05 Dezembro 2019
Há uma crescente insatisfação com a Igreja Católica na Alemanha, enquanto a Igreja começa um “caminho sinodal” voltado para a renovação.
A reportagem é de Donald Snyder, publicada em National Catholic Reporter, 04-12-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mais de 200.000 católicos abandonaram a Igreja em 2018, de acordo com a Conferência dos Bispos da Alemanha. Essa queda nos números continua uma tendência que já dura há anos.
“As estatísticas atuais são preocupantes”, disse o padre jesuíta Hans Langendörfer, secretário da Conferência dos Bispos da Alemanha em um comunicado. “Não há nada a esconder sobre os números. Eles confirmam uma tendência que tem moldado a Igreja nos últimos anos.”
“Se essa evasão em massa continuar nesse ritmo, uma minoria de alemães será frequentadora da Igreja daqui a cinco a dez anos”, disse Philipp Gessler, ex-editor de religião da Deutschlandfunk, a rádio pública nacional da Alemanha. Pela primeira vez em 1.000 anos, a maioria dos alemães não terá qualquer religião, disse ele.
A crescente secularização está erodindo a filiação tanto na Igreja Católica quanto na Igreja Protestante. Atualmente, existem aproximadamente 23 milhões de católicos e 21 milhões de protestantes na Alemanha, cuja população é de 83 milhões.
O que contribui com o declínio dos números na Igreja Católica da Alemanha é a sua falha em lidar com o abuso sexual, com padres abusivos que escapam da punição em 60% dos casos. De acordo com a Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha, o fracasso em lidar com as consequências dos mais recentes escândalos nacionais de abuso sexual descobertos desde 2010 pode estar contribuindo para a ascensão do afastamento.
Nas últimas décadas, mais de 1.600 padres cometeram dezenas de milhares de agressões contra milhares de vítimas. Esses abusos foram silenciados e ignorados até que um estudo da Conferência dos Bispos da Alemanha de 2018 revelou a magnitude do escândalo.
Mas o impulso para uma mudança real – a voz mais alta para uma transformação da Igreja – vem das mulheres católicas que não estão mais dispostas a aceitar um papel subordinado em uma Igreja dominada por homens.
“A tristeza que as mulheres tiveram que suportar devido ao poder dos clérigos foi grande demais, e a esperança de uma mudança real, pequena demais”, disse Mechthild Heil por e-mail, observando que muitas mulheres deram as costas à Igreja. Heil é a líder da Associação das Mulheres Católicas da Alemanha e membro do Partido da União Democrata-Cristã, da chanceler Angela Merkel no Bundestag.
Heil pede uma plena igualdade entre homens e mulheres, e o acesso das mulheres a todos os ministérios da Igreja. “Isso inclui todos os ministérios ordenados e os ministérios de governo”, disse ela.
Esse descontentamento das mulheres foi ressaltado em maio passado, quando o movimento de mulheres católicas de base Maria 2.0 celebrou seus próprios ritos, sem padres, do lado de fora das igrejas católicas em 50 cidades da Alemanha. De 11 a 18 de maio, as mulheres participantes não entraram nas igrejas nem realizaram trabalho voluntário em suas paróquias, a fim de divulgar como as igrejas ficam vazias sem as mulheres.
Ruth Koch, líder do Maria 2.0, pediu ao Vaticano que abra o sacerdócio para as mulheres e abandone o requisito do celibato para os padres. Em uma entrevista por telefone em sua casa em Münster, no noroeste da Alemanha, Koch explicou que o movimento escolheu o nome “Maria” porque ela é a mulher mais importante da Bíblia. O termo “2.0” refere-se a uma versão nova e moderna.
“Precisamos de uma nova maneira de olhar as mulheres católicas na Igreja Católica e atualizar a imagem das mulheres”, disse Koch.
Uma imagem no site do movimento mostra a Virgem Maria com uma fita adesiva na boca, reduzida ao silêncio.
Maria com a boca tapada por uma fita adesiva (Foto: Maria 2.0)
“Jesus tratou todas as pessoas da mesma forma, e a Igreja clerical deveria olhar para o seu modo de ver e voltar a isso”, disse Koch.
“Queremos tornar conhecido o grande desejo de que as mulheres sejam tão dignas quanto os homens e de que elas precisam ser tratadas da mesma forma”, disse ela, acrescentando: “A Igreja Católica não faz isso”.
Em uma carta aberta ao Papa Francisco no ano passado, assinada por mais de 34.000 seguidores do movimento, o Maria 2.0 expressou seu pesar por todos os casos conhecidos e desconhecidos de abuso na Igreja Católica Romana e pela ausência de pedidos de desculpa plausíveis e de ajuda às vítimas. O movimento convocou a Igreja a:
- negar cargos àqueles que prejudicaram outras pessoas ou que toleraram ou acobertaram irregularidades;
- entregar todos os agressores aos tribunais seculares e a cooperar com todos os processos;
- permitir que as mulheres tenham acesso a todas as funções da Igreja;
- abolir o celibato obrigatório;
- alinhar a moral sexual da Igreja com a realidade.
Koch disse que muitos padres apoiam o movimento Maria 2.0.
O Pe. Stefan Jürgens, que atuou como pároco na Igreja da Santa Cruz, em Münster, da qual Koch participa, disse estar feliz com o surgimento do Maria 2.0. “Suas fundadoras são muito espiritualizadas e estão defendendo o Evangelho com muita credibilidade”, disse ele.
O progresso das mulheres católicas tem sido lento devido às gritantes divisões entre os bispos, disse o padre jesuíta Klaus Mertes. Segundo Mertes, há um grande grupo entre os 69 bispos que mantém fortes laços com o Vaticano e que se opõe veementemente à ordenação de mulheres. Até mesmo falar sobre essa mudança é tabu. Ao mesmo tempo, Mertes se sente encorajado pelas vozes crescentes de bispos mais liberais, como Dom Gerhard Feige, bispo de Magdeburg, no leste da Alemanha, que indicou que não se sente mais convencido pelos argumentos contra a ordenação de mulheres.
Mertes acredita que o movimento Maria 2.0 está desempenhando um papel importante na promoção da participação ampliada das mulheres na vida da Igreja. Mertes foi um dos nove signatários de uma carta aberta ao cardeal de Munique, Reinhard Marx, publicada em fevereiro no jornal Frankfurter Allgemeine, pedindo a ordenação sacerdotal de mulheres e o fim do celibato sacerdotal obrigatório.
Matthias Kopp, diretor de comunicações e porta-voz da Conferência dos Bispos da Alemanha, disse que a conferência decidiu em sua assembleia plenária de 2019 a embarcar em um caminho sinodal junto com o Comitê Central dos Católicos Alemães.
De acordo com Kopp, um caminho sinodal se distingue de um sínodo, que é definido pelo direito canônico, requer a aprovação da Santa Sé e implica um longo processo. Um caminho sinodal, por sua vez, inicia um debate concentrado sobre os desafios atuais e “possibilita descobrir um ‘horizonte estendido’ que abre novos espaços nos quais ações inovadoras podem ser tomadas”.
Mas as mulheres católicas alemãs consideram que poucas mudanças surgirão do caminho sinodal e das discussões das mesas-redondas, que começaram no dia 1º de dezembro em Munique com uma procissão de velas e uma missa especial. A primeira reunião da assembleia sinodal será realizada em Frankfurt, no dia 30 de janeiro de 2020.
“O encontro dos bispos em dezembro é uma espécie de turnê para dar às pessoas a ilusão de que a Igreja na Alemanha pode mudar”, disse Christiane Florin, editora de religião da Deutschlandfunk, em entrevista por telefone. “A maioria dessas mesmas pessoas disse em 2010 que ignorava o que estava acontecendo em relação aos abusos sexuais na Igreja. E agora, em 2019, eles dizem que devemos conversar seriamente sobre as mudanças. Eu acho que o que eles dizem agora não é confiável.”
Kopp defende o caminho sinodal como um modo de mudar, citando o cardeal Marx: “A fé só pode crescer e se aprofundar se nos libertarmos dos bloqueios de pensamento, se enfrentarmos o debate livre e aberto, e desenvolvermos a capacidade de assumir novas posições e de seguir novos caminhos”.
Os críticos argumentam que, como os bispos não podem ser derrotados nas votações, as mudanças reais podem não ser alcançadas. Embora percebendo a natureza vinculante das descobertas do caminho sinodal como uma responsabilidade de todos os oficialmente envolvidos, Kopp reconhece que a Sé Apostólica decide sobre a implementação de decisões de relevância universal para a Igreja e, portanto, a Igreja alemã não pode estabelecer suas próprias regras para assuntos que dizem respeito à Igreja universal.
“Não existe nenhum ‘caminho especial alemão’ separado de Roma”, disse ele.
Os quatro fóruns do caminho sinodal são:
- poder e separação de poderes na Igreja – participação e envolvimento conjuntos na missão;
- vida em relacionamentos sucessivos – viver o amor na sexualidade e na parceria;
- existência sacerdotal hoje;
- mulheres em ministérios e ofícios na Igreja.
Segundo Kopp, as exigências do Maria 2.0 de que as mulheres desempenhem um papel expandido e igual na Igreja são uma questão de relevância universal da Igreja que não pode ser decidida pela Igreja alemã.
“Mas podemos refletir e discutir o tema”, diz ele.
O Maria 2.0, ao querer manter sua independência, não planeja participar das discussões do caminho sinodal.
“Na minha opinião, o Maria 2.0 é uma iniciativa muito importante. Trata-se de um trabalho profético”, disse Gessler, da Deutschlandfunk. “Porque não sabemos como Deus atua, no fim das contas. Eu acho que um dia haverá mulheres sacerdotes na Igreja Católica – pode não ser enquanto eu estiver viva. E, então, podemos olhar para grupos como o Maria 2.0 e ver que essas mulheres corajosas lutaram por esse objetivo, e agora nós o alcançamos.”
Koch disse que continua sendo uma católica comprometida, apesar da estrutura eclesial dominada por homens.
“É necessário permanecer e ser persistente em exigir mudanças, porque a ‘casa eclesial’ está em um péssimo estado, maltratada e obsoleta, mas é a nossa casa”, explicou ela. “E, se a sua casa estiver suja e precisar de reformas e de ar fresco, você não vai simplesmente se mudar, mas começará a espanar, limpar e a abrir janelas para deixar entrar a luz do sol e o ar fresco.”
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Mulheres católicas alemãs pedem mudanças durante “caminho sinodal” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU