03 Agosto 2020
A pandemia da COVID-19 tem causado muita dor em todo o mundo, mas há regiões onde os efeitos têm sido catastróficos. Uma delas é a Panamazonia, severamente castigada por este inimigo invisível. Para refletir sobre "A Pan-Amazônia em tempos de pandemia", a Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM, organizou um webinar no qual estiveram presentes três dos participantes da última Assembleia Sinodal, o Cardeal peruano Pedro Barreto, vice-presidente da REPAM, a religiosa brasileira Rose Bertoldo e o indígena do povo Curripaco, José Gregorio Díaz Mirabal, coordenador geral da Coordenadora das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica - COICA.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
O encontro, mediado por León Souza, articulador da REPAM-Brasil, e animado pelo cantor brasileiro Antonio Cardoso, que encontrou na Amazônia e em seus povos uma fonte de inspiração para sua música, teve como ponto de partida a gratidão de Díaz Mirabal à Igreja Católica por seu compromisso com a Amazônia. Em suas palavras, ele denunciou a omissão e o esquecimento das políticas públicas dos diferentes governos, o que fez com que a emergência se tornasse um etnocídio e um ecocídio.
Banner de divulgação da conferência online "A Pan-Amazônia em tempos de pandemia", organizada pela Repam.
(Fonte: Repam)
Apesar disso, o coordenador da COICA não hesita em afirmar que "continuamos lutando pela vida, cada líder que parte é um milhão de conhecimentos milenares que partem, eles são os donos de nosso conhecimento, cultura, identidade". O significado dos líderes, dos anciãos, dos sábios, é tão importante no mundo indígena que "quando perdemos um líder é como quando uma igreja cai, como se a Torre Eiffel, a Estátua da Liberdade ou Notre Dame fossem destruídas", de acordo com Díaz Mirabal. Ele denuncia que "nossos avós estão partindo sem um reconhecimento mundial de seus conhecimentos".
Dada a falta de reconhecimento dos conhecimentos indígenas, de sua história, o líder indígena fez um "apelo para que apoiemos mais o que está acontecendo na Amazônia", pedindo mais uma vez a ajuda do Papa Francisco, a quem ele se referiu como "um ser humano que se sente com os povos da Amazônia, que os defendeu com grande coragem". Segundo ele, foi estabelecida uma aliança espiritual, de luta, que não podemos parar, entre a Igreja Católica e os povos amazônicos. Diante disso, os governos, que não respeitam as constituições nacionais e as leis internacionais, continuam fechados ao diálogo com os povos originários, apesar do constante aumento do número de infectados e mortos. Neste sentido, ele diz que não há dados confiáveis, exigindo "ações concretas para enfrentar esta pandemia que não terminará agora".
Conferência online organizada pela Repam. (Imagem: Captura de Tela | Reprodução | Luis Miguel Modino)
O coordenador da COICA pediu a aliança da Igreja, "que todos os católicos, que a Igreja fale da Amazônia, que apóie nossa luta para mudar a realidade de nossos povos". Neste sentido, Diaz Mirabal destacou a importância da Assembléia Mundial para a Amazônia, na qual a Igreja da Amazônia tem participado através da REPAM. Este grito da Amazônia, o líder indígena espera que "se torne uma pandemia de solidariedade, de unidade, de defesa da vida".
Na Amazônia, a Igreja Católica está em movimento, como o rio Amazonas, nas palavras de Pedro Barreto, "a pandemia nos faz estar isolados, mas a dinâmica, espiritual, eclesial, ecológica está em movimento". Junto com isto, seguindo o que é dito na encíclica Laudato Si', o cardeal salientou que "tudo está conectado, desde a Amazônia ao mundo e do mundo aos cuidados da Amazônia e seus povos originários, temos que estar conscientes de que somos parte de uma família, a família humana, para cuidar dos pulmões da Terra".
