20 Fevereiro 2020
Padres casados e mulheres diáconas, dois temas "que distraem" que reduziram o amplo escopo do Sínodo e desviaram o olhar do foco principal: a denúncia de um "modelo extrativista destrutivo" que gradualmente aniquila o pulmão do mundo que é a Amazônia. Mauricio López, secretário executivo da Repam, comenta as reações à exortação pós-sinodal do papa "Querida Amazônia": "Por um lado, um conservadorismo que pretende que nada mude, que seja protegido um certo modelo de Igreja, de governo e de poder. Por outro, grupos de pessoas que não vivem e trabalham na Amazônia, mas assumem uma posição ideológica que não reflete as necessidades do nosso território. Ambos são extremos com posições no limite do fundamentalismo”.
A entrevista é de Salvatore Cernuzio, publicada por La Stampa, 19-02-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como foi recebida a exortação de Francisco na Amazônia? É verdade, como se fala do outro lado do mundo, que há uma decepção por uma falta de abertura à questão dos viri probati?
Com todo o respeito, mas me parece que aqueles que ficaram desapontados com a exortação do Papa nada entenderam do processo sinodal, ou vivem completamente fora da realidade, longe dos rostos concretos daqueles que apoiaram esse processo. Vimos uma obsessão de ambos os lados sobre esse tema, bem como sobre aquele do diaconato feminino, que são, sim, questões importantes, mas não essenciais, para o sucesso do Sínodo. A partir do processo de escuta conduzido em nível territorial, a demanda que chegou ao Papa foi muito mais ampla, ou seja, ampliar as perspectivas da ministerialidade para sustentar a missão nesse território. Ou seja, a visão de uma Igreja mais sinodal que explora âmbitos ministeriais que não existiam ou que, se existiam, eram pouco desenvolvidos, a fim de responder às necessidades específicas do território que são tantas e urgentes. Reduzir tudo à abertura aos ‘padres casados’ e às ‘mulheres diáconas’ era uma maneira de distrair o que era realmente essencial.
E o que era essencial?
A ecologia integral, a urgência da crise climática, a mudança no modelo de desenvolvimento ... Todos temas discutidos amplamente no plenário, mas anulados uma vez fora e agora com comentários à ‘Querida Amazônia’.
Mas quem é que coloca essa estratégia de distração em ação?
A agenda das mídias, apoiada pelo interesse em proteger o status quo do modelo extrativista destrutivo, teve um papel enorme em causar confusão na opinião pública. A aposta em jogo é alta. O que aconteceria se um milhão e 300 mil católicos levassem a sério as indicações de Laudato Si' e com a transformação desejada pelo Sínodo amazônico? O mundo mudaria e os poderes e os interesses particulares tremeriam.
Tudo parece muito abstrato ...
Mas não é. Basta ver o que veio dos Estados Unidos e do Brasil antes, durante e depois do Sínodo: uma verdadeira oposição para impedir a reflexão sobre temas fundamentais aos quais os interesses estratégicos e geopolíticos estão ligados. O medo foi instilado nas pessoas: dizer que a identidade da Igreja e os valores tradicionais estão sendo perdidos produz uma poderosa reação emocional. Foi o que aconteceu com a história da Pachamama, a ideia da Igreja pagã e assim por diante ... Tudo isso acontecia fora do auditório do Sínodo, lá dentro nos sentíamos abalados pelas críticas a um modelo capitalista neoliberal que não tem futuro, por uma ‘cultura do descarte’ que está sufocando nossa casa comum, começando pela Amazônia. Entendo que esse tipo de denúncia influi nos bolsos daqueles poucos que acumulam sem limites. O Papa teve a coragem de ouvir tais instâncias e assumi-las, por isso foi atacado por quem tem poder, mesmo por setores católicos concentrados no norte do mundo, onde de fato se registram as ‘comemorações’ e as decepções pela falta de uma abertura explícita aos padres casados.
O que é, na sua opinião, a verdadeira novidade deste documento do Papa?
O fato de que um papa empurre em direção a uma ecologia integral que se traduza na defesa do território, nos direitos dos povos indígenas, em uma opção preferencial pela casa comum, em uma Igreja muito mais intercultural, dialogante e não colonizadora que reconhece seus erros e pede perdão e vai formar uma aliança com os povos para caminhar juntos, valorizando sua espiritualidade. O Papa Francisco fez com que a Amazônia se tornasse um lugar teológico. Isso abre caminho para que a mesma reflexão possa surgir em outros biomas do mundo e seja possível responder juntos aos desafios da missão da Igreja além das estruturas tradicionais. A periferia invade o centro e o ilumina, o ajuda a se transformar. Essa periferia está claramente representada na ‘Querida Amazônia’.
Pode-se dizer que todos os objetivos de vocês que vivem e trabalham na Amazônia foram alcançados?
Sim. Houve uma reação de profunda esperança por parte dos atores territoriais, tanto eclesiais quanto dos povos originais da Amazônia, porque se sentiram ouvidos, viram que sua voz influiu nas resoluções do documento. Se forem purificadas as intenções e superadas as visões fundamentalistas, todos conseguiremos entender que o Sínodo é um processo que leva ao futuro, à possibilidade de uma nova vida para a Amazônia, para os povos que ali vivem, para o planeta e para a igreja toda. Também o tema específico dos padres casados de que falamos anteriormente deve ser visto sob essa luz: quem diz que foi uma oportunidade perdida é um profeta do infortúnio, evidentemente visa a aprovação das próprias agendas e não o kairòs. A porta da ministerialidade com este Sínodo se abriu com grande força. Agora precisamos de um percurso de amadurecimento e acompanhamento que levará anos, mas que chegará ao fim.
Como Repam, como vocês aplicarão concretamente as indicações da exortação?
Para nós agora começa a fase mais importante de todo o processo sinodal. É aquela de uma escuta profunda das instâncias territoriais, de incorporação das diversas vozes e das quase 200 propostas apresentadas no documento final - que o Papa pediu manter presente -, de compreensão da novidade hermenêutica, de um discernimento específico. À Repam cabe um retorno ao território para oferecer os frutos do Sínodo àqueles que são seus principais sujeitos: os representantes das Igrejas locais, as comunidades e os povos indígenas. Juntos, devemos definir uma agenda eclesial, mas também social e política, para responder à realidade. Além disso, esperamos pela instituição de uma nova estrutura pan-amazônica, um organismo eclesial que, com todos os elementos formais e institucionais, possa dar impulso às propostas do documento final e da exortação do Papa Francisco.
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“Padres casados é um tema que distrai, a exortação é uma esperança para a nossa terra”. Entrevista com Mauricio López, secretário executivo da REPAM - Instituto Humanitas Unisinos - IHU