13 Janeiro 2020
Autor da obra eleita o Livro do Ano do Prêmio Jabuti, o sociólogo Pedro Ferreira de Souza analisou a desigualdade no Brasil olhando principalmente para a parcela mais rica da população.
Se por um lado já são conhecidas explicações para a redução da pobreza — como valorização do salário mínimo e transferências de renda —, por outro lado, é mais difícil medir os motivos que levaram os ricos a continuarem ricos, ou a concentrarem ainda mais renda.
Em entrevista à BBC News Brasil, Souza diz que há várias hipóteses que explicam por que a renda continua muito concentrada. Entre elas, estão os ajustes para a elite do funcionalismo, o boom do mercado imobiliário em grandes cidades, o crescimento do mercado acionário e até as políticas que privilegiaram empresas específicas e diminuíram o grau de competição em alguns setores.
"O que dá pra ver muito bem é que, ao longo dos últimos anos, os mais ricos foram ficando cada vez melhores em aproveitar as brechas que o imposto de renda dá", diz o sociólogo. "Quase toda a renda dos muito ricos, hoje em dia, é rendimento isento ou tributado com alíquota menor na fonte." A tese de doutorado de Souza, que é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), virou o livro Uma História da Desigualdade: a Concentração de Renda entre os Ricos no Brasil - 1926-2013.
Meses antes do Jabuti, Celso Rocha de Barros, doutor em Sociologia pela Universidade de Oxford, já havia descrito a obra de Souza como "o melhor trabalho produzido pelas ciências sociais no país nos últimos anos" em sua coluna na Folha de S.Paulo. E a tese de doutorado recebeu os prêmios da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCs) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
(Pedro Ferreira de Souza. Foto: Arquivo pessoal)
Na entrevista, Souza aponta que a disparidade de renda leva a uma desigualdade também no acesso ao poder e à capacidade de influenciar a agenda do país. O resultado é que grupos específicos conseguem, por exemplo, créditos ou subsídios que agravam a desigualdade. É por isso que ele diz que, muitas vezes, o Estado "dá com uma mão e tira com a outra".
O sociólogo destaca, ainda, que a democracia não é garantia de queda da desigualdade, mas é certo que a disparidade aumenta na ditadura.
"Tivemos três períodos em que a desigualdade piorou muito, e rápido: no início das duas ditaduras — no Estado Novo e em 1964 — e no final dos anos 1980, com a hiperinflação. Nem sempre a redemocratização está associada à queda da desigualdade, mas as ditaduras em geral — pelo menos no padrão que o Brasil teve — estão associadas a uma piora."
A entrevista é de Laís Alegretti, publicada por BBC News Brasil, 12-01-2020.
De que forma desigualdade e democracia se relacionam?
Esse é um dos motivos importantes de prestar atenção na desigualdade. Tem uma tensão clara entre o princípio de todo mundo ser igualmente cidadão, com participação política e direitos iguais, e a existência de desigualdade econômica. Quando as desigualdades são muito altas, você tem sempre o risco de que alguns grupos vão conseguir converter o capital econômico em influência política. É algo que se vê no mundo todo.
A partir de determinado nível —quando você tem determinada disparidade de riqueza, o acesso ao poder e a capacidade de influenciar o que é votado, e quais decisões são tomadas—, começa a haver uma desigualdade entre os cidadãos que é extremamente alta e preocupante. E boa parte dos argumentos hoje que tentam olhar a desigualdade salientam essa questão do risco de captura do Estado e do sistema político por aqueles que têm mais recursos econômicos.
Essa tensão em países muito desiguais é muito clara. E também tem outras questões. Se você tem uma desigualdade muito grande, a própria construção de coalizões e maiorias se torna mais complicada. Você começa a ter grupos com interesses e características muito diferentes. Há indícios de que realmente o processo de conseguir aprovar reformas e construir maiorias se torna mais custoso e complicado.
No Brasil, qual é o impacto para a população desse poder de pressão que alguns grupos têm no Congresso? É uma 'bola de neve'?
Não só por ser tão desigual, mas também por outros motivos históricos. Somos um país muito corporativo, em várias dimensões, e com poder de lobby muito forte de alguns grupos. Mas não vejo como uma coisa que está sempre piorando, uma bola de neve que vai crescendo. O que vejo é mais um jogo de soma zero, em que fazer reformas e gerar mudanças, inclusive na direção certa, se torna muito difícil porque tem muitos grupos com poder de veto muito forte sobre qualquer pessoa que possa ameaçar o status quo, então fica um cabo de guerra que não sai muito do lugar.
Para o bem e para o mal, o que vemos hoje é que propostas são atacadas e descartadas mesmo antes de serem anunciadas. A sua margem de manobra para redimensionar os recursos e mudar o perfil dos gastos do Estado se torna muito restrita. Acontece que a estratégia que funciona é você torcer para entrar em um período de algum crescimento da economia, para o orçamento estar sempre crescendo e você conseguir ir acomodando todo mundo ao mesmo tempo, sem precisar fazer mudanças e cortes radicais.
É isso que estamos tentando fazer há muito tempo e o problema é que não crescemos muito. Então esses recursos adicionais que o crescimento traria não se materializam porque o crescimento do Brasil nos últimos 30 ou 40 anos tem sido muito decepcionante, aí fica esse cabo de guerra que não gera mudança significativa na distribuição de renda. Há mudança, não dá pra dizer que não há. Não podemos esquecer delas, mas não são mudanças que mudam a cara do país.
Você pode dar exemplos de medidas que beneficiaram setores específicos e quais são os grupos que têm mais poder de influência?
Tem várias corporações que você vê que têm força política, como o Judiciário e os militares. Tem entidades de classe de vários setores da economia que conseguem muitas medidas favoráveis — por exemplo, quando teve a política de desoneração (da folha de pagamento), ela era restrita a poucos setores e depois rapidamente foi para mais de quarenta. Quando a reforma da Previdência começou a tramitar, desde o início os militares ficaram de fora — e claro que eles têm especificidades. Esse tipo de coisa é corriqueira e não é novidade no Brasil.
E tem uma dificuldade adicional que é muito verdadeira: quando você anuncia uma medida que tende a beneficiar grande parte da população, ela tende a ser muito fácil de entender e transparente, como o reajuste do Bolsa Família e mudanças no salário mínimo.
No caso dos grupos de pressão, como ruralistas e outros tipos de lobby, as medidas que os beneficiam acabam sendo muito mais difíceis de entender para o público leigo em geral, porque costumam ser relativas à regulação do setor, subsídios, desonerações. E elas geralmente vêm embaladas pelo argumento de que são medidas para estimular o crescimento e a geração de emprego. Todos os lobbies, ou quase todos, usam esse argumento de 'medidas importantes para o desenvolvimento do país', que na verdade são muito difíceis de avaliar de fora. Como também é difícil dar um diagnóstico 'no atacado', isso também é algo que facilita a reprodução do status quo.
Você concluiu que o Estado brasileiro é gerador de desigualdade. Como isso acontece?
O que acontece é que o Estado — e qualquer Estado moderno — é muito complexo e pouco transparente. Tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Então claro que tem coisas que o Estado faz e são essencialmente redistributivas e progressivas, como serviços públicos de educação e programas como Bolsa Família. O Estado distribui muito para os mais pobres, mas, por outro lado, ele dá com uma mão e tira com a outra. Essa é a lógica. No atacado, você vê que as coisas não mudam muito e ajudam a reproduzir a desigualdade, por vários lugares. Tanto com créditos e subsídios, como com a previdência da elite do funcionalismo público.
E os prováveis efeitos da reforma da Previdência como um todo, que foi promovida com a lógica de reduzir privilégios?
Fizemos simulações na época da reforma do (ex-presidente Michel) Temer, e o que foi aprovado acaba sendo relativamente parecido, então acredito que as conclusões não mudariam muito. Na época, o que a gente concluiu é que provavelmente o impacto sobre a desigualdade seria muito pequeno, muito perto de zero, tanto pro bem quanto pro mal. É uma reforma importante, mas uma reforma com objetivo claramente fiscal — sem desmerecer, mas, em termos de desigualdade, não vai causar grandes mudanças. O legado da reforma para a desigualdade vai depender do que vai ser feito com esses recursos que serão poupados.
Considerando a História do Brasil, quanto a escravidão explica a desigualdade que temos hoje?
É impossível entender o Brasil sem olhar para isso e dar o devido peso a esse passado — acho inclusive que, fora das universidades, falamos muito pouco sobre o passado colonialista e escravocrata do Brasil. Entendo a reação de tentar se afastar disso, porque é um passado muito ruim e opressor, mas é muito recente e é absolutamente central para entender o Brasil de hoje. Você vê até hoje a persistência de desigualdades raciais muito enraizadas e difíceis de mudar, em um grau muito alto.
No caso brasileiro, a escravidão é formadora de onde estamos hoje. O que pode ser dito, além disso, é que isso também não absolve nossos pecados dos últimos cem anos. O fato de termos esse passado muito pesado não absolve nossos pecados porque nós só fizemos foi reproduzir desigualdades de lá pra cá e poderia ter sido diferente.
No início do século 20, o Brasil já era muito desigual, mas a distância que separava a gente da Europa era muito menor do que é hoje. O que aconteceu na Europa foi outro tipo de tragédia — basicamente, aquele período entre as guerras que mudou muito os países europeus e equalizou muito a renda nos países europeus. Não que a gente queira passar por isso, mas mostra que é possível e que deveríamos ter melhorado e avançado para reverter esse legado histórico que agora está dado.
É uma tragédia em dois atos: chegar no início do século 20 com esse peso histórico tão forte, um legado horrível. Mas ao longo do século 20 também não conseguimos manter esse padrão e avançar na direção certa. E até hoje enfrentamos dificuldade de reverter. Quando falamos em desigualdade no Brasil, estamos falando sobre tornar o Brasil mais parecido com a maior parte do mundo — reduzir a desigualdade pra gente se aproximar de países da Europa e alguns da Ásia. Estamos sempre entre os países mais desiguais. É difícil mudar do dia para a noite, mas os avanços foram bem menores do que poderíamos esperar.
Considerando as últimas décadas, qual foi o efeito da ditadura? E como conseguiríamos reduzir a desigualdade?
É muito difícil mesmo. Os maiores exemplos que temos de países que eram muito desiguais e se tornaram rapidamente países relativamente igualitários, em geral, é porque alguma coisa deu muito errado — como a Segunda Guerra na Europa, que é o caso mais emblemático. Foi um período, não só por causa da destruição, mas por uma série de ações e políticas que os governos tiveram que adotar, em que os países mudaram muito, muito rápido.
Mudanças radicais tendem a acontecer nesses momentos — o que não significa que seja impossível mudar, mas mostra que é difícil. No nosso caso, tem esse padrão alto histórico, mas ele não é estático. Tivemos três períodos em que a desigualdade piorou muito, e rápido: no início das duas ditaduras — no Estado Novo e em 1964 — e no final dos anos 1980, com a hiperinflação. Nem sempre a redemocratização está associada à queda da desigualdade, mas as ditaduras em geral — pelo menos no padrão que o Brasil teve — estão associadas a uma piora. No Chile também aconteceu isso, na Alemanha dos anos 1930 também. São momentos diferentes, claro, mas só para mostrar que ditaduras tendem a piorar a desigualdade, pelo menos no primeiro momento.
Para o futuro, tem várias políticas que colocariam a gente na direção certa, mas a questão é que nenhuma medida, sozinha, vai fazer uma diferença tão grande assim. Esse é o dilema. Você teria que andar na direção certa e tomar medidas em áreas diferentes e manter isso sem possibilitar reversão ou qualquer tipo de compensação e minimização. Isso é o mais difícil. A resistência política vem daí, porque um governo pode abraçar um tipo de reforma, dar todo apoio a ela, mas para construir a própria coalizão e conseguir votos a favor dela vai ter que fazer concessões em muitas outras áreas. E a democracia é isso, é bom que seja isso, mas quando a democracia funciona em um país que é tão desigual, essas concessões acabam sendo coisas que vão diluindo os efeitos positivos das reformas. Evitar isso é o grande dilema daqui pra frente para mudar esse quadro. Não é só o que fazer — que do ponto de vista técnico temos vários caminhos que poderiam ser explorados, como a própria questão da tributação.
Você disse que o Estado dá com uma mão e tira com a outra. A dificuldade é parar essa parte de 'tirar com a outra', então?
Essa é a dificuldade, o fato de que você pode aprovar um benefício novo, direto para os mais pobres, e ao mesmo tempo, sem que ninguém perceba, ou com muito menos visibilidade, fazer mudanças regulatórias que vão acabar protegendo certos setores ou ajudando empresas específicas, esse tipo de coisa que vemos acontecendo o tempo inteiro nas últimas décadas. É difícil estudar isso de forma sistemática, porque são coisas que acontecem nos bastidores. No fundo, temos pouca informação e poucos dados para estudar essas políticas.
A política mais óbvia, ainda mais em momento de crise, seria você aplicar uma reforma tributária que deixasse a tributação muito mais progressiva. Seria um primeiro passo reduzir os tributos indiretos e aumentar muito os tributos diretos, principalmente imposto de renda. Transferências que beneficiam os mais pobres também poderiam ter peso maior. Tem algumas propostas circulando, como a ideia de um benefício universal para crianças, que seria uma inovação bem ousada e muito positiva. Uma das nossas desgraças é a pobreza infantil. E também a forma de arrecadar.
Um dos pontos mais comentados sobre o seu trabalho é a conclusão de que a desigualdade não caiu de forma tão drástica durante o governo do ex-presidente Lula, embora muita gente tenha saído da pobreza. Foi uma surpresa?
Foi uma surpresa gigantesca. A gente não esperava, calculou várias vezes, testou alternativas, porque todos os melhores dados indicavam queda grande da desigualdade. Hoje tem um entendimento um pouco melhor do que aconteceu, de que houve de fato mudanças para a pobreza — de fato, a queda da pobreza foi muito forte nesse período, também porque foi um período de crescimento.
Na desigualdade, quando olhamos a parte de baixo, houve melhora e foi significativa: houve aumento da fatia da renda que vai para os mais pobres, sem dúvidas. A surpresa foi que, ao juntar os dados do imposto de renda às outras informações que a gente já tinha, nota-se que entre aqueles que estão bem no topo da distribuição, o 0,1% mais rico, a fatia de renda ou ficou estável ou aumentou um pouco.
Claro que isso é uma surpresa e ainda estamos tentando entender isso. Se os mais pobres avançaram em termos relativos e os mais ricos avançaram ou ficaram onde estavam, o que acaba acontecendo é que quem perdeu em termos relativos foi justamente o grupo que está entre esses dois extremos. A fatia da renda desse grupo recuou um pouco, e aí quando você olha o coeficiente de Gini (instrumento estatístico para medir a desigualdade de renda das populações), vê queda da desigualdade bem menor do que a gente imaginava. Claro que toda queda é positiva, mas achávamos que era uma queda gigante e sustentável, e vimos uma coisa bem mais tímida. Fica um sentimento frustrante, que mostra a dificuldade de mudar a desigualdade.
Para entender a melhora dos mais pobres, acho que progredimos muito e muita gente já estudou isso e os motivos são bem compreendidos — melhora educacional, geração de empregos muito forte especialmente para baixa qualificação, valorização do salário mínimo, avanço das transferências sociais. Mas para entender a persistência do topo nós temos várias hipóteses e não temos as informações para testes mais definitivos porque os próprios dados do imposto de renda ainda são de acesso muito restrito. A matéria-prima ainda é muito precária no caso do Brasil.
E quais são as hipóteses para explicar esse avanço ou estabilidade dos mais ricos?
Tem várias hipóteses plausíveis, e todas devem ter contribuído em algum grau, mas não dá para dizer qual foi mais ou menos importante. Você tem desde o fato de a elite do funcionalismo ter tido ajustes bastante fortes até coisas como um período de boom, de bolha, no mercado imobiliário de grandes cidades brasileiras. Além disso, o mercado acionário brasileiro teve período de crescimento forte, tem toda a política de campeãs nacionais, que em vários setores acabou diminuindo o grau de competição do setor e ajudou na formação de grandes grupos. Outro ponto foi o boom de commodities internacionais, em que as grandes exportadoras se beneficiaram muito também. Tudo isso pode ter contribuído, mas não temos como medir a importância relativa de cada item.
O que dá pra ver muito bem é que, ao longo dos últimos anos, os mais ricos foram ficando cada vez melhores em aproveitar as brechas que o imposto de renda dá. Se você olha para o topo, cada vez mais os rendimentos dos mais ricos foram considerados isentos de tributação, muito puxado por lucros e dividendos, que são tributados na pessoa jurídica, mas na distribuição para a pessoa física não são tributados.
Então hoje em dia isso inclusive estimula o fenômeno de todo mundo virar PJ — é trabalho, mas ele vira pessoa jurídica pra ficar mais barato para o patrão e para ele pagar menos imposto. Ao longo do tempo, você vê muito claramente esse aumento do que é rendimento isento na renda dos mais ricos. A renda dos muito ricos, hoje em dia, quase toda ela é rendimento isento ou tributado com alíquota menor na fonte. Então ao longo do tempo houve um aprendizado no sentido de como explorar melhor as brechas que o sistema tributário dá.
E existe uma discussão sobre se tirar pessoas da pobreza, melhorando a "parte de baixo", é mais importante que reduzir a desigualdade. Como você vê esse debate?
Não consigo entender qual é o dilema que as pessoas tentam criar. Do ponto de vista do combate à pobreza, evidente que, para um dado nível de renda, se você diminuir a desigualdade, a pobreza vai tender a diminuir também. E, do ponto de vista mais realista, óbvio que, se você quer direcionar recursos para o combate à pobreza, esses recursos precisam ser arrecadados de algum lugar. E claro que você será mais eficiente no combate à pobreza se você tiver arrecadando dos mais ricos. Se você tributar os pobres para dar para os pobres, não vai fazer diferença. Se você tributar os mais ricos e fizer transferências ou programas para os mais pobres, você vai conseguir também simultaneamente atacar pobreza e desigualdade.
O que se coloca nesse debate, em geral, é a questão entre crescimento e desigualdade. É a ideia de que crescer a qualquer custo vai acabar diminuindo a pobreza, mas que pode levar a aumento da desigualdade, o que pode ser ou não verdade. Isso está longe de ser uma coisa consensual. Durante algum tempo se acreditou que o crescimento necessariamente reduziria a desigualdade, então valeria a pena. Hoje em dia você vê muitos resultados que vão na direção oposta, de que um grau de desigualdade muito elevado pode prejudicar o crescimento, justamente por tornar o Estado ineficiente, pela captura do Estado.
A discussão sobre desigualdade sempre cai em alguns espantalhos, como 'ah, estão querendo nivelar por baixo e que todo mundo fique igualmente pobre e todo mundo tenha exatamente a mesma renda'. E nunca é nada disso que as pessoas estão falando, as pessoas estão falando sobre como conciliar as duas coisas (crescimento e redução da desigualdade). Crescer é sempre bom, ou quase sempre bom. O ponto é que é possível você crescer, aumentar a desigualdade e não reduzir a pobreza. Essa é a questão.
Em geral, os governos tentam resolver o problema com crescimento — vamos fazer a economia crescer porque aí todo mundo vai estar melhorando de vida, isso já satisfaz as pessoas e vamos ter mais recursos para fazer política e redistribuir, se for o caso —, mas essa solução do crescimento nem sempre é possível. Os países ricos estão crescendo mais devagar hoje em dia e aí, no ambiente democrático, é claro que se o bolo está sempre crescendo, a discussão de quem está ficando com o que acaba sendo mais saliente. Então acho que estamos em uma dessas fases de crescimento mais baixo, problemas macroeconômicos, e as pessoas começam a se comparar e falam 'ok, mas por que as fatias estão sendo distribuídas dessa maneira?'. É um debate que nunca vai embora de vez. Em um país como o Brasil, é mais difícil ainda. É uma questão inevitável: é um grau de desigualdade tão alto porque as demandas e necessidades são muito grandes.
O atual governo está trabalhando de alguma forma para reduzir a desigualdade?
Eu não ouso dar uma opinião por um motivo pragmático: quando analisamos a desigualdade estamos sempre falando do passado, porque tem sempre uma demora de pelo menos dois anos entre o que acontece e os dados estarem públicos e disponíveis. Sou cauteloso e fujo das análises de conjuntura porque estamos sempre olhando para o passado e sempre olhando para uma mistura de decisões de governos atuais e governos anteriores. E, quando me perguntam sobre a perspectiva para o futuro, independentemente de qualquer governo, qualquer coisa, o melhor palpite para daqui cinco anos é achar que as coisas vão continuar mais ou menos como estão. É difícil imaginar o país ficando radicalmente mais desigual ou radicalmente menos desigual no curto ou no médio prazo.
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Democracia não garante queda da desigualdade, mas disparidade aumenta em ditaduras, diz vencedor do Prêmio Jabuti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU