05 Junho 2020
Mais de 20 mil hectares foram desmatados na bacia do Xingu entre março e abril. Queimadas podem intensificar sobrecarga dos sistemas de saúde na região, já impactados pela pandemia do novo coronavírus.
A reportagem é de Isabel Harari, publicada por Instituto Socioambiental - ISA, 03-06-2020.
Em apenas dois meses 20.859 hectares foram desmatados na bacia do Xingu, o equivalente a 25 milhões de árvores derrubadas apenas entre março e abril. A explosão do garimpo ilegal e o avanço da pandemia de Covid-19 no Pará e Mato Grosso, estados que compõem a bacia, colocam em risco povos indígenas e populações tradicionais que ali vivem.
Com o final da época das chuvas na Amazônia Legal, o desmatamento tende a crescer e, por consequência, as queimadas e incêndios florestais. Esse quadro pode agravar as condições de saúde na região, já impactada pela disseminação do novo coronavírus pelo país. Ao todo, 88 mortes e 3.875 casos foram confirmados nos 53 municípios vizinhos às Áreas Protegidas do Xingu.
Covid-19 avança no Xingu
Três indígenas Kayapó morreram na última semana vítimas de Covid-19 na Terra Indígena (TI) Kayapó, os primeiros óbitos notificados dentro de uma TI na bacia. Já são 62 casos em cinco aldeias, segundo o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Kayapó, que ainda contabiliza 11 casos suspeitos e 111 notificações em análise.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre agosto de 2019 e maio de 2020, foram detectados 78,4 mil focos de queimadas na Amazônia, maior quantidade que no mesmo período de 2018-2019, quando foram registrados 65,3 mil focos. Só em abril, o número de focos ativos (4,1 mil) foi o maior desde o início da série histórica, em 1998. “É evidente que a intensificação do processo de desmatamento, observado este ano, resultará diretamente em mais eventos de queimadas na Amazônia em 2020”, diz o texto da nota técnica publicada pelo instituto e pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden). [Leia na íntegra]
“A expectativa, seguindo o padrão de longo-prazo, é de que caso não haja uma intervenção incisiva do Estado para coibir os atos ilegais, essas queimadas induzirão o aumento do material particulado emitido para a atmosfera, degradando a qualidade do ar, e, consequentemente, aumentando a incidência de doenças respiratórias na população Amazônica”, diz a nota.
O texto alerta, ainda, que caso o ponto de virada da curva epidemiológica do novo coronavírus não ocorra imediatamente, haverá a sobreposição do pico da pandemia com a estação das queimadas, entre agosto e outubro, o que colocaria o país “em um estado de vulnerabilidade jamais experimentado”. Isso se explica pelo aumento da demanda por tratamento em hospitais e unidades de saúde, sobrecarregando ainda mais os sistemas de saúde.
“Planejamento é crucial para minimizar os impactos antes do problema se concretizar. É preciso usar as informações de inteligência para combater o desmatamento, já temos as tecnologias para identificar áreas, focos e regiões que precisam de ações imediatas. Além disso é necessário um segundo momento de investigação das causas que levam ao desmatamento: quem são os grandes atores que estão por trás”, explica Liana Anderson, do Cemaden, uma das autoras do estudo.
“Nós brasileiros precisamos entender que as terras públicas são nossas, são do povo. Se existe invasão em uma terra pública todos nós estamos sendo roubados. Esse amadurecimento do entendimento do bem público é uma questão de educação, de cidadania”, completa Anderson.
Após operações de fiscalização realizadas pelo Ibama em Terras Indígenas no sul do Pará, as taxas de desmatamento nas TIs Cachoeira Seca, Apyterewa, Ituna Itatá e Trincheira Bacajá apresentaram queda significativa. Essas quatro TIs estão no ranking das mais desmatadas em 2019 na bacia do Xingu e da Amazônia.
Em março e abril, as TIs Apyterewa e Trincheira Bacajá tiveram redução de 40% e 49%, respectivamente, em relação ao mesmo período de 2019. Já na TI Ituna Itatá, o desmatamento zerou no segundo bimestre do ano.
À revelia da tendência de diminuição do desmatamento ilegal, os coordenadores responsáveis pelas operações, Renê Luiz de Oliveira e Hugo Loss, foram exonerados de seus cargos no início de abril.
“As recentes demissões passam um recado claro: o crime organizado está liberado na Amazônia e quem trabalha para combater as atividades ilegais é punido. Os coordenadores responsáveis pelas operações foram demitidos. Por que retirá-los no momento em que eles combatiam o desmatamento ilegal nas Terras Indígenas?”, pondera Ricardo Abad, especialista em sensoriamento remoto do ISA.
Abad reitera que o desmatamento ilegal agora representa uma dupla ameaça “com a disseminação da Covid-19 pelo país, além de destruírem a floresta, os invasores podem contaminar os povos indígenas e populações tradicionais”.
Com 502 hectares desmatados nos primeiros quatro meses de 2020, sendo 170 ha só em abril, a Terra Indígena Kayapó enfrenta o recrudescimento do garimpo ilegal.
A TI está entre as Áreas Protegidas com atividade garimpeira mais antiga, com início no começo da década de 1980. A partir de 2015, a atividade garimpeira se acelerou, principalmente no seu limite nordeste, às margens do rio Branco. Até hoje, mais de 11 mil ha já foram desmatados na Terra Indígena Kayapó, provocando danos irreparáveis ao meio ambiente e aos indígenas.
Somente em 2019, mais de 1,7 mil hectares foram desmatados pela atividade garimpeira, que se aproxima cada vez mais das aldeias. Após um ano sem fiscalização, uma operação ao norte da TI aconteceu em abril, pouco antes da exoneração dos coordenadores de fiscalização do Ibama. A incerteza da continuidade de ações efetivas de combate à atividade ilegal preocupa a comunidade Kayapó e parceiros.
Em março e abril o desmatamento na APA Triunfo do Xingu voltou a subir, concentrando 90% de todo o desmatamento em Unidades de Conservação da bacia. Ao todo, 4.718 ha de floresta foram derrubados, um aumento de 57% em relação ao mesmo período em 2019. No ano passado a APA foi a campeã de desmatamento entre todas as Áreas Protegidas no Brasil, com cerca de 36 mil hectares de floresta destruídos.
A Floresta Nacional (Flona) de Altamira também registrou alta no desmatamento, com 516 ha de floresta derrubados no segundo bimestre do ano, 231% a mais que nos dois meses anteriores. Além de duas frentes de garimpo situadas nas regiões oeste e noroeste do seu território, invasões ilegais seguem atuantes impunemente na porção sul da Unidade de Conservação.
Os dados são do 18º boletim Sirad X, o sistema de monitoramento de desmatamento da Rede Xingu +, uma articulação de indígenas, ribeirinhos e seus parceiros que vivem ou atuam na bacia do Xingu.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Aumento de desmatamento e queimadas deve piorar crise de Covid-19 no Xingu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU