25 Novembro 2020
Guy Standing (Reino Unido, 1948) acredita que os sonhos podem se tornar realidade. Há mais de 30 anos, este professor da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres imagina um mundo onde todos possam ter uma renda básica universal, sem qualquer condicionalidade, uma ideia com a qual diversos pensadores flertam, há séculos.
Mas Standing entrou em ação e, em 1986, junto com um grupo de economistas, filósofos e ativistas, fundou a Rede Mundial de Renda Básica (BIEN: Basic Income Earth Network). Poucos lhe deram atenção. Contudo, após a crise de 2008, os holofotes se direcionaram à ideia de que todas as pessoas pudessem ter uma renda mensal apenas pelo fato de existir. “Você conhece a Massive Attack?”, pergunta do outro lado do telefone, de sua casa em Genebra, Suíça. “Convidou-me para fazer um vídeo sobre o meu último livro [Battling Eight Giants: Basic Income Now]”.
Standing – que cunhou o termo “precariado” para se referir a uma nova classe social com trabalhos inseguros e instáveis e que retrata em seu livro “O precariado” (São Paulo, Autêntica, 2013) – acredita que uma renda básica seria a salvação do capitalismo. “A renda básica universal é uma política de transformação. E acredito que este é um momento em que poderíamos tê-la de forma global. Poderia ser uma forma de salvar ou transformar o capitalismo. Reteria algumas das características benéficas da economia de mercado”.
A entrevista é de Óscar Granados, publicada por El País, 22-11-2020. A tradução é do Cepat.
A renda básica universal é uma utopia?
Não. Está dentro dos limites de uma estratégia social e econômica realista.
Mas não é aplicada em nenhum país.
Nesse sentido, sim, é uma utopia. A renda básica universal é uma política de transformação. E acredito que este é um momento em que poderíamos tê-la de forma global. Poderia ser uma forma de salvar ou transformar o capitalismo. Reteria algumas das características benéficas da economia de mercado.
Seria um remédio eficaz para eliminar a pobreza?
Nenhuma política sozinha pode eliminá-la. No entanto, uma renda básica atuaria para diminuir a pobreza de renda e, caso seja planejada adequadamente, reduziria a desigualdade.
Todos a merecem?
A justificativa é fundamentalmente ética. Se permitimos a herança privada da riqueza, então, deveríamos permitir a herança da riqueza pública, que é o resultado da contribuição das muitas gerações passadas. Mas não sabemos quais antepassados contribuíram mais ou menos, sendo assim, todos deveríamos ter um dividendo social igual na riqueza pública.
Uma renda básica melhoraria a liberdade pessoal. Você não pode ser livre, se é desesperadamente pobre, inseguro e dependente de outros para sobreviver com dignidade. E oferece segurança. Sem isso, a inteligência das pessoas diminui e sua capacidade para tomar decisões racionais se deteriora. Ofereceria resistência pessoal em uma pandemia.
A Europa tem espaço para implementá-la?
Sim. Pense em quanto os bancos centrais e o Banco Central Europeu gastaram no quantitative easing [programa de compras de bônus corporativos pelo BCE], pensado para estimular a economia. A maior parte desse dinheiro será destinado aos mercados, e os prestamistas se enriquecerão e desviarão grande parte para investir na China e no sudeste asiático. Estimulará a economia europeia em uma pequena quantidade. Uma renda básica estimularia a demanda por bens e serviços locais.
Está dizendo que existe dinheiro para salvar bancos, mas não para ajudar as pessoas?
É claro. Refiro-me à quantidade de dinheiro que os Governos gastam. Esses recursos não foram gastos para gerar uma transformação, mas para ajudar os mercados. Enquanto isso, a situação econômica está piorando para o precariado.
A Espanha pode contar com uma renda básica universal?
Facilmente, e seria muito melhor que o esquema da renda mínima. A Espanha precisa de uma renda básica de emergência, que deve ser financiada com déficit orçamentário. Seria muito mais eficiente e equitativa que os esquemas de subsídio salarial e chegaria a todos. Um esquema que não chega a todos fracassará.
Os países em desenvolvimento podem implementá-la?
Claro. Poderiam eliminar gradualmente os enormes subsídios que pagam às corporações, e os países ricos poderiam redirecionar sua ajuda internacional para pagar a renda básica. Afinal, afirmam que querem erradicar a pobreza, não é?
Uma renda básica desestimula a procura por trabalho?
Isso é puro preconceito. As pessoas que têm segurança básica trabalham mais, não menos. Mas, de qualquer modo, a pandemia está nos mostrando que alguns dos trabalhos mais valiosos são aqueles pelos quais não se paga, como o trabalho de cuidados. Uma renda básica permitiria a mais pessoas realizar esse trabalho. O que há de ruim nisso?
Se temos a receita, por que não a aplicamos?
Na crise passada, os Governos e partidos políticos estavam presos em sua velha ideologia, mas agora estão preparados. Há 50% de probabilidade de que alguém a efetive. Hoje, poderia ser uma realidade.
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“A renda básica universal é uma política de transformação”. Entrevista com Guy Standing - Instituto Humanitas Unisinos - IHU