20 Fevereiro 2020
Annegret Kramp-Karrenbauer, ministra da Defesa da Alemanha, concorda com os que propõem mudanças radicais à Igreja Católica de Roma no país.
A reportagem é de Donald Snyder, publicada em National Catholic Reporter, 19-02-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Kramp-Karrenbauer, de 57 anos, também conhecida como “AKK” na imprensa alemã e membra da União Democrática Cristã – UDC, disse a jornalistas em 3 de fevereiro que deseja ver muito mais mulheres no comando da Igreja, a começar pelo ministério de diaconia.
“E sou favorável à abolição do celibato. Isso ajudaria a termos mais pessoas com vontade de servir a Igreja”, disse ela, acrescentando que a decisão de viver sem uma família representa um obstáculo aos que querem dedicar sua vida à Igreja.
Também membro da UDC, Heribert Hirte disse, em entrevista por telefone, que AKK entrou em um campo minado político quando pediu o fim do celibato no sacerdócio. Hirte explicou que a Igreja se opõe a intervenções políticas como essa em seus assuntos internos. Mesmo assim, ele elogiou Kramp-Karrenbauer pela coragem em fazer uma declaração pública.
Hirte, católico, falou que as mulheres estão ficando cada vez mais impacientes enquanto esperam a Igreja lhes dar um papel maior. E um número também cada vez maior de alemães não se importa, segundo ele, com religião.
De acordo com um recente relatório, desde 1990 a Igreja Católica na Alemanha perde anualmente 100 mil membros registrados. Mais de 216 mil deixaram a instituição em 2018. Existem 23 milhões de católicos na Alemanha em uma população de cerca de 82 milhões. O restante da população é predominantemente protestante.
As opiniões de Kramp-Karrenbauer apoiam aquelas dos católicos progressistas que acreditam que mudanças importantes se fazem urgentemente necessárias para que este abandono de fiéis seja interrompido.
Um encontro histórico entre bispos e leigos, chamado Caminho Sinodal, encerrou-se em Frankfurt no último dia 1.º de fevereiro. Organizado pela Conferência Episcopal da Alemanha e pelo Comitê Central dos Católicos Alemães, o evento foi pensado buscando evitar leis e regras que se aplicam aos sínodos e conselhos da Igreja, em geral mais formalizados. A intenção foi começar algo novo e menos engessado por normas externas.
Entre as perguntas consideradas no Caminho Sinodal estão: A Igreja Católica precisa de uma nova moralidade sexual? Será que a Igreja alemã não precisa encarar a ordenação feminina? A Igreja alemã deve dar adeus ao celibato obrigatório?
O impulso original para este diálogo foi a preocupação advinda do escândalo de abuso sexual documentado em um relatório de 2018, o qual foi imediatamente atacado por católicos conservadores, como o bispo de Regensburg, Dom Rudolf Voderholzer, que acusou o estudo de não ser científico e nem profissional.
“Foi apenas um desafio à contribuição do estudo realizado e uma tentativa de desfazer o encontro de Frankfurt”, disse Philipp Gessler, morador de Berlim e ex-editor de religião na Deutschlandfunk, rádio pública alemã. Gessler é o autor de três livros sobre religião.
Matthias Drobrinski, escritor que aborda temas religiosos, relatou a gravidade do problema dos abusos sexuais em artigo no Süddeutsche Zeitung, um dos principais jornais da Alemanha.
O seu texto incluiu o relato de um jovem transexual que falou em Frankfurt diante de uma plateia de 230 pessoas, contando os abusos sexuais que sofreu cometidos por um padre. Houve um breve silêncio depois que o jovem concluiu sua apresentação. Em seguida, o público se levantou e o aplaudiu de pé.
Segundo Drobrinski, raramente um espaço da Igreja alemã incentiva um diálogo aberto como este.
Drobrinski descreve uns dos muitos pedidos de reforma manifestados durante o evento. O professor de teologia Eberhard Tiefensee chamou a crise pela qual muitos padres passam de “uma ferida purulenta”. Dom Franz-Josef Bode, da Diocese de Osnabrück, expressou que os padres devem poder decidir levar, ou não, uma vida celibatária. Dom Georg Bätzing, da Diocese de Limburgo, disse ser favorável a uma mudança na educação sexual católica. Dom Stefan Hesse, da Arquidiocese de Hamburgo, falou que a Igreja deve dar mais respostas sobre a homossexualidade e tratar os homossexuais com respeito.
Por outro lado, bispos católicos conservadores advertiram contra uma tal busca de mudanças na instituição. Liderados por Voderholzer e pelo Cardeal Rainer Maria Woelki, da Arquidiocese de Colônia, estes prelados argumentaram que o escândalo de abuso sexual não deveria levar ao fim do celibato e à ordenação de mulheres.
Woelki se referiu à assembleia como uma espécie de parlamento protestante. O cardeal-arcebispo Reinhard Marx, de Munique e Freising, repreendeu Woelki por empregar o termo “protestante” de uma maneira antiecumênica. Marx é o presidente da Conferência Episcopal da Alemanha.
O Cardeal Walter Brandmüller chamou de hereges os que defendem a ordenação feminina ao sacerdócio, dizendo que deveriam ser excomungados.
De acordo com Gessler, clérigos conservadores foram derrotados, repetidas vezes, nas votações por uma margem de 80 a 90% quando tentaram as regras que limitavam as discussões. “Isso mostrou o pouco poder que eles têm quando confrontados por representantes de todos os católicos, e não apenas por aqueles que pensam da mesma forma que eles”, disse ele.
Alguns participantes do Caminho Sinodal mostraram-se cientes de que este espaço pode ser a última oportunidade de a Igreja alemã recuperar sua credibilidade perdida, disse Gessler, observando que décadas de abuso sexual infantil desfizeram sua imagem em nível nacional.
As perspectivas de continuidade deste diálogo são boas. Franz-Josef Bode descreveu o Caminho Sinodal como uma grande oficina para o futuro da Igreja, na qual conversas desse tipo podem acontecer ao longo das gerações.
Os debates sinodais serão retomados em setembro e acabarão no fim de 2021.
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Ideias reformistas ganham força no Caminho Sinodal alemão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU