17 Abril 2020
A filósofa Martha Nussbaum explica em seu livro Monarchy of Fear que “estamos pré-condicionados a evitar e temer a morte”, algo que se utilizado para atiçar interesses políticos pode destruir a democracia. Crises como a provocada pela pandemia do SARS-Cov-2 pode nos levar ao autoritarismo e o receio do outro, ainda que, na opinião da pensadora, existam mais razões para o otimismo do que para lamentação.
Em sua avaliação, esta crise está ressaltando a necessidade de promover a verdadeira igualdade, de corrigir o desprezo ao depreciado Governo Federal como grande facilitador da solidariedade entre estados e de colocar o valor nas pequenas coisas que não apreciávamos tanto na vida cotidiana.
Não obstante, dessa nova cotidianidade, a professora da Universidade de Chicago e Prêmio de Astúrias 2012, que continua dando aulas diariamente de sua reclusão domiciliar – a de todos -, elimina uma coisa: as videoconferências. “Não quero mais conferências no Zoom. Passo o dia em frente ao computador com os alunos”, lamenta.
A entrevista é publicada por Ultima Hora, 16-04-2020. A tradução é do Cepat.
Em seu livro ‘Monarchy of Fear’, você argumenta que as crises e momentos de incerteza podem atuar como amplificadores de medos, ódios e invejas e colocar em risco nossas democracias. Esta pandemia coloca em risco os sistemas democráticos ao redor do planeta?
Esta crise está provocando um maior medo e isso, em retorno, pode provocar um desejo de buscar o conforto de um líder poderoso, colocando as democracias em risco. Mas, na realidade, eu não vejo que isso esteja acontecendo. O que vejo em meu país é um saudável desejo pela coordenação que está corrigindo de forma exitosa o mito de que não precisamos de um Governo Federal. As pessoas veem que é absurdo que os estados concorram entre eles por material e isto reativa o desejo de uma democracia social, de um novo New Deal, onde essencialmente as necessidades das pessoas são a verdadeira missão de um governo federal forte.
Não obstante, alguns países estão aproveitando para impor maiores controles sobre a população, com a justificativa de que ajudam a conter a epidemia, enquanto alguns colocam autoritarismos como o chinês como exemplo de resposta eficaz ao vírus. Concorda com isto?
Em outros lugares, sim, vejo a utilização desta crise como uma desculpa para fazer uso de poderes extraordinários: (Benjamin Netanyahu) em Israel, (Viktor Orbán) na Hungria, (Narendra Modi) na Índia. Mas todos estes governantes sem princípios terão resistência democrática (frente a eles). Não vejo uma tendência a resistir as democracias em outras partes da Europa. Em relação ao que disse, que alguns admiram a China, acredito que os jornais estão cheios de críticas ao modo como a China ocultou a verdadeira dimensão da crise, algo que é possível pela falta de imprensa livre.
Em seu livro, cita Adam Smith, quando diz que “é difícil para as pessoas sustentar uma preocupação pelos outros a distância”. Acredita que esta crise coloca em risco a empatia?
Estamos basicamente na situação sobre a qual Smith falava. Em uma crise global, temos grande simpatia até que a crise chegue aos nossos lares. É importante resistir esta tendência da mente, construindo hábitos sólidos de leitura sobre os outros e nos comunicar com eles. Tenho amigos em muitos lugares e tento me manter em contato.
Qual é a sua opinião a respeito daqueles que como Donald Trump chamam o novo coronavírus de “vírus chinês” ou que espalham o rumor de que é um vírus criado pelos Estados Unidos, conforme estimularam funcionários chineses?
As pessoas acreditam em qualquer lixo. A expressão “vírus chinês” provocou discriminação de asiáticos-americanos em meu país. Há uma longa história do que chamavam de “perigo amarelo”, que classificava os asiáticos como uma doença em si mesmos. Sendo assim, essa expressão reaviva uma história de racismo, mas não acredito que a maioria caia nisso. As pessoas tentam culpar os outros pelas catástrofes e rejeita ajudá-los. A boa política deve resistir a essa tendência.
Como podemos tornar esta crise uma oportunidade?
Acredito que é uma chamada de atenção para corrigir a desigualdade de nosso sistema de saúde, assim como as desigualdades em moradia e nutrição. Em Chicago, 70% das mortes são de afro-americanos ou latinos, já que a doença percorre as fronteiras do cuidado inadequado da saúde, do aceso inadequado à alimentação, etc. Agora, temos tempo para pensar e todos deveríamos pensar bem.
Martha Nussbaum (maio de 1967, Nova York) é filósofa, autora e docente com distinção de Lei e Ética, na Universidade de Chicago. Também lecionou na Universidade Brown e na Universidade Harvard. A filosofia política, a ética e o feminismo são alguns temas de seu interesse.
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“A pandemia de Covid-19 reativou o desejo de uma democracia social”. Entrevista com Martha Nussbaum - Instituto Humanitas Unisinos - IHU