01 Mai 2020
Já sabemos que essa pandemia provocou um desastre sanitário e econômico a nível global. Mas quão desastroso é esse desastre? Uma maneira de responder é compará-lo com o que aconteceu no passado. E para isso é fundamental procurar um historiador. Se possível, especializado em economia. E se é um dos melhores e mais respeitados do mundo, melhor. Como Adam Tooze. Ainda que não tenha boas coisas para dizer.
“A Covid-19 é o choque econômico mais dramático e repentino que a maioria de nós jamais viverá”, disse o famoso professor britânico, de sua casa, em Nova York, onde está em quarentena. Esclarece que pode ser que nós, argentinos, tenhamos um pouco mais de treinamento nesses conflitos econômicos, mas que, mesmo assim, essa crise “recalibra tudo o que pensávamos que sabíamos sobre a dinâmica da economia moderna”.
Tooze se baseia no fato de que enfrentamos “a irrupção mais abrupta da atividade econômica da história”, que combina com o seu alcance planetário. “Cem anos atrás, quando a pandemia de gripe golpeou, em 1918-1919, não houve reação equivalente”, recorda, o que é positivo, embora com seu lado nocivo: “Essa decisão coletiva e quase universal está causando uma enorme disrupção”.
Autor de vários livros premiados e reconhecidos entre os melhores de cada ano em que foram publicados, Tooze lecionou em Cambridge e Yale, antes de ancorar na Universidade Columbia, onde é uma fonte de referência analítica. Por exemplo, para vislumbrar os efeitos da pandemia em países ricos ou pobres. Ou o impacto no petróleo. Ou nos mercados financeiros. Ou na Europa, onde vê “uma situação potencialmente explosiva”.
No entanto, ressalta, uma das dificuldades centrais da tempestade que enfrentamos não passa pela tempestade em si, mas por como reagimos a ela. “Me intriga a forma como a economia global poderá retomar os trilhos, dados os componentes políticos e econômicos diversos e incoerentes entre si que temos”, explica. O que significa isso? Que a resposta global virá a conta-gotas, estima. E por isso e mais, “o pior está por vir”.
A entrevista é de Hugo Alconada Mon, publicada por La Nación, 29-04-2020. A tradução é do Cepat.
Comecemos pelo básico: essa pandemia global modificou sua agenda de pesquisa?
Revirou-a por completo. Estava trabalhando em um livro sobre a economia política da mudança climática. Ainda é importante, mas terei que voltar a ele depois que passar essa emergência. O fechamento total causado pela Covid-19 é o choque econômico mais dramático e repentino que a maioria de nós jamais viverá, embora talvez não seja tanto assim para a Argentina. Recalibra tudo o que pensávamos que sabíamos sobre a dinâmica da economia moderna. Então, quando voltar ao estudo da economia política da mudança climática, farei isso com novos olhos. Tudo o que costumávamos descartar como impossível ocorreu, na ocasião, com custos enormes. Para começar, o coronavírus desmentiu o mito de que a economia sempre deve vir primeiro. E, como expressei em uma coluna para o The Guardian, não deveríamos nos cansar de nos fazer uma pergunta: quais restrições econômicas são reais e quais imaginárias?
Apoiado em seus extraordinários conhecimentos sobre como o poder opera na história moderna e em particular no que expressou em alguns de seus livros, como ‘Crashed’, como uma década de crise financeira mudou o mundo? Qual é a sua avaliação sobre a gravidade da situação atual?
Sem dúvida, é a interrupção mais abrupta da atividade econômica da história. Mais de 20% dos trabalhadores de um estado industrial como Michigan, onde fica Detroit, ficaram desempregados em um único mês. Isso não tem precedentes. Também é a crise mais abrangente que já vimos. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 81% da força de trabalho do mundo - cerca de 2,7 bilhões de pessoas - trabalham em países que têm algum tipo de fechamento ou quarentena. Mas ainda não está claro como isso terá impacto em termos internacionais.
Porque a crise alcança a todos, mas terá efeitos muito diferentes nos países ricos ou pobres, ao mesmo tempo em que beneficiará os consumidores de petróleo. E o impacto nos mercados financeiros é mais severo para os mercados emergentes. E o vírus atingiu a China primeiro, mas também está se recuperando mais cedo. Resulta um panorama muito amplo, embora já possamos ver facilmente que isso pode provocar conflitos internacionais sobre comércio, migração e avanços científicos, por exemplo.