Naquele momento, a partir de uma reflexão que o levou a afirmar que "sendo um dos pulmões do mundo, aqueles que lá vivem são sufocantes", ele se lembrou de Santiago Manuin, "um homem sábio, alguém que enfrentou as espingardas desarmado e foi cheio de balas assassinas, em Bagua, por defender a Amazônia e os povos amazônicos", alguém que representou os povos amazônicos em seu encontro com o Papa Francisco em Puerto Maldonado. O cardeal afirma que "aqueles que não interessam ao mundo, aqueles que vivem na periferia, Deus os leva em conta primeiro, aqui está a revolução do Evangelho de Jesus".
De fato, Barreto sustenta que "o processo de renovação profunda será iniciado nos pobres, naqueles que não contam para a sociedade, mas contam para Deus, como os protagonistas de uma nova visão". A partir daí, o vice-presidente da REPAM, deixa claro que "a Igreja está comprometida para que os povos amazônicos sejam protagonistas de um desenvolvimento alternativo, um novo caminho que a Igreja e a sociedade como um todo devem viver, um novo modelo de desenvolvimento humano integral".
Para isso, segundo o cardeal, é necessário "convencer-nos de que os povos originários, como reclama o Papa Francisco, têm dignidade, que sua voz seja escutada e que suas propostas ambientais e culturais sejam uma contribuição para este novo caminho da Igreja e da sociedade, onde se pode aspirar a uma maior justiça, e também a uma nova ecologia integral". Para isso é necessário, nas palavras do vice-presidente da REPAM, um processo de "inculturação, encarnação na e a partir da Amazônia e dos povos originários". Não podemos separar a defesa da vida da defesa da casa comum, a Igreja quer acompanhar os povos originários, aqueles que são invisíveis para a sociedade".
De acordo com o cardeal peruano, estas etapas foram concretizadas no Sínodo para a Amazônia, na Conferência Eclesial da Amazônica. Mas acima dessas mediações, Barreto enfatiza "a necessidade de arriscar a vida pelos povos amazônicos", a ponto de afirmar que "os sonhos do Papa Francisco são os sonhos da Igreja e dos povos amazônicos".
O papel da mulher na Amazônia é de singular importância, mas também podemos dizer que a mulher também é um grupo vulnerável, especialmente nesta época de pandemia, segundo Rose Bertoldo, que iniciou sua intervenção lembrando que o webinar foi realizado em 30 de julho, Dia Mundial de enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que no Brasil levou a Igreja a organizar a campanha “Quanto vale a vida?”, em uma tentativa de dar vissibilidade ao enfrentamento ao tráfico.
Segundo a auditora sinodal, a pandemia “tem provocado sofrimento, especialmente para as mulheres e meninas, um sofrimento muito invisibilizado. Para as mulheres que convivem com parceiros agressivos, violentos, que exercem sobre elas maior controle, além de outros tipos de violências ocorridas no espaço familiar, como a psicológica, espancamentos e outras formas de maus tratos, muitas vezes com a certeza da impunidade, esse isolamento tem intensificado a violência de gênero”. No tempo de pandemia mostrou que “o feminicídio se alastra, enquanto os serviços de combate à violência doméstica, que deveria ser um serviço essencial, estão cada vez mais fragilizados”.
Na Pan-Amazônia a primeira ameaça é a naturalização da violência, também a situação precária de saúde e educação. Junto com isso, a exploração de mulheres em atividades extrativistas e ilícitas, como garimpos, a migração forçada, a perca do patrimônio cultural de diferentes culturas indígenas e não indígenas. Segundo a auditora sinodal, “na mesma lógica do capital, que explora e dilapida os recursos, a vida das mulheres se vê submetida a esse mesmo processo de exploração, sendo elas as que mais e melhor cuidam da Casa Comum e dos territórios”. São temáticas presentes no processo sinodal, no documento final e na Querida Amazônia.
