16 Setembro 2020
De Valência [Espanha] ao Ártico, há uma distância de 4.500 km. Talvez por isso, você não dê muita importância ao degelo. É difícil encontrar uma relação direta entre o bloco de água congelada que cai no mar e a gota fria que inundou, em 2019, parte da costa mediterrânea espanhola. Também há quem pense que essa questão de frear o aquecimento global não está em nossas mãos, que ajam os governos. Alguns devem olhar com dúvidas essas recomendações que falam em mudar os hábitos de consumo para salvar o planeta. Outros, escondem-se naquela velha desculpa do “não atinge” ou “não chegarei a viver a destruição do planeta”.
A reportagem é de Alejandro Tena, publicada por Público, 15-09-2020. A tradução é do Cepat.
Com a crise climática, toda a população peca por negacionismo. Uns mais e outros menos. Entender as razões, não em vão, é o primeiro passo para deixar para trás a culpa climática e passar à ação. Esta é a compreensão do ambientalista e divulgador Andreu Escrivà, em seu novo livro “Y ahora yo qué hago” (Capitán Swing), uma análise completa da conjuntura ecológica que as sociedades do presente vivem. O ensaio, distante dos clássicos receituários que buscam dizer como agir, aborda as causas que levaram a humanidade a estar em um dos pontos climáticos mais adversos do momento.
“É importante saber de onde viemos para saber para onde queremos ir”, adverte Escrivà. O caminho que o ser humano percorreu foi longo. Aconteceram muitas coisas desde que, há mais de 120 anos, o cientista Svante Arrhenius calculasse o que ocorreria ao planeta, caso fossem duplicadas as quantidades de CO2 na atmosfera. No entanto, o triunfo do liberalismo e o individualismo, com o tandem Reagan-Thatcher, foi determinante para compreender como o desaparecimento dos valores coletivos em prol do individualismo limitou a capacidade de ação climática do planeta todo.
No entanto, este ensaio se afasta da narrativa clássica que diferencia os maus, as multinacionais e os governos, dos bons, a sociedade. Desta forma, conferindo a cada ator social sua responsabilidade dentro da crise climática, Escrivà se centra nas massas. “É necessário romper com a imagem de que somos os bons do filme. Sem retirar a importância do que a Exxon Mobil polui, nós, indivíduos, também temos responsabilidade nisto”, explica o autor.
Em certa medida, estas páginas buscam uma resposta àqueles que, na frustração, se perguntam por que precisam levar uma vida cotidiana mais sustentável, enquanto as multinacionais poluem com o consentimento das instituições. As soluções individuais, no entanto, não são transformadoras, assume o autor, mas são o primeiro passo para a mudança. O problema, para este ambientalista valenciano, não está nas soluções individuais, mas em pensar que só podemos agir como indivíduos.
É neste ponto, quando a própria inércia da mudança de hábito – o uso de bicicleta, separar os resíduos, limitar o tempo no chuveiro, etc. – pode levar muitos a se moverem em direção ao coletivo. “O neoliberalismo em sua versão selvagem triunfou e conseguiu fazer com que pensemos que só podemos fazer coisas, se agimos de forma individual, mas podemos avançar e não entender nossas ações como algo isolado”, acrescenta o escritor. Em outras palavras, a luta social contra a mudança climática pode servir para ressuscitar aqueles valores perdidos na segunda metade do século XX, o comum, e popularizar estilos de vida sustentáveis.
Dialogar, exemplificar, empoderar, debater, criar grupos de consumo ou, por exemplo, convencer seus vizinhos de uma mudança no edifício para melhorar a eficiência energética, são algumas das receitas que Escrivà dá para o que chama “escapar da culpa climática”. Depois, cabe exigir. Unir-se para transformar passa também pela mobilização, em “não confiar que o modelo de produção mudará de maneira espontânea”.
Em sua análise, reivindica uma dose de imaginação: isso que os ecologistas resumiram com o slogan “passar da distopia à utopia”. O panorama apresentado pela ciência e os meios de comunicação é sombrio. Esse abismo futuro é contraproducente na hora de tecer ações, conforme opina Escrivà. “Não se deve fazer confusão, a crise climática contada sem analgésicos é muito grave, mas não podemos cair em catastrofismos porque é contraproducente. Não podemos pregar o fim do mundo e esperar que as pessoas atuem”, analisa.
“Estamos repletos de um derrotismo que conseguiu corroer todas as instituições do mundo e fazer com que tudo seja visto pelo prisma do “eu” e em termos de rentabilidade. Tudo isto nos impede de poder imaginar um horizonte futuro”, comenta. O catastrofismo, muitas vezes em manchetes que simplesmente se ajustam à realidade dos relatórios científicos, gera uma sensação de um futuro sombrio, o que pode estimular essa espécie de carpe diem contaminador: “por que vou mudar minha forma de vida, se o planeta acabará se tornando inabitável [?]”.
Em virtude disso, imaginar um futuro diferente e sustentável, por mais ilusório que pareça, é tão essencial para lutar contra a crise climática, como diminuir o consumo de carne e se organizar socialmente. Tudo isso, com o objetivo de desmaterializar o desejo. “O capitalismo se aproveita muito dessa rapidez e ausência de progresso, oferece-nos a sensação de plenitude através de coisas materiais que não precisamos e que, além disso, reforçam a catástrofe para a qual nos dirigimos”, enfatiza.
“O que queremos? Fugir apavorados de um futuro que não chegou ou construir ou começar a construir o lugar para o qual queremos ir, ainda que não saibamos como ir?”, arremata.
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Um guia para desmaterializar o futuro e passar à ação climática - Instituto Humanitas Unisinos - IHU