Mas, ao mesmo tempo, essa crise se desenvolve com tanta facilidade e os problemas domésticos são tão graves que também levará tempo para que essas tensões se desenvolvam. Acredito que é na Europa, e nas políticas da zona do euro em particular, onde se dará mais rápido uma situação potencialmente explosiva. E tampouco está claro como o esforço de solidariedade será organizado para os países mais atingidos.
Dado esse horizonte sombrio, acredita que exista alguma lição que aprendemos do passado que podemos aplicar a essa pandemia?
Sim. Em termos de técnicas para lidar com crises financeiras, por exemplo, os bancos centrais aprenderam muito de 2008. O Federal Reserve tinha um “manual” que agora desenvolveu. Muitas das pessoas que agora são chaves já estavam em seus cargos em 2008. Também já existiam os esquemas de compra de ativos, por exemplo, além de instrumentos para aportar liquidez em dólares ao sistema global.
O que mais o preocupa, nesses dias? A ausência de uma resposta multilateral coerente? Ou talvez Donald Trump, a quem já contrastaram com Franklin Delano Roosevelt, Winston Churchill e Charles De Gaulle?
Preocupa-me a situação interna nos Estados Unidos, sim. A crise social e econômica para a qual está avançando é extremamente profunda. Os Estados Unidos não têm um Estado de bem-estar social que ajude seus cidadãos em crises como essa. Dezenas de milhões perderão sua cobertura de saúde. A crise fiscal no nível dos governos estaduais será muito profunda. Isso terá implicações dramáticas para a política estadunidense.
Também me preocupa a coerência europeia. Não pode ser descartada uma crise italiana. E sim, é claro, também me intriga a forma como a economia global poderá retomar os trilhos, dados os componentes políticos e econômicos tão diversos e incoerentes entre si que temos. Insisto em algo que já expliquei na London Review of Books: o pior está por vir.
Vamos retroceder. Há algo que queira destacar e que considere esperançoso nesta crise global? Talvez a forma como os Estados Unidos e a Europa tenham conseguido acalmar o pânico financeiro, por exemplo.
Como já disse o presidente Emmanuel Macron, em sua dramática entrevista concedida ao Financial Times, considero que é notável como os governos de todo o mundo decidiram tomar medidas drásticas para salvar a vida dos setores mais vulneráveis. Isso pode ser dito da grande maioria – se não de todos – dos governos. Cem anos atrás, quando a pandemia de gripe golpeou, em 1918-1919, não houve uma reação equivalente.
Também é verdade, é claro, que essa decisão coletiva e quase universal está causando uma enorme disrupção. Parte do dano será muito severo e estamos muito longe de ser capazes de contê-lo por completo. Mas em áreas como os mercados, os países no centro do sistema global, sim, têm a capacidade de aplainar a curva do pânico financeiro. Esse poder é real e permite decisões dolorosas, mas necessárias para proteger a saúde pública.
Mencionamos, antes, Trump e os Estados Unidos. A chanceler alemã Angela Merkel é capaz de compensar o vazio deixado por Washington, na arena internacional, para lidar com esse contexto global?
Infelizmente, perdeu-se uma oportunidade para impulsionar uma mudança global decisiva, na reunião de primavera do FMI e do Banco Mundial. O encontro não acabou em desordens, mas foi bloqueada qualquer proposta para aumentar seriamente os recursos do Fundo. Isso aconteceu como resultado das tensões ocultas entre o governo Trump e o Partido Republicano no Congresso. Essas tensões não explodiram em público como muitos temiam, mas funcionam como um fator inibitório. Enquanto isso, entre os europeus, a França tem sido o país que mais mostrou liderança até agora, embora tenha feito pouco. Parece que a resposta global virá a conta-gotas. Até a China mostrou pouco apetite para impulsionar iniciativas substanciais.
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“O vírus demoliu o mito de que a economia sempre deve vir primeiro”. Entrevista com Adam Tooze - Instituto Humanitas Unisinos - IHU