Diante dessa realidade, a religosa, que faz parte da Rede um Grito pela Vida, insiste que “a Igreja quer escutar e caminhar com os povos, cuidar da vida. Onde uma mulher é violada em sua dignidade, em seus direitos, é o corpo de Cristo que é violado”. De fato, “onde a Igreja deixou de ser essa presença, aumentou a exploração”, até o ponto de que, especialmente na Amazônia, “não dá para pensar em evangelização sem pensar na questão da violência contra a mulher, o feminicídio, a violência contra jovens, o abuso, a exploração sexual e o tráfico de pessoas que acontece nesses territórios”.
Apesar da pandemia, a Igreja na Amazônia continua caminhando, segundo o cardeal Barreto, em um processo dinâmico, que avançou recentemente com a criação da Conferência Eclesial da Amazônia, a primeira do gênero na história da Igreja, mostrando que o Povo de Deus que está a caminho está presente, sendo formada por bispos, religiosos e leigos. Juntamente com esta nova conferência, com a qual a REPAM tem um papel articulado e complementar, o processo sinodal será continuado, tornando a Igreja presente na Amazônia.
Na verdade, assim como o Amazonas, ele começa muito pequeno, a conferência eclesial também começou muito pequena, afirma o cardeal Barreto, mas pouco a pouco vai colher os frutos. Segundo o vice-presidente da REPAM, "estamos em um tempo de graça, de ilusão, de continuar caminhando juntos, porque estamos no caminho que Deus quer, para dignificar a pessoa dos povos amazônicos e para cuidar da esperança do mundo".
Voltando à temática do enfrentamento ao tráfico de pessoas, a irmã Rose Bertoldo relatava o trabalho desenvolvido no Brasil pela Comissão Episcopal Pastoral Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano (CEPEETH) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que está ajudando a “dar visibilidade a esse crime da violência, da exploração sexual, do tráfico de pessoas, a gente vai rompendo com essa naturalização”. Segundo a religiosa, “a Igreja tem assumido esse tema nas comunidades, fazendo celebrações e trazendo o tema para o debate”.
O objetivo deve ser “sobretudo denunciar, sensibilizar à Igreja e nossos espaços eclesiais com um olhar sensível para que as pessoas denunciem. Ter um olhar novo e ser presença com esse olhar novo nos espaços em que a gente está”, insistindo em que “a Igreja se faz presente em muitos espaços onde o estado não está”. Daí a importância das “pequenas iniciativas de desconstrução dessa violência, fazer a denuncia, acolher as vítimas, quebrar silêncios”.
Gregorio Díaz Mirabal destacou a luta da Igreja por melhores caminhos. Além disso, para o líder indígena "é importante enfatizar que estamos lutando pela natureza, por nossa vida, os povos indígenas e a Amazônia representam 90% da diversidade do planeta". Para Díaz Mirabal, "a relação da mulher com a natureza, com a vida, como mãe, como representação da vida, deve ser respeitada". Mais uma vez ele insistiu no pedido de ajuda do Papa Francisco, da Igreja, para apoio aos povos amazônicos do Peru, que estão em situação de emergência, dirigindo-se neste caso ao cardeal Barreto.
O coordenador da COICA, em resposta à pergunta de uma das participantes do webinar, afirmou que "a economia indígena é uma economia solidária, contrária à economia que dá valor monetário à floresta e ao povo, por esta razão nossa economia não é viável para as empresas e não é valorizada, é invisível". Nesse sentido, ele fez um convite para ver as práticas ancestrais, que tiram da floresta o necessário, para buscar os mecanismos para fortalecer os produtos da floresta, o turismo responsável, Finalmente, ele apelou para "estarmos juntos para despertar a humanidade para que possamos continuar existindo como coletivos, sem deixar de lado os mais fracos".
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Pan-Amazônia em tempos de pandemia, ser uma Igreja que acompanha os invisíveis para a sociedade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU