11 Dezembro 2019
No final de novembro, a Comissão Teológica Internacional reuniu-se no Vaticano para celebrar seu primeiro meio século de vida. E o papa Francisco, ao recebe-la em audiência, agradeceu-a por ter produzido, em 2018, um documento sobre um tema muito querido por ele: a sinodalidade, explicando que esta não é o que muitos pensam, isso é, “dar-se as mãos e caminhar, fazer festas com os jovens ou fazer uma enquete sobre opiniões do que se pensa sobre o sacerdócio das mulheres”.
Porém, poucos perceberam que aos trinta teólogos da Comissão chegou também uma mensagem de outro Papa, hoje “emérito”, de nome Joseph Ratzinger, também um teólogo de primeiro nível, que fez parte desta mesma Comissão na sua fundação, em 1969.
A reportagem é de Sandro Magister, publicada por Settimo Cielo, 09-12-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A mensagem enviada por Bento XVI à Comissão Teológica Internacional pode ser lida integralmente em italiano, na página oficial do Vaticano, neste link.
É um texto, inquestionavelmente, escrito a punho. Com interessantes apontamentos autobiográficos que se entrecruzam com uma biografia da Igreja Católica do final do século XX.
Para começar, Ratzinger aprecia a autonomia que a Comissão Teológica teve, desde suas origens, em relação à Congregação para a Doutrina da Fé. É certo que o prefeito da Congregação é também o presidente da Comissão, porém é como na “monarquia austro-húngara”, na qual “o imperador da Áustria e o rei da Hungria eram a mesma pessoa, enquanto que os dois países viviam autonomamente um junto ao outro”.
A ausência desta autonomia da Comissão, observa Ratzinger, “poderia dissuadir alguns teólogos de aceitar serem membros dela”.
A recém-nascida Comissão, prossegue Ratzinger, teve seu primeiro campo de prova com o Sínodo dos Bispos, em 1971, sobre o sacerdócio. Precedeu o Sínodo um livro intitulado “Le ministère sacerdotal”, que foi como um subsídio de preparação. E durante a assembleia alguns teólogos da Comissão, “graças a um extraordinário trabalho, fizeram que o Sínodo pudesse publicar imediatamente um documento sobre o sacerdócio escrito pelo próprio Sínodo”.
“Desde então, isso jamais voltou a ocorrer”, se lamenta Ratzinger. Deixou-se ao Papa a tarefa de escrever uma “exortação pós-sinodal”, porém que é um documento de sua autoria, não propriamente do Sínodo.
Ratzinger se detém depois sobre os componentes do primeiro quinquênio da Comissão, da qual ele também fazia parte.
Estavam os que ele chama “as grandes figuras do Concílio”, e dá os nomes de Henri de Lubac, Yves Congar, Karl Rahner, Jorge Medina Estévez, Philippe Delhaye, Gerard Philips, Cipriano Vagaggini e Carlo Colombo, “considerado o teólogo pessoal de Paulo VI”.
Porém, havia também “teólogos importante que curiosamente não haviam encontrado um lugar no Concílio”, como Hans Urs von Balthasar e estes outros:
- Louis Bouyer “que como convertido e monge era uma personalidade extremamente voluntariosa, e por sua despreocupada franqueza não agradava a muitos bispos, porém foi um grande colaborado com uma incrível amplitude de conhecimento”;
- Marie-Joseph Le Guillou “que havia trabalhado noites inteiras, sobretudo durante o Sínodo dos Bispos (de 1971), fazendo assim possível em essência o documento desse sínodo, com seu modo radical de servir”;
- Rudolf Schnackenburg, que “encarnava a exegese alemã com toda a pretensão que a caracterizava”;
- André Feuillet e Heinz Schürmann, de Erfurt, “cujas exegeses eram de suavidade mais espiritual, como uma espécie de polo oposto”;
- e por último, “o professor Johannes Feiner, de Coira, quem como (Suiça) representante do Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos cobria um perfil particular na Comissão. A questão respeito a si a Igreja Católica tivesse aderido ao Conselho Ecumênico das Igrejas, em Genebra, como membro normal a todos os efeitos, tornou-se em um ponto decisivo sobre a direção que a Igreja teria que empreender depois do Concílio. Depois de um desencontro dramático sobre a questão, decidiu-se, finalmente, pela negativa, a qual induziu Feiner e Rahner a abandonarem a Comissão”.
No segundo quinquênio, Ratzinger destaca as entradas na Comissão do “jovem” Carlo Caffarra, do jesuíta alemão Otto Semmelroth e do outro alemão Karl Lehmann, o último de “uma nova geração cuja concepção começou a afirmar-se claramente”.
“Sob a orientação de Lehmann - continua Ratzinger - surgiu a questão da teologia da libertação, que na época não representava um problema teórico, mas determinada de maneira muito concreta e também ameaçava a vida da Igreja na América do Sul. A paixão que encorajava os teólogos era paralela ao peso concreto, também político, da questão.
E em uma nota de rodapé, ele acrescenta:
“Permita-me aqui um pouco de memória pessoal. Meu amigo, padre Juan Alfaro S.J., que ensinou especialmente a doutrina da graça na Pontifícia Universidade Gregoriana, por razões completamente incompreensíveis para mim naqueles anos, tornou-se um apaixonado partidário da teologia da libertação. Eu não queria perder minha amizade com ele e essa foi a única vez em todo o período em que fui membro da Comissão que escapei da sessão plenária”.
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Mais ainda do que sobre a teologia da libertação, Ratzinger detém-se no "problema da teologia moral", que vem à tona de forma dramática desde o final dos anos 1960:
“A contraposição das frentes e a falta de uma orientação de fundo comum, da qual ainda sofríamos naquela época, ficou totalmente inédito. Por um lado, o teólogo moral americano, professor William May, pai de muitos filhos, que sempre vinha a nós com sua esposa e sustentava a mais antiga concepção rigorosa. Por duas vezes teve que experimentar a rejeição unânime de sua proposta, algo que nunca havia acontecido antes. Ele começou a chorar, e eu não consegui confortá-lo eficazmente”.
“Próximo a ele, pelo que me lembro, estava o professor John Finnis, que lecionou nos Estados Unidos e que expressou a mesma imposição e o mesmo conceito de uma maneira nova. Ele foi seriamente considerado desde o ponto de vista teológico e, mesmo assim, não conseguiu chegar a nenhum consenso. No quinto quinquênio, da escola do professor alemão Tadeusz Styczen – amigo do papa João Paulo II – veio o professor Andrzej Szoztek, um representante inteligente e promissor da posição clássica, que ainda não conseguiu criar um consenso. Por fim, o padre Servais Pinckaers tentou desenvolver, a partir de São Tomás de Aquino, uma ética das virtudes que eu considerava bastante razoável e convincente, mas ele não conseguiu reunir nenhum consenso.
“Quão difícil é a situação também pode ser evidenciada pelo fato de João Paulo II, que gostava particularmente de teologia moral, na decisão final ter enviado a redação final de sua encíclica moral 'Veritatis splendor', ao querer atender, antes de tudo, o Catecismo da Igreja Católica. Ele publicou sua encíclica apenas em 6 de agosto de 1993, também encontrando novos colaboradores para ela. Penso que a Comissão Teológica deve ter em mente o problema e deve fundamentalmente continuar o esforço para buscar um consenso”.
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Finalmente, Ratzinger para na questão do relacionamento com outras culturas e religiões:
“Até que ponto as igrejas jovens estão ligadas à tradição ocidental e em que medida outras culturas podem determinar uma nova cultura teológica? Foram sobretudo os teólogos da África, por um lado, e da Índia, por outro, que levantaram a questão, sem nunca terem sido devidamente tematizados. E o diálogo com as outras grandes religiões do mundo não tem sido tematizado até agora. ”
E acrescenta em outra nota de rodapé:
“Eu também gostaria de destacar um caso curioso aqui. Um jesuíta japonês, padre Shun’ichi Takayanagi, havia se familiarizado com o pensamento do teólogo luterano alemão Gerhard Ebeling, que podia argumentar inteiramente com base em seu pensamento e linguagem. Mas ninguém da Comissão Teológica conhecia Ebeling tão bem que permitia um diálogo frutífero, por isso o estudioso jesuíta japonês deixou a Comissão, porque sua linguagem e seu pensamento nela não conseguiram encontrar um lugar”.
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Do diário de Ratzinger, boas e más ações da Comissão Teológica Internacional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU