16 Junho 2020
"A pobreza extrema deve subir para entre 13% e 14,2% e a pobreza entre 33,7% e 35,8%, em 2020, na América Latina. Um dos traços definidores da região, a desigualdade, deve piorar: no momento de forte crise, saem na frente os que podem contar com reservas e redes de apoio", escreve Ana Luíza Matos de Oliveira, economista (UFMG), mestra e doutora em Desenvolvimento Econômico (Unicamp), professora-visitante da FLACSO-Brasil e co-editora do Brasil Debate, em artigo publicado por Brasil Debate, 15-06-2020.
No Brasil, nosso governo terraplanista parece achar que a crise do coronavírus vai acabar na semana que vem.
Não, infelizmente não vai. Nem mês que vem, nem ano que vem.
Neste curto texto, faço um apanhado (não exaustivo) sobre os âmbitos nos quais a pandemia deve ter impactos sociais negativos e duradouros no Brasil, na América Latina e no mundo.
Para a América Latina, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) prevê uma queda de 5,3% do PIB da região, acompanhada obviamente da queda do emprego e do aumento da pobreza. Se a geração de emprego e de renda já não vinham bem na região , a pandemia piora o quadro. Assim, a pobreza e a pobreza extrema na região, que já vinham aumentando desde 2015, devem aumentar ainda mais: a pobreza extrema deve subir para algo entre 13% e 14,2% em 2020 e a pobreza para algo entre 33,7% e 35,8% em 2020.
Com isso, a região se afasta cada vez mais das metas definidas na Agenda 2030 (Objetivos de Desenvolvimento Social – ODS), de chegar a 2030 com somente 3% da população da região em pobreza extrema. Hoje, nem se o PIB per capita da região crescesse 5% ao ano de 2021 até 2030 e o índice de Gini caísse 1,5% ao ano também a partir de 2021 seria possível alcançar a meta de 3%. No máximo, chegaríamos a 5,7%.
(Fonte: Cepal/2020)
(Fonte: Cepal/2020)
A desigualdade de renda deve crescer 3% ou mais, se medida pelo índice de Gini, na Argentina, no Brasil, no Equador, no México e no Uruguai, segundo a Cepal . Assim, um dos traços mais definidores da nossa região – a desigualdade – deve piorar com a pandemia: neste momento de forte crise, saem adiante aqueles que podem contar com reservas, apoios, redes de contato. Os que já se encontravam em maior vulnerabilidade, ficam para trás.
Este é o caso também das desigualdades de gênero e raciais. Migrantes, pessoas com deficiência, pessoas em situação de rua, nas áreas rurais, idosos, entre outros, também devem sofrer mais com os efeitos socioeconômicos da pandemia, ainda mais em um contexto de precariedade das redes de proteção social latino-americanas, muitas delas considerando somente o mercado formal.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) têm alertado que a pandemia pode fazer com que o trabalho infantil aumente no mundo. Antes da pandemia, já 152 milhões de crianças trabalhavam, o que já representava enorme desafio para alcançar uma das metas dos ODS, de acabar com o trabalho infantil no mundo até 2025. Com a coronacrise, a perda de renda e emprego, além do fechamento das escolas, pode levar a uma ampliação do trabalho infantil (seja mais crianças trabalhando, seja as que já trabalham ampliarem as horas). Estima-se que para cada 1 ponto percentual de aumento da pobreza o trabalho infantil aumente 0,7 pontos percentuais. Particularmente em risco, segundo as duas instituições, estão as meninas.
Os jovens são um grupo que, estruturalmente, enfrenta maior vulnerabilidade, menores salários e maior desocupação. Segundo a OIT, 328 milhões (ou 77% dos jovens no mundo) estavam no setor informal, enquanto 60% dos trabalhadores adultos (com mais de 25 anos) estavam na informalidade. Porém, as disparidades etárias podem aumentar com a crise: a OIT tem chamado atenção para os efeitos de longo prazo da crise para a “geração lockdown” , que ficará marcada pela interrupção dos estudos, treinamentos e entrada no mercado de trabalho, bem como pelo desemprego e pela perda de renda. Segundo a OIT, 1 em cada 6 trabalhador jovem já deixou de trabalhar desde o início da crise em todo o mundo.
(Fonte: OIT/2020)
Como ninguém sabe quanto tempo a pandemia vai durar, a OIT tem aconselhado os Estados a se preparem para a nova realidade e estimularem a realização do chamado “home office”. A OIT estima que 1 em cada 6 postos de trabalho no mundo possa ser realizado em casa. Estima-se que, antes da pandemia, já 7,9% da força de trabalho global trabalhava de casa de forma permanente antes da Covid-19, o equivalente a 260 milhões de trabalhadores (e muitos destes são costureiros, artesãos, além de empreendedores, freelancers e empregadores).
Segundo os cálculos da OIT, 18% dos trabalhadores em todo o mundo poderiam trabalhar de casa por ter uma ocupação que o permite e por viver em um país com a infraestrutura necessária (dentre elas, acesso a internet de qualidade, possuir um computador pessoal, ter uma situação de moradia adequada etc.). Porém, dados da Cepal mostram que o acesso à internet banda larga fixa é baixo e muito díspar na América Latina. No Brasil, em 2017, menos de 20% tinham acesso à internet banda larga fixa.
(Fonte: Cepal/2020)
A partir destes pontos, é preciso pensar em respostas. Como agir, ainda que com enorme atraso, para não permitir que a crise amplie ainda mais desigualdades e vulnerabilidades?
Não é difícil imaginar como esse momento de crise pode impactar as trajetórias de muitas pessoas por muito tempo (isso sem nem falar na tragédia sanitária em si e no processo de luto de diversas famílias). Uma criança que é forçada a trabalhar; uma mulher marcada pela violência doméstica; um adolescente cuja família cai na pobreza; um jovem que sai da faculdade e não encontra emprego…
Os impactos negativos da pandemia apontados neste texto têm o potencial de permanecer por muitos anos, marcando as trajetórias de vidas de milhões de pessoas e moldando os caminhos pós-pandemia.
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5 impactos sociais de longo prazo da pandemia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU