
"E entendi que estou só quando estou entre as pessoas, e não mais quando estou só, porque então tenho Deus e dialogo com Ele (sem palavras) sem distrações nem interferências".
O texto é de Thomas Merton, que foi considerado o autor católico norte-americano mais influente do século XX e uma grande referência para a mística cristã. Monge trapista da Abadia de Gethsemani, Kentucky, ele foi um poeta, ativista social e estudioso de religiões comparadas. Escreveu mais de setenta livros, a maioria sobre espiritualidade, e também foi objeto de várias biografias, publicado por Avvenire, 03-11-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Meu zen reside nos picos de dezesseis pinheiros que balançam suavemente. O longo e fino tronco de uma árvore de quinze metros ondula formando um arco mais amplo do que todos e continua mesmo quando as outras já estão imóveis. Centenas de pequenos olmos estão brotando do solo seco sob os pinheiros. Meu relógio foi abandonado entre folhas do carvalho. Minha camiseta está pendurada na cerca de arame farpado e o vento sopra pela floresta nua. Aqui entre os bosques, não consigo pensar em nada além de Deus e também não penso muito sobre Ele. Estou tão ciente de Sua presença tanto quanto do sol e das nuvens e do céu azul e das esguias árvores de cedro.
Quando vim aqui pela primeira vez, estava sonolento... depois li algumas passagens dos padres do deserto e, a partir daquele momento, todo o meu ser ficou cheio de serenidade e vigilância. Para quem estou escrevendo estas palavras, então? É uma perda de tempo! Basta dizer que, enquanto estiver aqui fora, não consigo pensar nem mesmo em Camaldoli; não se fala em estar aqui e sonhar com outra coisa. Sou arrebatado pela realidade simples e luminosa da tarde: quero dizer, a tarde de Deus, esse lapso de tempo sacramental em que as sombras vão se alongando cada vez mais, um passarinho canta suave entre os cedros, um carro passa ao longe e as folhas do carvalho agitam-se ao vento. E agora, na floresta, volto a considerar a ideia de ficar aqui, simplesmente, no bosque - com grande liberdade interior, e me manter empenhado na ocupação principal, que nada tem a ver com lugares e não precisa de uma praia de areia branca pura do Caribe. Apenas silêncio e um manto de árvores.
Sair para um passeio em silêncio por esta floresta é a forma mais importante e significativa de compreender neste momento, muito mais do que com uma profusão de análises e relatórios, as questões “do espírito”. Ontem pela manhã (era domingo) fui até o reverendo padre e conversamos sobre solidão; ele me pegou bastante de surpresa, dando-me permissão para deixar os muros e ir vagar pelos bosques sozinho. Assim, aproveitei à tarde, apesar do céu escuro, quase como uma muralha atrás das alturas lá pelo lado do oeste, e embora ao longe pudesse ouvir o resmungar contínuo do trovão. Estava muito quente e úmido, mas soprava um vento bom vindo da zona da tempestade ... No início, parei sob um carvalho no topo da colina atrás daquela de Nally e me sentei para olhar o amplo arco do vale e dos bosques tão parelhos que se estendiam uniformemente por quilômetros e quilômetros em direção ao horizonte onde se destaca o planalto de Rohan. Assim que me afasto das pessoas, a Presença de Deus me invade. E quando não me sinto dividido por estar com estranhos (em certo sentido, todas as pessoas com quem convivo continuarão a ser para sempre estranhos), estou com Cristo. O vento soprava sobre a grama seca que se curvava à sua passagem e balançava a copa das árvores enquanto eu contemplava a massa escura dos bosques para além da destilaria, nas colinas ao sul do mosteiro. E entendi que estou só quando estou entre as pessoas, e não mais quando estou só, porque então tenho Deus e dialogo com Ele (sem palavras) sem distrações nem interferências. Como aquele homem no conto de Ramon Llull, que estava meditando na colina quando um estranho se juntou a ele e lhe perguntou: "Por que você está sozinho?", E ele respondeu: "Você tem razão em dizer que estou sozinho. Antes da sua chegada eu não estava, mas agora você está aqui comigo e eu estou realmente só”.
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Merton e a floresta habitada pelo divino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU